segunda-feira

Geração Flintstones e o efeito ascendente do preço do petróleo

A subida constante do preço do petróleo transformou-se numa terrível "dôr de dentes" para a economia europeia que está a afectar - sobremaneira - a sociedade portuguesa. A velocidade com que os preços do ouro negro disparam faz lembrar a inflação no Brasil há uns anos, em que o preço do café pela manhã era um e à tarde outro. Aqui a situação é mais grave porque se trata duma matéria-prima que não tem ainda sucedâneo e a sua manipulação por parte dos países que detêm essa riqueza pode implicar um aumento exponencial dos preços que chegue aos 200 dólares o barril, rebentando com a economia europeia e até, em boa medida, com a economia norte-americana cujas reservas não conseguem aplacar esta voragem inflacionária.
Será a vingança do chamado 3º Mundo contra o 1º Mundo?!
Por outro lado, a explosão demográfica na China e na Índia aliada à exigência de perpetuação dos altos níveis de vida nos países ricos faz com que o padrão de vida económico não altere os hábitos de consumo dos transportes de um dia para o outro, embora tal desígnio comece já por ser uma imposição que as sociedades ocidentais terão de equacionar para fazer face a tal carestia.
Ainda hoje António Vitorino no programa Notas Soltas, que foi diferente de todos os outros pela interferência do microfone (a que talvez não tenha sido alheia a sua opinião sobre a mis en scéne de Hugo Chavez...) alinhou um conjunto de interrogações pertinentes neste quadro energético altamente problemático:
1. Saber se há cartelização pelas empresas refinadoras (as "Galps do nosso descontentamento") - que se enchem de dinheiro à custa dos sacrifícios dos portugueses que não têm alternativa a empobrecer ainda mais;
2. Por que razão a Autoridade da Concorrência está a cultivar um laxismo tão grande em actuar no sector, fazendo até lembrar - acrescento eu - a forma como o Banco de Portugal (dirigido por vitor constâncio) actuou junto do BCP;
3. Os preços, mesmo que estabilizem já não regressam aos valores anteriores, i.é, colocando o preço do barril de petróleo abaixo dos 100d.;
4. Mesmo que o Governo actue interferindo numa baixa do IVA para embaratecer os preços dos combustíveis - chegará um momento em que essa contenção orçamental, paga pelos impostos dos portugueses, já não conseguirá suster a pressão inflacionista do ouro negro;
5. O que coloca uma questão final que remete para o tipo de utilização que todos nós fazemos dos transportes individuais, como o automóvel. Será que é por causa do preço do petróleo que os portugueses deixarão de ser tão individualistas?!
Além destas interrogações de António Vitorino, partilhadas certamente pela generalidade da sociedade, com excepção dos filhos dos banqueiros - como Jardim Gonçalves ou Ricardo Salgado - que não sentem a crise - pergunto-me se as pessoas, em breve, não deixarão de ir trabalhar sob pretexto de que não têm dinheiro para atestar os respectivos veículos.
Apesar destes exageros caricaturais, resta-nos reconhecer que esta pressão inflacionista do ouro negro veio interromper uma onda reformista que o Governo socialista tem vindo a empreender, intrometendo-se na viabilidade e eficiência das reformas. Desta forma, presumo ser líquido admitir que se Sócrates vier a perder a maioria absoluta tal ficar-se-á a dever a este descontrole energético internacional e não à alternativa que todas as oposições juntas possam eventualmente representar.
Em suma, o maior inimigo de Sócrates é hoje também o maior inimigo dos 10 milhões de portugueses: o petróleo, e ao afectar a viabilidade e eficácia das reformas empobrece - por extensão - as condições de vida dos portugueses.
Esta nova equação energética obriga-nos a reconhecer que as relações de natureza funcional entre a tecnologia e o poder económico, por um lado, e o poder político e militar, por outro, estão hoje gravemente perturbados. E a avaliar pela dinâmica das coisas é de admitir que esse bem precioso se torne numa verdadeira arma política, já que a resolução da questão energética do nosso tempo está intimamente relacionada com as transformações ocorridas na órbita da economia global.
Uma coisa é certa: o carro que tínhamos tem, doravante, de passar a ser mais um utilitário, a exemplo dos Flintstones, e não me admiraria que muitos dos portugueses se desfizessem do automóvel e passassem a ser utilizadores intensivos da bicicleta, como noutros países da Europa.
Bastaria que uns milhões de pessoas na Europa durante meia dúzia de meses integrassem esse novo hábito para algumas empresas petrolíferas que hoje enchem os bolsos à custa dos utilizadores abrissem falência, sendo certo que nesses meses o bem para o planeta e para a saúde das pessoas teria um valor verdadeiramente inestimável.
Valerá a pena pensar nisto e mandar o alcatrão líquido às malvas...