sexta-feira

SUAVE MILAGRE - por António Vitorino -

António Vitorino
jurista
"Em cada dia que passa é cada vez mais difícil perceber o que se passa no PSD. Não que os partidos - todos sem excepção - não conheçam divergências internas, disputas de orientação, até conflitos de personalidades. Mas o que é raro é que o agente activo desta agitação interna seja a própria direcção do partido, quer pela escolha dos temas de confronto quer pela escalada de acusações.
A vida de um partido de oposição, mais a mais perante um governo com maioria absoluta, é sempre difícil. Mas a nova direcção do PSD foi eleita com base na expectativa (que aliás foi o eixo central da sua candidatura junto dos militantes) de que a mudança de direcção produziria uma inversão no declínio nas sondagens e recolocaria o partido na rota do poder. Ora, as últimas sondagens divulgadas, que assinalam uma descida do PS, marcam também uma descida do PSD, pondo em evidência que, mesmo numa conjuntura difícil para o Governo, o desgaste deste não resulta em benefício do principal partido da oposição.
O que ressuscita a questão da credibilidade da alternativa de governo que o PSD terá de protagonizar.
Há pouco tempo, o líder do PSD proclamava que, uma vez chegado ao Governo, em seis meses desmantelaria o Estado, abrindo espaço acrescido para a afirmação da iniciativa privada. Na semana passada proclamou solenemente que durante a próxima legislatura, caso o PSD saia vencedor das eleições de 2009, nem um direito social será tocado, na educação, na saúde, na protecção social. Instado a explicar como o fará, guardou as cartas junto ao peito naquele gesto típico do jogador de poker que exige aos outros que paguem para ver, ou seja, deferiu a explicação dos detalhes para o programa a divulgar em 2009, não lhe vá alguém roubar entrementes as preciosas ideias.
No dia em que cem mil pessoas se manifestavam nas ruas de Lisboa em protesto contra o Governo, o líder do PSD veio a público dizer que iria interpelar o Governo porque as liberdades públicas estavam a ser postas em causa. Dito desta forma genérica, ficámos sem saber a que liberdades públicas se referia, mas o contraste entre o alerta e a pujança da liberdade de manifestação nas ruas da capital só poderia suscitar a maior dúvida sobre o sentido de oportunidade daquela declaração do dr. Luís Filipe Menezes.
Na semana passada, numa sessão marcada por um tom intimista, o líder do PSD caracterizou a situação política actual dizendo que o PS já não tem condições para governar, mas que o PSD ainda não está preparado para governar. A frase tem ressonâncias curiosas, mas indiciava que a direcção do PSD estaria a preparar uma estratégia faseada no tempo para colmatar tal lacuna de preparação e assim evitar que o País caísse num vazio de governo.
Eis senão quando, passados oitos escassos dias, no entusiasmo da substituição das três setas sobre fundo laranja pela seta única laranja sobre fundo azul, o líder do PSD vem tranquilizar o País, afirmando que tudo está bem, o PSD já está preparado para governar Portugal (e até mais cedo do que se pensa...)!
O que se terá passado no PSD nesta semana que produziu num ápice tão suave milagre?
Decerto esta mudança não se poderá explicar pela alteração dos regulamentos internos ou pelo novo sistema de pagamento de quotas que desencadearam um confronto interno no PSD, o qual, no tom e na forma, mais parecia a instalação de um clima de caça às bruxas como há muito tempo não se via num partido político. Nem terá sido fruto de um trabalho árduo do secretário-geral do partido, o qual, como confessou, esteve arduamente concentrado na questão das quotas em reuniões de horas com a entidade das contas, embora esta não o confirme.
A quem se fica então a dever esta súbita redenção do PSD, este músculo, esta força, esta convicção funda de que nestes oito dias reuniu as condições necessárias para governar Portugal e, "com uma maioria expressiva, devolver a prosperidade a Portugal"?
A explicação só pode ser que o segredo de tão suave milagre está... na seta única sobre fundo azul!"
Obs: Publique-se.