terça-feira

A MINHA BARRACA É MAIOR DO QUE A TUA - por João Miguel Tavares -

A MINHA BARRACA É MAIOR DO QUE A TUA [link] João Miguel Tavares
jornalista
É um desconsolo, mas é mesmo assim: estar próximo dos livros não torna as pessoas mais inteligentes. Basta olhar para o conflito entre a APEL e a Leya a propósito da Feira do Livro e verificar como essa gente que faz da literatura a sua profissão consegue revelar uma tão grande falta de senso, consumindo-se em conflitos internos que deixaram de fazer sentido há pelo menos 20 anos. O pobre Parque Eduardo VII virou palco de uma guerra fria de pacotilha, com a APEL muito devota da utopia comunista, agarrando-se às suas barraquinhas como o último sinal de pureza proletária, contra o avanço do grande capital. Esta gente quer convencer-nos de que de um lado está "O Livro" (leia-se, a APEL), do outro lado está "O Negócio" (leia-se, a malvada Leya), e que o primeiro deve combater o segundo. Até os romances de Paulo Coelho têm uma linha de pensamento mais elaborada.
No espaço de um ano, a Leya transformou-se no maior grupo editorial português. Se isso será positivo ou negativo para quem consome livros em Portugal ainda é cedo para saber. Mas a verdade é que vivemos numa sociedade que acredita no mercado livre e estamos a falar num investimento de dezenas de milhões de euros. Chegada a altura do maior evento literário do País, a Leya agiu de forma profissional: requisitou um espaço diferenciado na Feira do Livro, para impor a sua marca. Que argumentos utilizou a APEL para o negar? Que "o regulamento da feira não o permite", sempre a melhor desculpa para não mexer uma palha. Que outro tipo de stands iria criar uma discriminação entre os editores mais ricos e os mais pobres, como se essa discriminação não existisse já em função do número de stands que cada editora possui. Que a modernização da feira "não pode ser imposta à pressa", esquecendo-se de que há mais de uma década que toda a gente fala na necessidade de renovar a Feira do Livro e a única coisa que muda de ano para ano é a cor das barracas.
Neste conflito com a Leya, a APEL tem um problema inultrapassável: a sua própria incompetência. Se a Feira do Livro que ela organiza fosse um evento absolutamente extraordinário e sempre surpreendente, era natural que as pessoas se indignassem com a chegada do Adamastor, que pede outras regras para a festa. Mas a Feira do Livro, é a Feira do Livro. Sempre a mesma. Sempre igual. A Leya não está propriamente a querer colocar uma marquise de alumínio na Torre de Belém. Está apenas a recusar misturar a sua marca com a arquitectura boçal daquele espaço. A APEL - que todos os anos embolsa alegremente 200 mil euros da câmara e milhares de euros por cada barraca - tem uma forma esquisita de brincar ao Monopólio: à medida que as editoras crescem, ela deixa-as comprar mais e mais casinhas (há editoras com cinco e seis stands), mas ai de quem se atreva a trocar as casinhas por um hotel. É uma mentalidade pequenina, pobrezinha e invejosa - e não faltam livros sobre isso.
Obs: Foi preciso a CML tomar uma posição firme e sugerir que o apoio de 40 mil cts poderia ser suspenso para que o "proletariado" da Apel e os "neoliberais da Leya" negociassem os pontos em desacordo. Com efeito, o articulista do dn tem toda a razão e remata bem a situação, há coisas que nem o dinheiro nem os livros podem dar às pessoas... Este é mais um retrato do "Portugal dos pequeninos", e se fossemos ETs e, de súbito, aterrássemos no Parque Eduardo VII - ficaríamos sem saber em que fase da história estávamos: se na Idade Medieval, se na Idade Moderna ou no Post-Moderno (retardado). Creio, contudo, que o mais dramático é poder pensar-se que com esses 200 mil euros a autarquia poderia organizar um certame do sector mais interessante, atraente e até mais participado, embora não seja essa a sua vocação. Mas em tempos de crise financeira a mudança e a inovação são as regras. Esperemos é que amanhã não apareça nenhuma reclamação por parte de um marxista mais empedernido da Apel dizendo que esse apoio aos capitalistas da Leya devesse ter sido previamente visado pelo Tribunal de Contas. Pois a ser assim, é certo e sabido que o visto do dr. Guilherme seria negativo.