segunda-feira

Entrevista a José António Pinto Ribeiro

Nota prévia:
Pinto Ribeiro é, manifestamente, um homem de inteligência superior. Com uma grande capacidade de cruzar conhecimento diferenciado e de diálogo inter-institucional e no seio dos mais diversos sectores da sociedade. Entrou para o Governo em Janeiro - não apenas com o objectivo de colmatar as lacunas deixadas em aberto pela insuficiência de Isabel Pires de Lima - mas, sobretudo, trazer um novo élan à área da cultura e até ao Governo. Presente em novas políticas culturais, uma comunicação mais abrangente, límpida e empresarializada/parcerizada, um conceito de Cultura mais operacional e próximo dos cidadãos. Abaixo temos o perfil do homem, seguido da entrevista dada ao Diário Económico - donde picado o texto. E que fala bem por si.
Perfil:
Ministro da Cultura desde 30 de Janeiro, Pinto Ribeiro é Grande Cavaleiro da Ordem da Liberdade e fala português, alemão, inglês, francês, espanhol e italiano. Nasceu em Inhambane, Moçambique, há 61 anos, e passou a infância no Porto, tendo estudado na Deutsche Schule no Porto e no Liceu D. Manuel II. É apaixonado por arquitectura, mas licenciou-se na Clássica, em Direito, tendo recebido o prémio Gulbenkian para melhor aluno em ciências jurídico-económicas. Como professor, passou pelo ISEG, Universidade de Lisboa, Autónoma, ISCTE, Nova e Escola Naval. Depois, fundou a sociedade de advogados J. A. Pinto Ribeiro & Associados. Perito em banca e ‘offshores’, criou a legislação para a ‘offshore’ da Madeira e fundou a Sociedade Interbancária de Serviços e a Associação Portuguesa de Bancos. A sua ligação ao PS é óbvia: apoiou Soares, foi membro activo nos Estados Gerais de Guterres e elemento-base nas Novas Fronteiras de Sócrates. A atracção pela cultura também: tem quota nas Produções Fictícias e na editora Guerra e Paz, é jurista da Cinemateca e administrador da Colecção Berardo.
Entrevista a José António Pinto Ribeiro 2008-08-18 00:05
“Governo deve pedir nova maioria absoluta”
O ministro da cultura diz que o executivo socialista tem todas as condições para renovar a maioria absoluta. Pinto Ribeiro fala ainda da cultura enquanto factor essencial para uma economia moderna.
António Costa, Bruno Proença e Paulo Figueiredo (fotografia)
Ao fim de seis meses à frente do Ministério da Cultura, José Pinto Ribeiro faz um primeiro balanço. Embora possa parecer estranho, muito do que está a fazer está relacionado com a economia. Sem cultura não há economia desenvolvida e a língua portuguesa é uma vantagem que as empresas devem aproveitar na internacionalização. Pinto Ribeiro não esquece as dificuldades orçamentais e fala da cooperação com as autarquias como forma para ultrapassar obstáculos. Por fim, a política e o país: José Sócrates deve pedir nova maioria absoluta.
Como é que um advogado com um percurso na área dos negócios, nomeadamente na área comercial chega ao Ministério da Cultura?
Primeiro, foi para mim uma grata surpresa chegar ao Conselho de Ministros e encontrá-lo motivado, activo, com energia e vontade de fazer. Pensei que depois de três anos de Governo pudesse haver algum cansaço. Isso é, em grande parte, um mérito do primeiro-ministro. Apesar das grandes dificuldades financeiras e orçamentais, há uma grande capacidade de mobilização.
Mas o que é que encontrou?
Vim encontrar uma realidade nova para mim. Estou habituado a gerir gastando o que tinha e nunca vivendo a crédito. Encontrar um passivo acumulado de muitos anos no Ministério da Cultura surpreendeu-me. Dívidas aos municípios, dívidas contraídas para fazer uma rede de arquivos, cine-teatros, equipamentos essenciais… Isso dá-me grande mal-estar, não estou habituado.
O Estado põe à disposição dos ministros – neste caso, da Cultura - um conjunto de equipamentos sociais que devem permitir às populações cultivarem-se, fruírem de um conjunto de aspectos culturais que vão da língua ao património. O conhecimento e a ciência, em si mesmos, não são democráticos, são individuais. Posso ser um grande cientista, cirurgião, médico, jurista mas se estiver sozinho não adianta nada. Só é significativo a partir do momento em que transformo isso em cultura social. Uma cultura do saber fazer e do fazer. Em Portugal, temos muito o hábito da cultura do saber, mas depois não aprendemos a saber fazer, a saber aprender, a saber fazer.
Isso também foi uma diferença, em relação à sua anterior ocupação?
Exactamente. E há outra coisa, puramente pessoal: a minha vida foi sobretudo uma vida de parceria com os clientes. Dava conselhos, orientava, mas os donos do negócio eram eles, eles decidiam o que faziam.
E agora passou para o outro lado.
Passei para o outro lado e não tenho quem me aconselhe. Passei de aconselhador a decisor e não encontrei quem me aconselhe. A questão central é diferente, não é jurídica, ainda que haja aspectos jurídicos muito relevantes – e nisso o meu conhecimento é uma mais-valia. Mas há uma diferença muito grande.
Depois destes seis meses, já se sente confortável na pele de ministro?
Sim. O que acho essencial é ser capaz de definir objectivos estratégicos e políticos. E isso foi relativamente fácil de fazer. Demora sempre um tempo a dominar a realidade, lidar com ela e a organizar um discurso político e mental em função das necessidades. A minha vida não foi pensar estratégias culturais, se bem que tenha tido uma relação estreita com essa área. Mas foi possível identificar elementos centrais e construir a partir daí um conjunto de políticas. Há que explicar que a cultura é uma actividade central da actividade política, para além da economia, das relações internacionais…
É uma função básica do Estado, ao nível da segurança, por exemplo?
Não estou só a dizer que é uma função básica. É uma espécie de cimento do comportamento social. Sem criatividade e cultura não é possível termos uma economia moderna. Uma economia baseada em equipamentos e depois numa mão-de-obra relativamente pouco qualificada que faz trabalhos mecânicos está completamente ultrapassada. Não é possível hoje fazer uma actividade económica – excepto com recurso a petróleo, diamantes, etc. – com esta base. Hoje as economias são baseadas no conhecimento e na criatividade, na capacidade de inovar. E não se pode inovar sem que haja uma mobilização do conhecimento para transformar o saber num saber activo.
É mais difícil de medir em termos económicos.
Não sei. Talvez seja mais difícil de compreender. Quais são os activos da banca de investimento? Os activos são as pessoas que lá estão, o seu pensamento, memória e ‘know-how’. O que eles vendem são serviços. O que acontece é que as actividades da cultura não obedecem a critérios tão formais como a banca de investimento. A formação deles é muitas vezes informal, as áreas do conhecimento desenvolvidas são mais periféricas, que transgridem. Por isso, o sector financeiro lê estas pessoas como sendo temperamentais, de pouca confiança, inconstantes. O talento e a inspiração, que existem na banca de investimento, são vistos na cultura de forma diferente.
Mas as empresas dão dinheiro para a cultura?
O sector empresarial percebe que tem dinheiro de que não precisa para desenvolver o seu negócio e aplica-o em mecenato. Depois começa a pensar que fazer mecenato também é um acto publicitário, que lhe traz receitas fiscais. Mas o investimento é pouco. Não temos fundos de investimento para as artes porque a cadeia de valor não é ainda compreendida. Por outro lado, os artistas têm dúvidas quanto à participação do sector financeiro, que acham ser vagamente censório, desconfiam. Essa desconfiança mútua tem de ser ultrapassada.
É aqui que se revela o seu papel?
Um deles. É ver se consigo que este ‘gap’ informativo e de atitude seja preenchido de forma que se compreenda que é essencial investir. Ainda hoje, a Portugal Telecom e a 3D Cities vieram apresentar-nos uma proposta que consiste em pôr todo o Museu de Arte Antiga na Internet em três dimensões, com um guia. As pessoas vêem tudo com uma precisão, rigor e detalhe extraordinários. Quase como se lá estivessem.
Sentiu que nestes seis meses fez algum caminho para limitar a desconfiança mútua?
Acho que sim. Há duas instituições de crédito com que falei e que vão pôr em prática linhas de crédito para financiar arte. Porque é que a compra de arte deve ser diferente da compra de casa? Dizem que na casa temos a área, a zona, a antiguidade do prédio… Mas porque é que não avaliamos também a arte, com leiloeiros, avaliadores. Porque é que não pode haver uma avaliação, um crédito, um penhor e um seguro também para a arte. Até porque é feito com garantia real, como as casas, logo, porque é que não é feito com ‘spread’ baixo? É uma forma de injectar no mercado mais valor e qualificar assim mais artistas. Outra coisa, porque não havemos de financiar carreiras de artistas já consagrados que querem fazer uma exposição em que vão ganhar imensa divulgação e vender imensos quadros? Mas não há estes produtos à disposição no mercado. Temos que montar uma maneira. Estamos a fazer um projecto com o IAPMEI, CGD, ligado ao QREN, neste sentido. A qualificação das estruturas de apoio é muito importante porque muitas vezes eles nem sabem como pedir um apoio.
“É PRECISO UM SERVIÇO EDUCATIVO NOS MUSEUS”
As indústrias e artes criativas foi outra área de actuação que identificou?
É indispensável a sua ligação e a utilização de capital de risco para o seu desenvolvimento, enquanto actividade empresarial.
Nestes seis meses, o que pediu aos serviços do ministério?
Que se mobilizem, entusiasmem, requalifiquem e abram à sociedade. Ou seja, quero que os museus tenham um serviço educativo muito capaz. Que façam acordos com as escolas e sejam capazes de meter nos currículos uma visita ao museu por trimestre. Mas não é aquela chatice de ver tudo em grupo. É ver apenas sete ou nove peças mas com alguém que lhes conta a história, adaptada a eles. Abrir-se é contar histórias. Queria que fizessem parcerias com universidades da terceira idade e fazer cursos de voluntários. Em Nova Iorque, foi um professor universitário reformado que me fez a visita guiada. Ficámos amigos.
GOSTAVA DE FAZER A REQUALIFICAÇÃO DO PATRIMÓNIO COM OS PRIVADOS”
Requalificar o património é fundamental?
O património é memória e sem esta não somos ninguém. Tenho que ter essa memória, de que faz parte o quadro em que vivemos e trabalhamos – a arquitectura, a memória edificada. Nós temos por mau hábito deitar abaixo e refazer, em vez de restaurar. A percentagem de prédios restaurados é de cerca de 20%, muito baixa relativamente ao resto da Europa, que faz o inverso: restaura 80% das zonas já edificadas e só constrói de novo 20%. Temos que habilitar as nossas empresas, para que se qualifiquem: usar a parte cultural edificada para fazer requalificação urbana. Trazer talentos, ateliers, artistas…
Mas como é que isso se faz?
Gostava de fazer com os privados. Já falei com as empresas e o presidente da ANEOP para ver se é possível fazer como os espanhóis. O que se fez em Espanha foi, em 1986, reter na fonte 1% de todas as empreitadas públicas, o que depois foi aplicado no restauro do património. Houve o ‘boom’ da construção, fizeram-se grandes empreitadas, e esse fundo cresceu e deu para restaurar tudo.
Houve receptividade por parte das empresas?
O que pedi foi uma coisa diferente: que voluntariamente nos dêem 1% do que lhes for adjudicado em obras públicas, mas não em dinheiro. Em obra. Ou seja, que se disponham a usar a capacidade instalada para fazer restauro do património – da Sé de Lisboa, da Sé de Silves, do Palácio de Queluz… Que façam a preço de mercado e que seja qualificado como mecenato e doado em obra. Agora vamos discutir. Gostava que fosse um processo galvanizador. Estou disposto a dar visibilidade às empresas, dizer que foram elas que recuperaram.
“EM 2008, VOU EXCEDER O ORÇAMENTO”
O que percebemos é que o país viveu sempre dependente dos subsídios. O Estado tem o papel de financiar mesmo que não se venda?
O objectivo do Ministério da Cultura é transformar os subsídios a fundo perdido em relações contratualizadas de serviço público. Ou seja, definir objectivos de serviço público e contratualizá-los com as estruturas artísticas e os agentes culturais. Primeira regra: perguntar-lhes o que é que eles têm condições de fazer e depois ver onde se encaixa na política de interesse público e apoiar. Contratualizar e avaliar o resultado desse apoio. Ao Ministério da Cultura não cabe fazer política de gosto mas desenvolver estas estruturas, definir uma política cultural e ir buscar os agentes capazes de fazê-la.
Há áreas mais complicadas…
O cinema. É uma arte essencialmente apoiada pelo Estado mas cujos pressupostos de apoio devem ser revistos. Até porque os agentes queixam-se da ineficácia dos modelos e porque os resultados provam isso mesmo: não temos uma indústria de cinema semelhante à espanhola ou dinamarquesa. É possível. Há instrumentos que devemos lançar para alterar em geral as regras dos subsídios. A Direcção-Geral das Artes é um primeiro momento e por lá passa grande volume de apoios, mas há outros.
Vai acabar com o subsídio a fundo perdido?
Não. Nesta lógica de aproximação ao mercado das artes, a leitura feita no Minitério é que há actividades do sector cultural susceptíveis de ser apoiadas pelos instrumentos de mercado que existem. É essencial que isso se faça para que esses não precisem de apoios públicos que podem ser canalizados para os que só vão nascer se forem apoiados. Há uma fase inicial em que tem de haver apoio. Para além da função de apoio-semente, há patamares de consolidação, pelo que é preciso que estes apoios sejam pontuais, para dois ou três anos. É função do Estado criar estes mecanismos.
Não seria útil transformar os apoios a fundo perdido num apoio que exige que o artista produza resultados?
Mas é isso que se faz quando se contratualiza. Gostaríamos de ter um sistema em que o próprio artista, se tiver êxito, passa a ser apoiante. Mas também temos muitas parcerias a realizar nesse domínio. Temo-las com a União Europeia, com itinerância de artistas, formação prática… Estamos a terminar um programa, o Inovarte, que consiste na possibilidade de enviar até 200 jovens no domínio das artes para estágios profissionalizantes onde quiserem, desde que o domínio onde querem profissionalizar-se os receba.
E depois há redes com as diásporas de língua portuguesa, que vão permitir itinerância e penetração noutros domínios e mercados. Nós somos 10 milhões de portugueses, mas há 230 milhões espalhados por vários continentes a falar português. Perceber isto e o que Espanha fez às costas da língua castelhana é importante. Os espanhóis são os maiores investidores na América Latina.
Como é que nós podemos seguir esse modelo?
Qual é o nosso modelo? Vamos fazer uma estrutura industrial que replica o modelo italiano, vamos ser todos pessoas que introduzem imensas mais-valias – vamos ser todos Ferraris… Para isso, temos que nos requalificar, temos que ter bom ensino, ser criativos, rigorosos. Temos que ter centenas de milhar de pessoas extraordinárias na sua arte. Mas isto não é fácil.
Outro caminho é usar as nossas capacidades, replicar modelos empresariais e ter relações privilegiadas com os países da CPLP. Moçambique tem imenso potencial agrícola mas não está desenvolvido. Porque é que nós, que falamos português, não estamos lá a fazer isso? Quando a PT, a EDP ou a Brisa vão para o Brasil, corre tudo muito bem. Temos que replicar os modelos das nossas empresas e criar plataformas, como os espanhóis.
Temos capacidade para fazer isso?
Temos, mas tem que ser um desígnio. Isso começou por ser um desígnio em 95-96, no primeiro Governo Guterres, mas não tivemos consistência nesse projecto. Se temos capital, temos que replicá-lo. Internacionalizar as empresas portuguesas. Não há um banco verdadeiramente português no Brasil, começa a haver agora em Angola, com a parceria BCP-Sonangol. O sector financeiro em Moçambique é essencialmente português. Temos que fazer esse trabalho.
Há a velha meta de 1% para o Orçamento ser para a Cultura. Acha que vai ser possível fixar essa meta no próximo Orçamento do Estado?
Para mim, foi importante assegurar a maior taxa de execução possível. Uma coisa é o Orçamento, outra a sua taxa de execução. Em 2008, vou gastar mais, vou exceder na taxa de execução.
Onde vai buscar o dinheiro?
Há muitas maneiras de fazer. Se me derem em obra, aquilo tem valor. Se eu conseguir utilizar o fundo para a língua, que foi criado agora, consigo fazer coisas com base em outras receitas. Se eu conseguir tirar do QREN, vou fazer despesa acima daquilo que está orçamentado. Queria que se percebesse que a cultura é um multiplicador essencial da eficiência económica. Sem passarmos do C da Ciência e do Conhecimento para o C da Cultura e da Criatividade, não fazemos nada excepcional. Podemos ter um génio, mas ele vai para os EUA, porque lá é que se transforma em ciência aplicada. Para isso é preciso mobilizar e fazer, com rigor, parceria e não esbanjamento.
“GOVERNO DEVE PEDIR MAIORIA ABSOLUTA”
Tem um programa que dá para várias legislaturas. Esta já está a acabar… E à frente só tenho um ano.
Pode ter mais.
Não. À frente só tenho um ano. Nas condições em que estou e sendo quem sou.
Não se vê a continuar como ministro da Cultura no próximo Governo?
Não vejo nada. Só tenho as coisas que sei serem certas e isso é um ano – a não ser que eu morra ou que o primeiro-ministro ache que estou a fazer asneiras… Para além disso, há um corte essencial: as eleições. Vamos ver no que dão.
Há a possibilidade de este Governo renovar a maioria absoluta nas condições em que está?
Diria que tem condições para renovar a maioria e deve pedi-la. Consegui-la é alcançável porque não há nenhum discurso alternativo e não há ninguém que tenha feito tanto como este primeiro-ministro neste espaço de tempo. Podem dizer que nem todas as reformas foram alcançadas na profundidade em que podiam ter sido. Não mudámos tudo em três anos, mas numa conjuntura absolutamente adversa – financeira e económica –, ninguém fez tanto. Houve muito sacrifício imposto e fomos obrigados a mudar. Esse trabalho deveria ter sido feito em 1986, através do PEDIP, quando entrámos para o mercado comum. Devíamos, como os espanhóis, ter mudado radicalmente nessa altura.
Os portugueses percebem isso? Não estão cansados demais para perceber?
É preciso explicar que houve alguns resultados. E não há, do pólo alternativo, que seria o PSD, um discurso diferente deste e credível.
Manuela Ferreira Leite tem um problema de credibilidade?
Tem um problema de falta de história. Não acho que o que ela fez tenha sido exemplar. Neste Governo, há um esforço para fazer. E se não fosse esse esforço, a realidade portuguesa seria muito pior, muito mais selvagem – o desequilíbrio social seria muito maior. O sacrifício que tem sido pedido é, apesar de tudo, bastante democrático e igualitário – pede-se aos advogados, aos médicos, aos juízes. O sacrifício é razoavelmente distribuído.
Mas a esquerda está a tentar capitalizar esse descontentamento.
Isso faz sentido, mas esse descontentamento é de protesto, de zanga, de fúria com as circunstâncias, mas não mostra alternativa. Percebo que se vá para a rua, mas as alternativas não são muitas. Não há verdadeiramente um caminho alternativo à esquerda.
Sócrates deixou em aberto a sua recandidatura… É o tabu Sócrates.
Acho que ele faz uma coisa naturalíssima: quando chegar a altura, logo se verá.
“A LÍNGUA É MUITO MAIS FORTE DO QUE O SANGUE”
A língua portuguesa é uma vantagem estratégica?
Com certeza. Tudo o que são redes de serviços que implicam penetração local são muito mais difíceis tendo a barreira da língua. O Brasil é, graças à língua portuguesa, o país mais xenófilo que conheço. Está agora a celebrar o centenário dos primeiros japoneses que chegaram ao Brasil. Hoje, os japoneses de segunda ou terceira geração só falam português. Eles integraram-se.
Como é que um ministro da Cultura pode convencer as empresas a aproveitarem a língua como vantagem estratégica?
Não me cabe a mim definir a estratégia das relações internacionais de Portugal, nem digo que devemos deixar de nos interessar pela Europa – pelo contrário. Mas há vantagens competitivas que permitem fazer essa internacionalização mais eficientemente. Nós temos um instrumento de entendimento e compreensão que é a CPLP: uma comunidade absolutamente democrática. Temos de intervir rapidamente em Angola. Daqui a dez anos, podemos ser necessários na Saúde e na Educação, porque precisam da fala, mas no resto poderá haver outros mais competentes. A vantagem desaparecerá, se não fizermos nada já. A língua é muito mais forte do que o sangue. Nós ainda estamos na internacionalização da mercadoria. Mas, neste momento, o capital é que é móvel. Temos pessoas e empresas muito boas. Temos que o fazer lá.
Tem falado com os empresários?
Não é muito o meu discurso. Interessa-me que percebam que o Acordo Ortográfico é importante e que se termine o estudo sobre o valor económico da língua. Em Espanha, concluiu-se que traduzia 15% do PIB. Surpreendente. Eu quero fazer um estudo semelhante, mas para Portugal, Brasil, Moçambique, Angola, Cabo Verde, Timor. Ou seja, do valor para todos. A minha lógica é de criação.