quinta-feira

As redes, o Estado e as empresas em contexto de globalização competitiva

Uma restrição não justificada à livre circulação de capitais foi o fundamento previsível que serviu de base ao chumbo da intervenção do Estado na Pt via golden share, esses direitos especiais anacrónicos que o Estado ainda mantém na empresa de Picoas - entre o Marquês e o Saldanha, duas referências da História de Portugal, curiosamente - hoje abalados por Espanha.
Uma situação que desencoraja os investimentos de outras empresas de investir em Portugal e, com isso, se introduz mecanismos que falseam as regras do mercado livre por força daquele proteccionismo do Estado que, segundo a oposição, serve apenas para o poder em funções empregar os seus boys, o que também é verdade quando o PSD esteve no poder. A praxis política entre estes dois partidos do arco da governação é exactamente a mesma, e toda a gente sabe disso.
Mas isto é o óbvio, importa ir um pouco além na análise e perceber os fundamentos teóricos desta promiscuidade existente entre Estados e empresas, descentrando aqui o aspecto concreto da PT e Telefonica relativa à disputa da posse da Vivo.
Esta amálgama de interesses ainda ocorre porquÊ?
Em parte, porque o Estado intermedeia interesses empresariais que têm impacto directo e indirecto na governação. Pelo que analisar as relações entre grupos de interesse e o Estado é compreender o pluralismo e a forma como a competição desses interesses se organizam na racionalidade estratégica das empresas e do Estado a fim de ambos atingirem mais eficientemente os seus objectivos internos, internacionais e globais na cadeia de valor em que operam. Ainda que essa rede compósita de interesses não seja convergente, pois o que interessa ao Estado pode divergir do interesse privado.
Isto leva-nos ao neocorporativismo reinante em que as sociedades modernas criaram inúmeros vínculos entre interesses públicos e privados, por vezes trata-se de vínculos triangulares que envolvem interesses políticos, anéis burocráticos e interesses empresariais com forte componente financeira e tecnológica. Por vezes, estes esquemas complexos implicam níveis de competição no interior do próprio Estado e nas suas relações de interdependência com o meio empresarial que funciona frequentemente à base da diplomacia da "cenoura" e do "chicote".

Isto coloca um verdadeiro desafio para as democracias representativas, já que nem sempre a formulação das políticas públicas decorre da vontade do povo, i.é, do interesse geral racionalizado e programado a cada momento em função da anuência da vontade popular formulado em cada conjuntura, mas é resultado duma permanente correlação de forças entre Estado, empresas, agentes e operadores financeiros que intermedeiam interesses, lobis e um conjunto de actores mais ocultos que acabam por consubstanciar as decisões finais globais.
Porventura, uma das muitas lições a extrair da confusão gerada em torno da forma como a Telefonica quis literalmente engolir a posição da PT na Vivo - obrigando o Estado a intervir para salvar a face da PT - ainda que agora o Estado português fique numa posição delicada à face do direito comunitário e da UE no seu conjunto, é que as agendas, as políticas económicas, financeiras e no sector delicado das telecomunicações não podem ser desenvolvidos com os pés, mas com a cabeça e sempre respeitando a soberania de cada parte envolvida. Porque, em rigor, todos alí são soberanos, e todos também alí precisam uns dos outros. São simultaneamente todos fortes e todos fracos.
Com este veto do Governo à realização do negócio Sócrates obrigou os espanhóis da Telefonica a negociar com educação, metendo na mesa das negociações os homens certos: Granadeiro, Luís de Melo e, claro, Zeinal Bava. Nesse sentido, foi uma vitória pessoal de Sócrates contra uma empresa 10 vezes maior do que a PT, ainda que pareça ter sido uma derrota do PM português por causa do acordão do TJUE e, claro, da habitual soberba de Ricardo salgado ES, o homem forte do banco onde jamais colocaria um cêntimo dos meus recursos.
Ora, é nesta dualidade delicada de força e de fraqueza ibérica - com incursões ao Brasil, a nossa maior e mais importante ex-colónica a quem demos unidade política por via da língua de Camões, Vieira, Eça e Pessoa, que iremos ver de que material é feito a amizade entre Sócrates e Zapatero, considerados os melhores amigos da Europa.
Uma amizade que, so far, só tem penalizado Portugal, desde o futebol à área económica e financeira, veremos se ainda se salvam a esferas da política e da cultura.

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