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MARVÃO NO NEW YORK TIMES - trad. de Pedro Sobreiro -

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ARTIGO DE MARVÃO NO NEW YORK TIMES
Não é todos os dias que podemos ter o orgulho de nos vermos publicados num dos jornais mais conceituados de todo o mundo. Mais que a honra da publicação no New York Times, fica o rasgado elogio às maravilhas de Marvão e um sincero convite à visita.
Vista de longe, a vila medieval portuguesa de Marvão parece uma miragem saída de um conto de fadas, aninhada no alto de um monte com quase 900 metros de altitude. Para chegar lá, tem de guiar por uma estrada íngreme e sinuosa – salpicada de ganchos apertados – que o leva através de amontoados de cortiça e castanheiros, e passa por aglomerados liliputianos com jardins de pequenas florinhas e muros de pedra.
Ao longo do percurso, depois de muitas curvas e contracurvas, pode vislumbrar fugazes imagens dos telhados de terracota e das paredes caiadas de Marvão. Mas nada o prepara realmente para a chegada épica: um gigantesco muro de pedra, de quase 3 metros de espessura, limita o perímetro da localidade como se fossem uns braços seguros, circundando não apenas o castelo ancestral mas também cada casinha e cada ruela. A arcada da entrada principal é da largura de apenas um carro. Pode entrar lentamente, a menos que conduza um jipe Hummer (que dificilmente encontrará por estas paragens). Mas é muito mais agradável estacionar no exterior da entrada e dar um giro a pé, apanhando a fragrância terrena e o ar fresco da montanha.
Um passeio vagaroso à volta desta antiga povoação – sempre preferível ao longo do largo e plano cume da muralha de pedra – é razão mais que suficiente para uma visita: colocá-lo-á bem acima das banais planícies queimadas pelo sol da região Alentejo e proporcionar-lhe-á raras panorâmicas de 360 graus. Quer olhe em direcção a Espanha, 15 quilómetros para Leste, ou para Oeste em direcção a Lisboa, ficará pasmado ao contemplar os extensos e coloridos campos de trigo que cedem passo a conjuntos de casinhas e colinas verdes e cinzentas.
“De Marvão, vê-se a terra toda”, escreveu José Saramago, o vencedor do prémio Nobel da Literatura em 1998, no seu roteiro “Viagem a Portugal”. “Compreende-se que neste lugar, do alto da torre de menagem do castelo de Marvão, o viajante murmure respeitosamente “Que grande é o mundo”.
A maioria dos visitantes são turistas de um só dia de Lisboa, da costa algarvia e do Oeste de Espanha. Mas à medida que os turistas descobrem a região Alentejo, com as suas emblemáticas cidades e vilas postais, de impecáveis fortificações como é o caso de Évora e Monsaraz – agora apinhadas de Museus e lojas de souvenirs – mais se deslumbram com a humilde imponência de Marvão.
Marvão conseguiu incrivelmente manter o seu aspecto de burgo idílico, apesar das suas acessibilidades (está situada a apenas duas horas e meia de carro de Lisboa) e da média de 20.000 visitantes por ano – uma estatística impressionantes se considerarmos que tem apenas 150 habitantes fixos. “O mais maravilhoso de tudo é a conjugação da sua localização, neste perfeito envolvimento paisagístico e ambiental, com o seu posicionamento central em termos de território – facilmente acessível pela costa, de Lisboa e de Madrid”, disse Chris Kellond, de 57 anos de idade, natural de Donegal, Irlanda, radicada em Marvão com o seu marido desde 1992, onde gere uma loja de recordações de nome “Milflores”.
O castelo do século XIII é a principal atracção da vila, com passagens labirínticas, uma soturna e ecoante cisterna, e guaritas salientes que se projectam sobre a escarpa como se fossem umas asas fixas. As mesmas guaritas que proporcionam vistas estelares para a Serra de Ossa e a Serra de São Mamede, bem como para quilómetros de remendos lavrados pelas quintas agrícolas, que cobrem toda a paisagem com uma louca manta de retalhos nas suas mais diversas sombras e tonalidades.
O castelo assentou praça em 1299, quando o rei D. Dinis entrou num autêntico frenesim de construção de fortalezas, amontoando povoações junto à fronteira com Espanha que lhe serviram de palco para vitórias militares sobre os mouros.
Hoje a vila é o lar para uma comunidade pacífica e fortemente unida – uma mistura de locais e segundos proprietários de Lisboa, com apenas 20 crianças à mistura. “Conheço-os a todos,” disse Felicidade Tavares, de 48 anos, uma habitante de terceira geração que trabalha no posto de turismo local. “Se fechar os meus olhos, posso ir mentalmente ao longo de cada rua e ver exactamente quem vive onde”.
Para uma perspectiva mais histórica, entre no Museu Municipal, instalado numa pequena igreja de pedra branca. A sua abrangente colecção proporciona uma intrigante perspectiva do passado da vila e do próprio país: sepulturas medievais, coloridas paredes de azulejos (mosaicos de matizes brilhantes), estátuas de monges do século XV, achados arqueológicos como peças de olaria e uma sala dedicada ao significante passado judaico da região. Muitos judeus foram perseguidos em Espanha durante a Idade Média e fugiram para Marvão. (A cultura judaica é ainda mais evidente na vila irmã de Marvão, Castelo de Vide, um adorável passeio vizinho a escassos quilómetros de distância).
Mas o maior regalo de Marvão é poder caminhar pelo emaranhado de calçadas (existe apenas uma dúzia delas) ouvindo apenas o som dos seus pés pisando o chão à medida que explora cada recanto e cada viela. Estava misteriosamente silencioso minutos antes do pôr-do-sol numa balsâmica tarde do último Outono, com apenas uma mão cheia de turistas errantes. “É muito interessante que esteja tudo concentrado dentro de uma muralha”, disse José Manuel Pallero, de 25 anos, um estudante em visita diária desde Cáceres, Espanha.
Notavelmente, as estruturas ancestrais e as ruelas parecem estar numa condição impecável e tanto assim é que a vila se candidatou ao reconhecimento da UNESCO como Património Mundial. Mas quando Marvão falhou numa primeira ronda de análise no ano passado, os autarcas locais – no sentido da verdadeira personalidade despretenciosa da vila – preferiram retirar a candidatura em vez de arriscar uma rejeição final. Talvez fosse uma bênção, uma vez que a distinção teria trazido mais multidões, deitando a perder a solidão relativa que dá a Marvão o seu charme.
Pode mergulhar num tranquilo retiro na Pousada de Santa Maria, uma hospedaria histórica com uma elegante sala de jantar com toalhas de mesa brancas. Se entrar antes do pôr-do-sol, a Pousada, localizada junto à encosta, proporcionar-lhe-á magníficas vistas do vale banhado em ouro. Igualmente espectacular é a ementa, que inclui robustos vinhos regionais e pratos alentejanos como a “Carne de Porco à Alentejana” e a “Açorda”, salpicada com alho. Depois de jantar, dê um passeio ao longo das muralhas da vila. O manto de veludo da escuridão é colossal, o silêncio imenso. E a terra toda abaixo de si, agora um fosso sem fundo de negrume, tem um poder avassalador.
(..) Publicada a 29 de Abril de 2007 Tradução por Pedro Sobreiro
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