sexta-feira

FAZER A DIFERENÇA - por António Vitorino -

FAZER A DIFERENÇA, in dn
António Vitorino
jurista
Na Europa tem-se a percepção de que os fluxos migratórios só conhecem um sentido. Do Sul para o Norte.
Esta percepção sai reforçada pela cobertura mediática dos dramas que envolvem as tentativas de entrada clandestina no continente europeu, sobretudo nas costas mediterrânicas e, mais recentemente, no próprio oceano Atlântico, com destino às Canárias.
Ambas as percepções estão erradas. Nem é a via marítima a que mais contribui para a existência de imigrantes ilegais na Europa, nem a Europa é, hoje em dia, o principal destino dos movimentos migratórios globais.
Cada vez mais se tem vindo a chamar a atenção para dois outros fenómenos: um crescente número de países tem vindo a transformar-se, simultaneamente, em países de origem e de destino de imigração e é cada vez maior o número de pessoas que imigram de um país do Sul para outro país do Sul.
Os recentes acontecimentos dramáticos na África do Sul chamam precisamente a atenção para esta evolução.
Com efeito, a África do Sul constitui um pólo de desenvolvimento económico na África Austral e por isso um centro de atracção de imigrantes da região. À imigração tradicional, muitas vezes sazonal, ou centrada na duríssima exploração do minério, acrescem recentemente novas gerações de imigrantes à procura de melhores condições de vida após o termo do regime do apartheid.
Nos últimos anos, a crise do Zimbabwe levou a que cerca de três milhões de cidadãos deste país se tenham deslocado para os países limítrofes, com especial concentração nos arredores de Joanesburgo.
As características próprias destes imigrantes, fugindo da miséria e da fome, leva-os a constituírem uma força de trabalho disponível e a baixo custo, representando uma pressão significativa sobre o mercado laboral local na África do Sul, já de si numa situação de grande precariedade.
O potencial de explosão aí está e, por vezes, basta um pequeno rastilho para que o seu efeito de contaminação leve ao desencadear de uma vaga de violência como a que estamos a assistir nesta última semana. Neste momento, as autoridades contabilizam já 24 mortos, muitos deles violentamente espancados por grupos de desesperados sul-africanos que responsabilizam os imigrantes pelas suas próprias dificuldades em encontrarem trabalho e meios de subsistência no seu próprio país. Calcula-se que mais de 13 mil imigrantes estejam neste momento em fuga das regiões mais afectadas ou se encontrem sob protecção de organizações das igrejas e de alguns particulares.
Os visados por esta onda de xenofobia são os imigrantes oriundos do Zimbabwe, de Moçambique, do Malawi e da República Democrática do Congo. Mas como é próprio do irracionalismo que norteia estes movimentos de ódio rácico, existe sempre a possibilidade de se alargarem os grupos visados a outros, numa espiral de violência a que urge pôr cobro.
Estas dinâmicas são particularmente preocupantes para nós próprios, tendo em linha de conta que existe naquele país uma importante comunidade de imigrantes portugueses, já no passado muito causticada pela criminalidade local. Andaram bem, pois, os nossos representantes diplomáticos e os responsáveis dessas comunidades portuguesas ao dispensarem apoio aos imigrantes moçambicanos visados pela onda de violência.
A principal prioridade, neste momento, deve ser a de pôr termo a esta espiral de violência, e a responsabilidade primeira incumbe às autoridades policiais e judiciárias sul-africanas.
Mas, a prazo, não vai ser possível continuar a ignorar as causas profundas desta explosão de ódio e de violência xenófoba.
Hoje em dia a diversidade dos movimentos migratórios não dispensa nenhum país de adoptar as necessárias políticas públicas de admissão e de integração dos imigrantes. Aqueles países, como a África do Sul, que se consideravam mais como países de origem do que de destino têm de compreender a mudança da sua própria natureza e as implicações de tal facto para a ordem pública e a convivência cívica nas suas sociedades.
Do mesmo modo chegou a hora de perceberem que parte do problema com que estão confrontados resulta da crise profunda em que se encontra o Zimbabwe, questão onde a posição da África do Sul pode fazer a diferença.
Obs: Publique-se.