sexta-feira

Os aviões... que não vôoam [tornam-se] "assassinos"

É quando acontecem grandes acidentes aéreos que compreendemos bem a razão pela qual as agências de viagens nunca nos podem informar acerca do que o futuro nos reserva.
E às vezes, infelizmente, esse futuro torna-se sombrio, trágico como sabemos pelo acidente de Madrid que vitimou 153 pessoas e que aqui lamentamos profundamentamente.
Diria que o pesadelo para Spanair ainda nem começou. Mas de entre aquelas 172 pessoas a bordo não houve nenhuma que se dirigisse à cockpit e obrigasse o piloto a reflectir mais e melhor acerca das suas próprias dúvidas, mesmo violando as regras da empresa, gastando mais combustível, atrasando mais o vôo - que já estava atrasado porque o aparalho já estava com problemas. Enfim, tudo coisas que se poderiam equacionar e fazer e não fizeram por causa dos horários capitalistas que impõem sempre a esta indústria apertados mecanismos e padrões de observância.
É nestas circunstâncias, com ironias à parte, que não importa que a pessoa tenha um bilhete de ida e volta, morre-se na mesma. Carbonizado, fragmentado, irreconhecível. Nesses momentos a treta do telemóvel nunca toca, e quando toca a pessoa já não atende. É tudo sempre tão trágico, ausente, silencioso. O cheiro da morte é isso mesmo. Algo inexplicável. Também não adianta pedirmos às tais agências de viagem que queremos ir um pouco mais longe..
Ir mais longe num avião em dificuldades é sempre morrer mais depressa. De resto, se há democracia é num avião em colapso, morrem quase sempre todos da mesma forma. Nem os pilotos escapam, aqueles que julgamos deuses aos comandos do pássaro mágico por vezes são os primeiros a marchar. De facto, tudo num avião é imponente mas, ao mesmo tempo, frágil, perigoso.
No meu caso, que já cruzei o Atlântico para Norte e para Sul, um pouco de Europa e alguma África, portanto, não me considero nenhum maniáco de Boliqueime, entendo que o avião é das coisas mais perigosas que existe. Depois do 11 de Setembro distanciei-me mais desses pássaros, embora os aprecie na sua majestática velocidade e porte. Mas prefiro viajar pelo império dos sentidos, ainda que em terra possa morrer banhado por gasolina a 55 klm. Nunca sabemos o que a vida nos reserva.
Uma coisa eu sei, ou penso que sei: um avião não é um casamento, um avião é um foguete bem mais perigoso do que um casamento. Sabemos sempre como saímos de um casamento, mesmo para aqueles que nunca casaram, mas já não podemos sair de um avião sempre que queremos. Por vezes, sem o saber, claro está, estamos alí, como um rebanho, pagamos para morrer a 200, 400, 500, 900 kil. Há velocidades da morte para todos os gostos.
Os aviões são assim, obrigam-nos a pensamentos disformes e obtusos, velocidades diferenciadas, que quase sempre conduzem a fins trágicos. Tanta força, tanto músculo, milhares de cavalos por turbina e, afinal, aquela merdinha não passa dum triciclo que se desconjunta à mínima queda ou ventania. Basta até um pássaro entrar para uma turbina para o motor se incendiar e a lei da gravidade vir por aí a baixo. Por isso, defendo, mandando para a sargeta as tretas das estatísticas que dizem ser os aviões e os elevadores os meios de transporte mais seguros do mundo, que aqueles pássaros são as coisas mais letais que podemos imaginar. Este trágico acidente de Madrid ilustra esta estúpida teoria: o pássarao levantou vôo, o motor esquerdo incendiou-se, subiu a uns 50/60m., não deve ter ultrapassado os 300kil e o resultado viu-se: pereceram 80% dos passageiros.
Teriam, obviamente, morrido todos caso o aparelho ganhasse mais altitude e depois atingisse a velocidade de cruzeiro. Nesse caso, a explosão seria a elevada altitude e aí...
Numa palavra: cede-se ao pânico, por vezes começa-se a correr pelo espaço disponível, embora não saindo do lugar onde sabemos vamos morrer. Mas se se começa a correr num local onde não o podemos fazer é ainda pior porque se fica com a impressão de que é o mundo inteiro, pesado e a arder sobre os nossos ombros, que nos persegue. Por fim, tem-se medo de parar.
Dos aviões gosto de os ver ao largo, em filmes, postais e aqueles aviões de chumbo com que costumava brincar em criança, pensando nessa altura que se tratava de meios de transporte tão belos quanto seguros.
Dizem-me que é preciso viajar, fazer negócios que não estão cá, cruzar oceanos, galgar continentes que de barco levariam "séculos".
Pois, pois!!! Que importa o porquê, se por vezes é o vento manso que nos transporta.
E como diria o outro: mas vale um tipo ficar despenteado, do que morrer carbonizado, a tal ponto que nem a família o consegue reconhecer.
Como saímos disto, então?!
Viajamos ou não viajamos?! Mandamos um mail, compramos um postal do país de destino e dizemos aos amigos que estivémos alí ou, no limite, vamos a um clube de vídeo e alugamos um filme que nos transporte para aquele local que tememos ir d' avião.
Quando se está fora de um avião podemos sempre pensar o que queremos fazer da vida. Quando se está dentro daquela máquina vingativa, qual prisão - é ela que nos dita as condições de como e quando vamos chegar ou morrer. Trata-se, pois, dum contrato leonino, imposto, desigual, não raro, bárbaro.
No fundo, algo bem pior do que um (mau) casamento.
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NOTAS HIPER-CAPITALISTAS DIREITINHAS PARA A SPANAIR EXTENSIVAS ÀS DEMAIS TRANSPORTADORAS AÉREAS

É um ano dramático para a companhia de aviação espanhola Spanair. Para além da crise financeira, o trágico acidente de Barajas vem colocar um enorme ponto de interrogação no seu futuro. Segundo o jornal «El Mundo», até o co-piloto do avião que se despenhou em Madrid seria despedido «dentro de um mês e meio». A empresa previa dispensar 1100 pessoas para tentar evitar a crise.

Francisco Javier Mulet estava, então, em final de contrato, segundo fonte do Sindicato Espanhol das Linhas Aéreas (Sepla). Costumava falar desta condição como sendo «férias forçadas». Habitava em Maiorca, tal como o comandante do avião António Luna, e era um piloto com grande experiência com a aeronave MD-82. Tinha 32 anos e estava na Spanair há um ano e meio. [...] link.