Liderança - por António Vitorino -
O principal desafio da UE, na óptica dos cidadãos, é o de encontrar respostas para o desemprego estrutural. dn
Depois do referendo irlandês do ano passado, muitos apressaram-se a passar a certidão de óbito ao Tratado de Lisboa. Quando neste Outono os irlandeses reverteram o seu voto, os mesmos olharam para o Presidente Checo como "o último dos moicanos", na esperança de que este resistisse até uma vitória conservadora no Reino Unido na Primavera do ano que vem. E, quando finalmente Vaclav Klaus trocou a assinatura por uma declaração absurda sobre a não aplicação da Carta dos Direitos Fundamentais aos famosos Decretos Benes, os detractores do Tratado de Lisboa tiveram o pudor de não agitar a última esperança que lhes restava: que o parlamento de uma pequena ilha finlandesa povoada por um população de origem sueca acabasse por rejeitar o Tratado.
Quando na semana passada o parlamento autónomo dessa ilha desbloqueou o último obstáculo, concluiu-se um processo de oito anos de debates institucionais e finalmente a União Europeia pôde dotar-se de um novo quadro jurídico fundamental.
Após duas tentativas falhadas, três referendos negativos e dois anos de ratificação do Tratado de Lisboa, não causa espanto que aqueles que acreditam no projecto europeu se regozijem com a sua entrada em vigor no primeiro dia de Dezembro.
A cerimónia que se realizou na capital portuguesa na passada terça-feira tem assim uma dimensão simbólica, mas do ponto de vista político encerra um capítulo que foi iniciado na noite do Dezembro de 2000, em Nice, quando os chefes de Estado e de Governo convocaram uma Convenção sobre o futuro da Europa.
Já foi dito que, no essencial, o Tratado de Lisboa recupera as principais inovações do Tratado Constitucional elaborado por aquela Convenção. O resultado, é verdade, é menos legível que o texto autodenominado "constitucional", mas as soluções encontradas no que respeita ao peso relativo dos Estados e às competências dos Estados e da União são as mesmas.
O sentido das mensagens da cerimónia da Torre de Belém é claro: por um lado, de alívio por ter chegado ao fim um processo complexo, difícil, cravejado de obstáculos, que a ter falhado teria levado a União para um impasse de difícil ultrapassagem a curto prazo; mas, por outro lado, acabaram-se os álibis quanto à incerteza que rodeia os tratados e a partir de agora a União tem de passar o teste dos resultados das políticas que adoptar e implementar.
Desde há mais de 52 anos que a integração europeia se legitima aos olhos dos cidadãos dos Estados membros pelos resultados que consegue obter. E, como recordou o primeiro-ministro português, é uma história de sucessos. Só que, no momento presente, perante a crise económica e financeira mundial, perante a globalização económica e financeira, os cidadãos europeus enviam sucessivos sinais de que duvidam da capacidade de a União produzir os resultados desejados, promoção da paz e da estabilidade e conciliação do crescimento e prosperidade dos povos com a coesão e a solidariedade das nossas sociedades.
É, pois, neste terreno que se esperam os resultados e que a bondade das soluções do Tratado de Lisboa será avaliada.
Lendo os números percebe-se que o principal desafio da União Europeia, na óptica dos cidadãos, é o de encontrar respostas para o desemprego estrutural. O mesmo é dizer, definir um rumo de crescimento económico que garanta a criação de postos de trabalho e sustente o modelo social europeu.
Trata-se de um terreno em que a União e os Estados partilham muitas das competências. Mas nem a União tem, por si só, "soluções mágicas" que gerem esses resultados, nem os Estados, cada um por si, podem responder a este repto isoladamente.
Tudo depende, pois, da forma como as instituições europeias e os Estados membros coordenarem a resposta ao desemprego. E daí a relevância da Agenda pós-Lisboa sobre o crescimento económico e a coesão social que deverá ser adoptada no Conselho Europeu da próxima Primavera, sob presidência espanhola.
Não sendo o Tratado de Lisboa a solução, ele, contudo, contém os instrumentos institucionais necessários para dar resposta ao desafio. Resta saber se haverá a imaginação e a vontade política correspondente. O mesmo é dizer, se haverá liderança à altura do desafio!
Obs: Talvez a Europa actual careça de um novo Plano Marshall dos EUA, como sucedeu no pós-II Guerra Mundial. O problema é que então a Europa estava destruída e exangue pela guerra, mas o Tio Sam conseguiu salvar-nos. Hoje, ao invés, estão ambos os continentes cansados - e não é, certamente, o bloco asiático ou o mundo do Leste - que veio do frio - que fará o papel do Plano Marshall - ajudando na recuperação económica. Ou seja, hoje estamos entregues a nós próprios, estamos num mundo mais interdependente mas, ao mesmo tempo, também estamos mais isolados no tecido das sociedades fragmentadas. Eis o paradoxo do nosso tempo. Resta-nos esperar e tentar surpreender a realidade e a força terrível dos factos. Esperar...
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