quarta-feira

Manoel de Oliveira é cineasta e faz 100 anos amanhã. Parabéns.

Esta talvez tenha sido a frase mais original e densa que ouvi do cineasta, Manoel de Oliveira que amanhã faz 100 anos. Quanto aos seus pregaminhos poupo-me aqui de escavacar o cv do realizador: há quem goste mais e há quem goste menos da sua produção cinéfila, mas é reconhecido intra e extra-muros, além de ser o realizador activo mais idoso do mundo. O que por si já é um "capricho da natureza".

Depois também aprecio a postura de Manoel de Oliveira relativamente à interrupção constante dos jornalistas. Um dia, no Porto, virou-se para Carlos Vaz Marques, que é uma verdadeira "picareta falante", e perguntou-lhe se queria responder por ele. Foi a forma mais directa que o realizador encontrou de "meter o excesso" do jornalista no lugar. Resultou.

Perguntado se tinha medo da morte, responde assim: é a vida que me assusta. Faz sentido.

Outra nota biográfica de Manoel de Oliveira, comum a muitos de nós, é o apreço que tem pela prima, com quem se encontrava fora-de-horas, e em vestes menores. Com ingenuidade, rematava... Acreditamos. Mas um dia ainda terá de fazer um filme só sobre a importância que as "primas" têm em nossas vidas (dos homens).

Lúcido aos 100 anos - ainda ironisa acerca da possibilidade de meter as máquinas de filmar no caixão para, quem sabe, numa outra vida, poder dar continuidade ao seu trabalho terreno. É obra bater nos 100 anos e dizer estas coisas, como quem desafia a morte para a meter no bolso logo de seguida.

A SIC prestou-lhe hoje uma digna homenagem, e de homenagem em homenagem Oliveira - que no vídeo infra recebe o seu doutoramento honoris causa na Universidade do Algarve - não quis deixar de evocar a sua grande amiga, a escritora Agustina Bessa-Luís - para sublinhar que "a alma é a rainha dos vícios".

No final da sua prelecção conclui de forma habilidosa: o cinema é o vício da sua alma.

Agora a Câmara Municipal de Lisboa - sob proposta de António Costa, no que foi seguido por toda a vereação, aprovaram um apoio ao filme que Oliveira irá rodar na capital, "Singularidades de uma Rapariga Loira", com base num conto de Eça de Queiros.

Todos estes factos somados só podem taduzir-se numa palavra: Parabéns.

Manoel de Oliveira -Discurso Doutoramento Honoris Causa UAlg

As relações humanas são assim:

fios interrompidos

e retomados até que a morte venha fechar o anel em que

pousaram em vão esperanças e vontades.

Agustina, in Os Quatro Rios, p. 33