sexta-feira

Amargos de boca - por António Vitorino -

A decisão tomada pelos chefes de Estado e de Governo da União Europeia de criarem um quadro de emergência para estabilização do euro, seguida pela sua concretização na reunião dos ministros das Finanças no passado fim-de-semana, foi por muitos considerada tardia. Mas pode-se dizer que veio ainda a tempo de estancar o apertar do cerco que vinha a desenvolver-se a partir da crise grega, ameaçando já directamente a economia portuguesa e a espanhola e, assim, pondo em causa a credibilidade da moeda comum europeia.dn
Importa, desde logo, retirar duas lições preliminares.
Por um lado, os mecanismos de decisão da União e o sentido de responsabilidade comum por uma moeda com vocação global mostram-se desadequados e insuficientes face à realidade do mundo global em que vivemos. A agilização desses mecanismos e o reforço da vontade política que preside ao seu accionamento constitui um desafio central. A que começou a responder a Comissão com as propostas que avançou esta semana quanto à coordenação das políticas económicas dos Estados membros.
A segunda lição é a de que a interdependência do mundo global suscitou uma viva reacção em cadeia de queda dos mercados em geral, na senda da crise de uma pequena economia europeia, a grega, culminando nas iniciativas que o próprio Presidente americano, Barack Obama, se sentiu obrigado a tomar para incentivar uma solução concertada a nível europeu.
A resposta europeia determinou a necessidade de Portugal e Espanha assumirem compromissos mais firmes e ambiciosos de ajustamento das respectivas contas públicas.
Com efeito, se os países membros da Zona Euro beneficiam da protecção da moeda comum europeia, como foi evidente no auge da crise financeira em 2008/2009, sobre todos eles impende também a responsabilidade de contribuírem para a sustentabilidade e a credibilidade do euro, evitando constituírem-se em elos fracos através dos quais as pressões especulativas se fazem sentir, com efeitos sobre todos os demais países europeus.
As novas medidas anunciadas (aceleração da redução do défice orçamental, por via de uma maior redução da despesa pública, do cancelamento de alguns investimentos de maior peso financeiro e de um aumento dos impostos sobre os rendimentos das pessoas e das empresas) trazem um quadro de esforços e sacrifícios que naturalmente provocarão um aumento da tensão social.
As medidas que afectam as condições de vida das pessoas geram sempre contestação. A verdade, contudo, é que, se o trajecto agora anunciado não for aplicado com rigor, a situação com que nos confrontaríamos daqui a alguns meses seria sempre pior e acabaria inevitavelmente por se traduzir em medidas ainda mais drásticas e gravosas para as populações.
O facto de o sentido geral deste esforço adicional ter sido concertado entre o Governo e o principal partido da oposição afigura-se como essencial para robustecer a confiança no futuro da economia portuguesa. As condições de colocação nos mercados de mil milhões de euros de dívida pública portuguesa esta semana, no essencial, quanto à procura registada e quanto aos juros praticados, espelham já o efeito positivo do anúncio das medidas e do respaldo político que as mesmas se beneficiarão.
O consentimento popular quanto a estas medidas dependerá de dois factores fundamentais. Por um lado, da demonstração quanto à equidade na repartição dos custos e dos sacrifícios impostos em termos sociais e por sectores de actividade económica. E, por outro, do rumo a imprimir às reformas necessárias, de modo a pôr termo ao "síndroma do eterno retorno", ou seja, à sensação de que ciclicamente voltamos à casa de partida da crise, onde novos sacrifícios são pedidos em virtude de não se resolverem os problemas de fundo da economia portuguesa.
Seria, pois, positivo que, para além da convergência sobre as medidas de emergência, o consenso político também pudesse alargar- -se aos problemas da competitividade e da produtividade que estão na base destes sobressaltos que ciclicamente nos assolam. A resposta que dermos hoje à crise poderá poupar-nos muitos amargos de boca amanhã.
Obs: Mais vale tarde do que nunca. Felicite-se a decisão de emergência para a estabilização do euro, até porque os especuladores são como a moda, regressam sempre e com os mesmos propósitos..

Etiquetas: , , , ,