Relançamento da Europa pela "Primavera" de António Guterres e de Maria João Rodrigues
Consabidamente, foi António Guterres, então PM, que em 2000 se bateu políticamente para fazer aprovar a Estratégia de Lisboa. Um documento de orientação política que ainda hoje serve de guia à acção política europeia, e ao qual o próprio Presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso (à falta de melhores ideias ou projectos) se agarra para relançar as reformas da Europa e, assim, reforçar a sua competitividade diante dos blocos norte-americano e asiático. Foi isto que aconteceu ontem entre os Chefes de Estado e de Governo da União Europeia, em Bruxelas, no quadro da habitual Cimeira da Primavera - este ano agendada sob o signo de um novo ciclo da Estratégia de Lisboa e apertado pelo garrote da actual crise financeira mundial que tudo condiciona. Se a crise dos mercados financeiros é um facto, e que boa parte dela vem dos EUA, não se pode ignorar que a economia europeia esteja num compartimento estanque e não possa ser contaminado por essa crise. Os preços do petróleo, a sobrevalorização do euro - são tudo factores que agravam a necessidade de crescimento económico dos dois lados do Atlântico. Talvez por essa razão, Durão Barroso, e bem, veio dizer que - um pouco no registo que Vitor Constâncio já nos habituou ao nível do Banco de Portugal - que devemos rever em baixa as previsões de crescimento para a UE em 2008 que, ainda assim, se fixam nos 2%. Mas como é que se reage a isto? Ou melhor, Que Fazer? - como perguntaria Lenine (há um século). Para Durão Barroso, que nunca foi leninista, o lançamento da economia europeia faz-se, muito curiosamente, através do relançamento da Estratégia de Lisboa, ou seja, através da receita de António Guterres e da prof.ª Maria João Rodrigues (que articulou - com os sábios da Europa - grande parte desse documento de orientação estratégica) ainda hoje uma referência intelectual e política. Com a vantagem de agora o consenso em torno do documento, um pouco na lógica do Vinho do Porto, ser ainda maior, quiça pelo reconhecimento por todos de que não há saída possível do marasmo europeu senão pela via da Estratégia de Lisboa. E aqui Sócrates também fez a sua perninha, para sublinhar os seus feitos nestes três anos de governação em Portugal, sinalizando esse crédito político com a resolução da crise orçamental que era uma desgraça ao tempo de Durão Barroso e de Manela Ferreira Leite - que então só estava obsecada com o défice.
Mas fará sentido todo este relançamento da economia europeia em torno da Estratégia de Lisboa? Vejamos: hoje nada na economia (virtual ou real) se altera, melhora ou corrige se não sofrer um input das mudanças operadas pelas TIC. Através delas se transforma a actividade económica, se estimula a inovação tecnológica e se melhora a qualidade de vida dos cidadãos em geral. Mas este input também comporta um passivo: o desemprego, dado que a informatização geral da sociedade dispensa o músculo de milhares e milhares de trabalhadores. Mas o que verdadeiramente está em jogo - e que atravessa todos os sectores da economia e da sociedade, como também as próprias mutações institucionais e até culturais, é a forma como hoje se produz o conhecimento, i.é, a forma como esse conhecimento suscita uma capacidade cognitiva, de aprendizagem, de interiorização de padrões de cultura e de compreensão que são, verdadeiramente, inovadores e originais. E são estes factores combinados que hoje fazem a diferença na competitividade das empresas, das pessoas e também ao nível das administrações públicas que têm que fornecer serviços de qualidade à sociedade. A Europa só conseguirá crescer e desenvolver-se se acelerar esse processo de produção de conhecimento com aplicação empresarial e se a percepção das sociedades acompanhar esse activo estratégico presente na Estratégia de Lisboa que foi firmemente defendido e promovido por António Guterres em 2000. Numa palavra: a criação de conhecimento por grupos profissionais (investigadores, artistas, engenheiros), a difusão desse conhecimento através de redes (media, indústria, lazer, telecomunicações, espaço público) e a utilização do conhecimento pelas empresas, serviços públicos, autoridades locais e sociedade civil e pessoas em geral são a receita de que hoje a Europa carece para se relançar na senda do crescimento, da modernização e do desenvolvimento. Eis o que me evocaram as declarações de ontem de Durão Barroso ao sublinhar a necessidade de recuperar a Estratégia de Lisboa - protagonizada por Guterres há quase uma década.
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