segunda-feira

Paradoxos da crise - por Francisco Sarsfield Cabral -

Paradoxos da crise, in Público
A crise financeira “derreteu” uma tal quantidade de dinheiro que agora vem aí uma gravíssima crise económica e social. Desta vez, a “bolha” que rebentou não foi tanto a especulação bolsista mas o crédito fácil. Um crédito convertido em títulos, depois agrupados e transformados em novos produtos financeiros que passaram de mão em mão. Muitos deles são hoje lixo.
O crédito hipotecário subprime estoirou quando o preço das casas nos EUA inverteu a alta (também houve bolhas especulativas na habitação em Espanha, na Irlanda, no Reino Unido, etc.). Mas o crédito fácil e barato não se limitou ao imobiliário. Foi ele que nos últimos anos sustentou o nível de vida das famílias americanas, que praticamente deixaram de poupar. A falta de poupança dos americanos era suprida pela entrada de dinheiro estrangeiro, sobretudo chinês.
Estes factos são conhecidos. Curioso é que, para combater uma crise com raiz no excesso de crédito, se recorra à distribuição maciça de crédito pelas autoridades, sobretudo nos EUA.
Num primeiro momento, os Estados tiveram de intervir no sistema financeiro para evitar a secagem total do crédito, que levaria ao colapso económico. E a descida das taxas de juro no mercado fará quem tem empréstimos pagar menos em 2009. Mas permanece a falta de confiança e a relutância dos bancos em emprestar dinheiro. Daí que os novos créditos e a renovação dos antigos sejam caros (maiores spreads) e difíceis de obter.
Isto aprofunda a recessão. Como reanimar as economias? Com mais dinheiro, muito mais dinheiro, lançado pelos bancos centrais e pelos Estados. Estimulando as pessoas a não pouparem agora, mas a consumirem. Até os bancos centrais incitam ao consumo e ao crédito, baixando as suas taxas de juro. A inflação já não é ameaça; o perigo vem hoje de uma possível baixa de preços (deflação), que seria devastadora, afectando sobretudo os devedores – que não faltam em Portugal.
Paradoxal? Há quem discorde desta chuva de dinheiro estatal. Os alemães, por exemplo, que até têm condições orçamentais e de balança externa favoráveis a programas de relançamento económico, resistem a fazê-lo a sério.
As baixas de impostos e aumentos da despesa pública sugeridos pela Comissão Europeia não entusiasmaram Angela Merkel. A sociedade alemã é alérgica ao laxismo financeiro desde a hiper-inflação de 1923. Apenas há cinco anos se generalizou o crédito ao consumo na Alemanha. Muitos restaurantes e lojas da RFA ainda não aceitam cartões de crédito. Assim, como escrevia Bertand Benoit no Financial Times de 29 de Novembro, para os alemães é pura loucura enfrentar a crise económica encorajando gente endividada e em risco de perder o emprego a consumir mais, emprestando-lhe dinheiro.
A questão vai dominar o Conselho Europeu desta semana. Esperemos que não regresse a velha querela entre keynesianos e anti-kenyesianos. A verdade é que, paradoxalmente ou não, neste momento as economias (e não só os bancos) precisam de doses enormes de dinheiro público para não afundarem. O pragmatismo americano logo o percebeu, afastando querelas ideológicas.
Mas importa ter consciência de que estas injecções de dinheiro público envolvem um preço. Podem hipotecar o futuro, com uma virulenta inflação e fortes subidas de impostos daqui a anos. Por isso no combate à crise económica há que tentar minimizar os riscos de longo prazo. Desde logo passando a mensagem de que estimular o consumo (em prejuízo da poupança) é uma exigência imediata, pontual – a prazo, viver acima dos recursos só traz problemas.
Uma situação de emergência requer medidas temporárias. Há medicamentos que, em dadas circunstâncias, são indispensáveis para salvar o doente, mas que não podem ser tomados durante muito tempo porque os seus efeitos secundários fazem mal. O dinheiro estatal – ou seja, dos contribuintes – tem limites.
E cada país tem de ponderar bem até onde pode alargar o défice das contas públicas, área onde Portugal está menos à vontade do que diz o Governo. Importa, ainda, que em Portugal os investimentos públicos tenham um efectivo retorno económico e social, que permita no futuro pagar às fontes estrangeiras que em última análise os financiam. Este é o ponto crucial para um país tão endividado como o nosso. Mas o Governo não parece dar importância ao assunto.
Francisco Sarsfield Cabral Jornalista
Obs: Apesar da existência da moeda nos mercados os problemas hoje parecem ser maiores do que aqueles que existiam ao tempo da economia de escambo.
O Francisco tem razão na advertência que deixa acerca dos limites que cada governo tem na aplicação desses fundos soberanos para salvar (via nacionalização ou outra) instituições financeiras (e outras) em Portugal.
De facto, o momento histórico que vivemos hoje é em tudo diferente dos precedentes. Por isso é natural que não exista teoria geral que indique um caminho a seguir.
Hoje andamos todos às "apalpadelas"...
A conduta relativamente ao BPP sinalizou essa incerteza e dualidade.