sexta-feira

Tragédia grega - por António Vitorino -

Em português corrente, "ver-se grego" significa passar por uma provação. Nos tempos que correm ninguém quer ser visto como grego, não tanto na acepção comum atrás referida mas mais pela situação económica daquele país mediterrânico. dn
Na semana passada, enquanto o Governo se esforçava por marcar as diferenças nacionais face ao "caso grego", a líder da oposição veio a público dizer que se nada fosse feito o nosso país estaria em linha com a trajectória económica grega.
Desde a final do Euro 2004 que a Grécia não ocupava um lugar tão central na nossa vida pública. Mas nem os gregos merecem ser vistos como companheiros indesejáveis nem o interesse nacional consente que, para meros fins de luta política interna, se instrumentalize a difícil situação económica da Grécia.
Em dois aspectos fundamentais as diferenças são relevantes. Por um lado, por controversas que sejam certas opções de contabilização da despesa entre nós, nunca Portugal foi suspeito de deturpar os dados fundamentais das nossas contas públicas, como sucedeu já por duas vezes com a Grécia. Por outro lado, as necessidades de financiamento externo de curto prazo do nosso país (e a própria dimensão da dívida pública em relação ao PIB) não são equiparáveis à situação grega.
Contudo, a raiz dos problemas dos países da orla sul do Euro (da Espanha, de Portugal, da Itália e da Grécia) reside na perda de competitividade das suas empresas e no aumento dos custos unitários de produção, designadamente do trabalho, em função da produtividade, isto por comparação com os valores médios europeus.
O que significa que estes países têm diferentes necessidades de gestão das respectivas dívidas externas no curto prazo, mas em comum confrontam-se com a necessidade de introduzirem reformas estruturais que debelem as causas profundas dos seus desequilíbrios económicos próprios. Em qualquer destes dois aspectos cada caso é um caso.
O que singulariza particularmente o caso grego é que uma apreciável necessidade de refinanciamento da dívida a curto prazo (50 mil milhões de Euros em 2010, dos quais metade já no corrente mês de Março) coincide com uma assinalável pressão dos mercados financeiros, que se traduziu num aumento significativo do spread aplicável à dívida soberana grega por referência ao da dívida alemã.
Uma parte desta pressão insere-se, por seu turno, numa manobra envolvente de especulação sobre o euro, de que resultou, nos últimos meses, uma depreciação da moeda única europeia em relação ao dólar na ordem dos 10%. E se esta depreciação pode corresponder até a um certo benefício para as exportações dos países da Zona Euro, ela não deixa de criar um ambiente de volatilidade em relação à moeda única que deixa nervosos alguns países, com a Alemanha à cabeça.
O momento que estamos a viver sublinha as debilidades de governança da Zona Euro e as insuficiências dos mecanismos de coordenação das políticas económica e fiscal dos seus Estados membros. E se esta instabilidade tem na Grécia o seu epicentro, as razões de preocupação prendem-se sobretudo com o "efeito de contágio" que dela pode advir, sobretudo em relação a economias de maior dimensão como a espanhola e a italiana.
Neste contexto, estancar esse indesejável "efeito de contágio" passa por encontrar no imediato uma solução para as limitações de liquidez da Grécia, o que será decerto feito por diversas vias, já que os Tratados não permitem uma intervenção directa de saneamento financeiro com base no orçamento comunitário. Esse é o interesse de todos os países que partilham a moeda única europeia, como também é o interesse dos bancos (sobretudo europeus) que detêm o grosso dos títulos da dívida pública grega.
Mas de igual modo é do interesse dos países que estão na linha imediatamente a seguir de preocupações surgirem, neste momento, como parte da solução do problema comum europeu e não como candidatos à proliferação de um potencial "efeito de contágio".
Esse é, pois, o grande desafio do Programa de Estabilidade e Crescimento que Portugal terá de apresentar em Bruxelas nas próximas semanas.
Obs: Divulgue-se