terça-feira

O síndrome do fogacho desportivo nacional. Casa onde não há pão, todos ralham e...

Já dizia o genial Eça de Queiróz, para definir a nossa personalidade colectiva, que tão depressa incendiamos com momentos de fogacho e de felicidade para, logo de seguida, batermos nas amarguras da valeta e reconhecer a nossa incapacidade de não saber-fazer, registar a falta de auto-estima, evidenciar a nossa pequenez. Somos essa espécie de pirilampos, que acende e apaga intermitentemente.
Bem ou mal, é o que sucede a quase todos os títulos nestes Jogos Olímpicos com os atletas nacionais enviados a Pequim para representar Portugal.
Desde logo, o Comité Olímpico permitiu-se dizer quantas medalhas Portugal iria ganhar e quais, só faltou dizer a que horas e fixar os lugares no ranking. Depois, alguns atletas, os tais que "de manhã gostam mais de estar na caminha" - teceram afirmações que seriam aceitáveis à mesa de um café, entre amigos e não veiculadas para a o mundo - que os via e ouvia em directo. Revelou falta de ética e nenhum profissionalismo.
Em 3º lugar, os comentadores da tanga de serviço, aquilo a que designo por síndrome de "Peter Seara" - que não tem qualificação alguma para falar de desporto e passa a vidinha pregado num lamentável programa de tv (em vez de se preocupar com a definição de boas políticas públicas para Sintra e promover a melhoria da qualidade de vida dos sintrenses) - com mais dois comparsas - falando daquilo que lêem nas manchetes dos jornais desportivos que consultam de véspera.
Mas tudo aquilo tresanda a banalidades, não jorra daquelas testas um comentário desportivo especialmente qualificado, construtivo, racional, apetrechado. Tudo aquilo é o sub-produto do linguajar dos treinadores de bancada numa espécie de liga dos últimos dos autarcas do psd (que já foram do cds), cabendo a cada compincha no estúdio a representação de cada club: o Benfica, o Sporting e o Porto. Eis o síndrome de Peter Seara, quanto mais é a sua responsabilidade pública maior é o grau de incompetência dos comentários expendidos. Só falta cuspir para o lado e coçar o testículo, para aquilo se assemelhar à liga dos últimos...
Infelizmente, 3 anos de faculdade chegaram para conhecer bem o "tagarela" egocêntrico que Seara sempre foi na rua da Junqueira, onde dava Direito Internacional Público. Deveria estar calado, pois nenhum contributo deu ao desporto nacional, e quando exige mais responsabilidade a Francis Obikwelu - importa perguntar ao "autarca e paraquedista de Sintra" - que obra tem dedicada ao Desporto, o que fez pela melhoria das condições de treino e de vida dos atletas?!
Zero. O que o Seara tem feito é - pura e simplesmente - promover-se políticamente através do Benfica e do comentário desportivo em tv. Foi assim que ganhou a Câmara de Sintra - onde era completamente desconhecido. Eis um caso de puro parasitismo politico-desportivo - a que nem os otários dos benfiquistas (eu sou benfiquista) nem os sintrenses deveriam admitir para o futuro.
Tudo alí é gratuito, tudo alí é vaidade e vento que passa, como na faculdade - onde o bom do sr. Seara se dava ao luxo de interromper as aulas de Ciência Política de Nuno Rogeiro para estar com ele à conversa com cerca de 30/40 alunos pregados - a assistir aquela marmelada - com nítido prejuízo para os alunos. Recordo que então Rogeiro começara a notabilizar-se, a mediatizar-se através das suas incursões à tv para comentar a Guerra do Golfo, e o Seara também queria palco, fama, desejava ser vedeta, e a forma que escolheu junto dos alunos para criar esse élan era estar sistemáticamente a interromper as aulas do Rogeiro, já com alguma notoriedade.
Eis a minha memória lamentável do sr. seara, partilhada também por outros colegas de curso. Um turbo-autarca cozinhado no lume do Benfica e projectado para a ribalta através do comentário pseudo-desportivo. Depois são estes "patos-bravos do desporto" que enchem e colonizam o espaço do comentário desportivo em Portugal. Lamentável.
Também é aqui, e não apenas nos fracos resultados dos atletas nacionais, que reside boa parte da impreparação desportiva dos portugueses. Acresce o facto de nuns Jogos Olímpicos os níveis de ansiedade, stress, de psicoses e de neuroses aumentar consideravelmente com os níveis de hiper-competitividade. E se nuns casos esse ambiente ajuda a disparar a adrenalina consubstanciando melhores resultados em prova, noutros casos, não raro, tais níveis de stress contribuem para paralisar as boas performances que os atletas, em contexto nacional, conseguem fazer.
Por isso, não é de admirar que Vicente de Moura, Presidente do Comité Olímpico de Portugal/COP, se demita na sequência desta fraca representação. Ao menos foi coerente com os resultados. Esperemos, doravante, é que quando Seara perder a autarquia de Sintra, para não ficar desempregado e regressar à faculdade maçar os alunos, não se lembre de se candidatar ao COP...
Vanessa Fernandes foi uma excepção a essa razia. Ganhou uma 2ª medalha que tem sabor a ouro. É informal e brincalhona, naquele seu estilo maria-rapaz, mas quando toca a trabalhar é altamente competente, responsável, exigente e hiper-produtiva. Mas será que os outros não são assim? Provavelmente, também são, mas os genes de vencedor estão distribuídos de forma diferenciada, depois também temos de contar que os outros têm níveis e padrões de treino superiores aos nossos. As condições e os incentivos financeiros também serão melhores e maiores, à medida da economia de cada nação.
Aqui não há milagres. Mas isto coloca-nos uma questão complexa: por que razão, então, os atletas oriundos dos países do chamado 3 e 4º mundos são tão bons?!

Cuba, Etiópia, Jamaica conseguem performances significativas. Isto revela que além dos apoios do Estado está, neste caso com magros recursos, a capacidade de resistência, a expertise e o factor sorte agregado ao comportamento de cada atleta. É o conjunto articulado desses factores que acaba por ser preponderante em contexto de prova.

Ora, como muitos dos nossos atletas acusaram essa ciclotimia, entre a euforia e a depressão que os paralisa e subtrai rendimento físico, como o mercúrio que muda consoante a temperatura, talvez não fosse marginal informar os currícula dos cursos de Desporto em Portugal de molde a potenciar ou a calibrar as suas disciplinas com matérias, técnicas e métodos que ajudem os atletas a lidar melhor com essa ansiedade.

Uma ansiedade que se converte em medo. E se nuns casos o medo constitui um catalizador para a acação, noutros, como parece ser o caso nestes Jogos Olímpicos na China, funciona como doença colectiva que tolhe todos.

Parece até tratar-se duma maldade da China como resposta às injustiças dos tratados desiguais impostos pelas potências ocidentais no séc. XIX para abrir compulsivamente a China ao comércio internacional - e que, agora, mediante muito treino, abnegação e alguma filosofia zen - agravadas pelas nuvens poluídas do Império do meio acabam por desmotivar, desconcentrar e derrotar os nossos atletas - provando ao mundo a nossa própria fraqueza.

Não deixa de ser uma vingança da China, servida a frio.

Apesar da Vanessa Fernandes ajudar a temperar essa razia...