Em defesa dos combustíveis caros - por Francisco Sarsfield Cabral -
Em defesa dos combustíveis caros, in Público
Graças à imprudência do Presidente da Geórgia, a Rússia reforçou a sua posição nos enclaves da Ossétia do Sul e da Abkházia, que dificilmente voltarão a ser georgianos. Pois se o Kosovo se tornou independente, com a bênção dos Estados Unidos e dos grandes países europeus… E a BP teve de parar o funcionamento do oleoduto e do gasoduto que atravessam a Geórgia, dos poucos que a Rússia não controla.
Com isto, o preço do petróleo interrompeu durante alguns dias a descida iniciada há semanas e que trouxe o barril de brent de 144 dólares para 111. O problema é que as grandes fontes de petróleo e (em menor grau) de gás natural se situam em zonas onde é alta a probabilidade de sérias perturbações. Dois terços das reservas petrolíferas mundiais estão no Médio Oriente.
Aliás, um certo alívio na tensão em torno do problema nuclear iraniano contribuiu para a baixa do crude (mas a situação poderá tornar a agravar-se). Também a OPEP produziu um pouco mais de petróleo. Mas o factor principal da descida encontra-se do lado da procura, que foi travada pelo próprio encarecimento do barril e pela quase estagnação económica nos EUA e na Europa.
Entretanto surgiram medidas para desencorajar a especulação que apostava na alta contínua do petróleo. Por exemplo, os EUA limitaram as operações financeiras envolvendo petróleo por parte de intermediários que o não produzem nem consomem. E durante algumas semanas proibiram a venda a prazo de certas acções antes de o vendedor ter os títulos na sua propriedade (short selling), o que obrigou muitos investidores a desfazerem-se de contratos de futuros de petróleo para financiarem a compra daquelas acções.
Mas, como já aqui procurei mostrar, a influência da especulação é marginal na alta do petróleo. O essencial é a evolução da oferta e da procura. Ora, do lado da oferta, e apesar do tal aumento da produção da OPEP, a resposta dos produtores à enorme subida dos preços foi fraca. O petróleo não vai acabar, mas há dificuldades tecnológicas que levarão anos a ultrapassar para se produzir substancialmente mais.
Do lado da procura baixou o consumo americano e europeu. Em Portugal, por exemplo, no segundo trimestre deste ano a quebra no consumo de gasolina foi de 8,4% em relação a igual período de 2007 e a de gasóleo de 2,1% (e em Julho os comboios Alfa e Intercidades transportaram mais 11% de passageiros do que em Julho de 2007).
Só que a baixa de consumo nos EUA e na UE se deve mais à crise económica do que a ganhos de eficiência energética ou ao recurso a energias alternativas. Assim, quando a actividade económica retomar o crescimento normal regressará a pressão para a alta petrolífera.
Mais: há trinta anos a Europa e os EUA consumiam três quartos da produção mundial de petróleo; agora, consomem menos de metade. O consumo asiático de petróleo continua a crescer, embora menos rapidamente. E em vários países asiáticos os combustíveis têm preços subsidiados, uma política absurda que a alta do crude limitou mas ainda não eliminou. A Agência Internacional de Energia prevê um mercado petrolífero menos tenso até fins de 2009 – voltando depois os preços muito altos.
A política sensata por parte dos países consumidores é não descerem o preço dos combustíveis, para conseguirem reduzir a sua dependência do petróleo. Os preços altos estimulam a poupança e a eficiência energética (muito baixa em Portugal), bem como o investimento em fontes alternativas de energia. Foi o que disse o primeiro-ministro da Dinamarca ao colunista do New York Times Thomas Frideman, espantado por a gasolina custar aos dinamarqueses mais do dobro do que custa aos americanos.
A Dinamarca encareceu o consumo petrolífero através de impostos (incluindo sobre o CO2) e impôs níveis elevados de eficiência energética nas habitações e nos electrodomésticos. Um quinto da electricidade consumida na Dinamarca é de origem eólica. Ali reciclam-se os detritos das centrais a carvão para aquecer água, queima-se lixo nas centrais termoeléctricas para aquecimento doméstico e uma grande parte da população desloca-se nas cidades de bicicleta.
Resultado: a Dinamarca conseguiu um grau assinalável de independência face ao petróleo e ao gás natural. Em 1993 importava do Médio Oriente 99% da energia: hoje dali importa zero. Um exemplo a seguir.
Francisco Sarsfield Cabral
Jornalista
Obs: O Francisco deixa-nos aqui um interessante artigo de investigação acerca das energias necessárias às nossas sociedades industriais. Quanto àquilo a que o articulista designa por imprudência do presidente da Geórgia, Mikhail Saakachvilli, talvez não fosse fácil prever o esmagamento de um vizinho fraco pela pata tutelar da Rússia de Putin. Ninguém, de resto, previu este conflito, e a imprevisibilidade faz parte do jogo cinzento e da incerta que comanda as regras de funcionamento das Relações Internacionais. Por isso, não me custa aceitar que Saakachivilli desejasse muito ter o Francisco Sarsfield Cabral como super-assessor ou Conselheiro especial para as energias duras e renováveis. Talvez um desafio transnacional post-reforma, nunca se sabe...
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