quarta-feira

O petróleo do nosso descontentamento: gestão de recursos e conflitos provocados pela raridade

Esta imagem de Alastair Magnaldo teve certamente outro fim do que aquele que aqui a subida diária do petróleo nos suscita, por isso a utilizamos - quase por analogia. E também porque o preço do maldito ouro negro não pára de subir, e já ultrapassou os 130 d. o barril. Isto traduz, à partida, duas coisas: num ano o preço do petróleo duplicou, o que não é normal; e que, na origem desse disparo exponencial, pode estar a especulação dos mercados para, precisamente, com base nessa manipulação - gerar um efeito de instabilidade dos preços desse precioso bem.
As sociedades estão apavoradas, os governos manietados, os mercados excitados e a OPEP e os especuladores devem estar a enriquecer muito depressa diante tanto lucro fácil manipulado por essa voragem dos mercados e pela incapacidade das sociedades europeias alterarem drásticamente os seus hábitos de consumo e passarem, por exemplo, a só utilizar as respectivas viaturas duas ou três por semana. O que a suceder alteraria o padrão de consumo e, consequentemente, modificaria os dados do problema retirando esse capital de chantagem permanente que a OPEP (e outros produtores) têm sobre o Ocidente, como se de uma espada de damócles se tratasse sobre o Ocidente consumista e dependente dessa matéria-prima.
Hoje mesmo o PM - Sócrates - vai ao Parlamento debater essa problemática, mostrando que é necessário debater a situação e, eventualamente, apresentar algumas medidas de natureza fiscal (e outras) para auxiliar o peso da chantagem que se abate sobre os utilizadores dessa fonte energética, ou seja, quase todos os portugueses.
A médio e longo prazo a pressão dessa situação, mesmo para aqueles que não têm carro mas andam de transportes, logo pagam o preço dessa chantagem petroleira, coloca-se com acuidade. Consequentemente, o desafio não é só para os portugueses, mas para os europeus e para a generalidade dos povos do mundo que utilizam essa fonte energética para funcionalizar as sociedades e as economias.
Portanto, o desafio é da Humanidade, e não apenas de Porugal, o que deveria levar os PMs da União Europeia a uma reunião de emergência para debater a situação e tomar medidas urgentes em conformidade. Mas diante isto, o que faz o sr. Durão barroso?! Nada, ao que se sabe. Ele só faz discursos ocos sobre a globalização, vai ao Darfur descarregar sacas de farinha sob as filmagens da CNN para "inglês ver, e vem a Lisboa receber a Chave da cidade porque, segundo diz, "perdeu-as" algures. Talvez as tenha, de facto, perdido ao fazer as malas à pressa quando abandonou o governo e efectuou a trânsfuga para Bruxelas onde hoje não risca no quadro das grandes decisões, como aqui se impunha que actuasse institucionalmenete a fim de fazer frente à OPEP e aos demais produtores e especuladores globais que operam nos mercados e engordam à custa dos utilizadores mundiais.
Na prática, este é um desafio que tem uma dimensão socio-temporal absolutamente crítica, desde que a humanidade esteja disposta a não aceitar a destruição dos seus valores civilizacionais dentro de 20/30 anos. Se assim não fôr, consumar-se-ão as colheitas de recursos não-renováveis que excederão as taxas de reposição que garante o equilíbrio do stock global, e assim se caminhará para a sua extinção.
Mas esta crise, diversamente da de 1973, é mais complexa, incerta e contingente e devia preocupar os governos e as sociedades, as organizações internacionais, enfim, os centros de decisão estratégicos cujos pareceres contam no sistema global de decisão política, que os chamados recursos de utilização massiva - como é o petróleo (e seus derivados) - comportam componentes de elevada complexidade, dinâmicos e interactivos. Logo, qualquer tentativa para modificar uma dessas componentes individuais do sistema, resultaria em mudanças sistémicas no próprio sistema. Ou seja, esta crise deverá servir para que o mundo dos utilizadores dessa fonte energética - e os operadores do sector e os decisores públicos em particular - compreendam as verdadeiras razões que levam à formação desses preços astronómicos e encontrar formas e mecanismos concretos e automáticos que sejam correctores dessas especulações provenientes da OPEP ou doutros produtores de petróleo e de alguns operadores e especuladores que conhecem as vulnerabilidades o mercado.
Sem conseguir este desiderato corrector e sem começar a trabalhar em fontes de energia alternativas, a tal espada de damôcles sobre a cabeça do Ocidente será sempre uma ameaça que instabiliza e empobrece o padrão de vida do Ocidente europeu, tal como o conhecemos desde a Revolução Industrial. Até porque o conhecimento humano do sistema ainda é limitado, e as consequências destes sucessivos aumentam do petróleo não são (ainda) previsíveis.
Este é, pois, o tempo em que as decisões privadas (dos consumidores que na Net através de blogs) já se estão a organizar, e as decisões públicas se têm de encontrar para fazer face a essa chantagem recorrente que tem vindo a instabilizar e a empobrecer os portugueses com esses aumentos. Mas o problema é mais grave, porque estratégico, já que envolve a segurança económica dos países, compromete a viabilidade das economias e a coesão das sociedades - que assim deixam de operar num regime de normalidade para passar a sofrer a pressão crónica da chantagem do síndrome da OPEP que remonta a 1973 - que então obrigou os europeus a andar com velinhas nas mãos e a recorrer às bicicletas como meio de transporte.
Numa palavra: esta crise dos preços do petróleo deverá levar os decisores europeus a pensar e a equacionar medidas energéticas, fiscais e de política económica e ambiental para fazer face a esta especulação em curso. Sob pena de as noções de risco, rivalidade, instabilidade e até de conflito poderem assumir uma dimensão típica da Guerra Fria - de que hoje só nos resta uma memória.
Mas o que é hoje visto como uma ameaça inaceitável a curto prazo, decorrentes destas especulações dos operadores do sector que têm inflacionado os preços do petróleo, pode e deve reverter-se numa alavanca para estimular a concepção e implementação de políticas públicas de desenvolvimento económico, social, ambiental e tecnológico que sejam mais racionais e possam conduzir a uma maior eficiência dos recursos energéticos disponíveis. Aqui a União Europeia teria uma palavra a dizer, mas Durão Barroso nada diz...
A Europa, o Ocidente, a civilização de valores que partilhamos jamais poderá ceder ao egoísmo de alguns produtores de ouro negro ante o bem comum da humanidade - que urge proteger e promover.
Sócrates, da parte de Portugal, deverá defender esse ponto de vista e agir em conformidade. Aos demais PMs da Europa impõe-se o mesmo padrão de pensamento e acção política. É, portanto, neste colete-de-forças que é legítimo perguntar o que o presidente da Comissão Europeia (e demais instituições comunitárias, mormente o Parlamento Europeu) já fizeram ou tencionam fazer neste quadro altamente problemático?!
Tanto mais que hoje, de forma diversa da da Guerra Fria, as ameaças de natureza económica à estabilidade e coesão internas das sociedades europeias encontram - aqui e agora - uma correlação directa com a chantagem imposta pela inflação dos preços do petróleo. Importa, pois, conhecer em detalhe essas ligações que estão envolvidas entre essa aptidão económica que emana do Médio Oriente, mas também da Rússia e doutros produtores de petróleo - e, por outro lado, a estabilidade sociopolítica e o poder militar para conter essa nova (velha) ameaça que hoje irrompe no sistema sob uma nova roupagem e com uma envergadura diferente da de 1973.
Sendo certo que nada fazer é como morrer lentamente, como aquelas aves que ficam presas ao crude pastoso que as mata lentamente quando ocorre um acidente com navios-transportadores desse preciso bem que cruzam os mares-negros do nosso descontentamento.