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A peregrinação a Fátima: um fenómeno transhumano. O poder das promessas e as receitas das esmolas...

O carnaval português é assim, o Santuário de Fátima converte-se no sambódromo português. No Brasil dança-se, por cá vamos de joelhos. E já que ajoelhou, como diria o Gabriel o Pensador - vai ter de rezar. E nós rezamos.
Uma das maiores celebrações de sempre em Fátima, apenas superada pelas três que foram presididas por João Paulo II. São tantos os fiéis, que ontem à noite as autoridades pediram aos crentes para não tentarem entrar no Recinto.
É a quarta maior peregrinação de sempre. À excepção dos dias das três presenças do Papa João Paulo II, o Altar do Mundo nunca viveu uma enchente como a deste fim-de-semana. É por isso também que, a par da fé, cresce um inevitável mundo de negócios, responsável por uma facturação de, no mínimo, 25 milhões de euros.
As comemorações dos 90 anos da primeira Aparição da Virgem aos Pastorinhos – a 13 de Maio de 1917 – e a coincidência das celebrações religiosas com o fim-de-semana, atraíram à Cova da Iria 500 mil pessoas, segundo cálculos da GNR, que este ano assumiu as operações de segurança.
“Dois lenços um euro, dois lenços um euro! – é para dizer adeus à Virgem!”, apregoam os vendedores ambulantes nas ruas à volta do Santuário. Também não faltam bonés e cadeirinhas: cada dois a cinco euros. É um pequeno exemplo de que, à volta dos peregrinos e da fé, quase tudo se vende.
Na verdade, o meio milhão de peregrinos que assiste às cerimónias do 13 de Maio em Fátima gasta, no mínimo, 25 milhões de euros – contando 50 euros por cada um, em combustível, alimentação, dormida e recordações. Uma estimativa “pessimista”, como referiu ao CM um economista que também peregrinou ao Altar do Mundo. O volume de negócios pode aproximar-se do dobro, ou seja, 50 milhões de euros – cem euros por cada peregrino, sobretudo os que pernoitam na região.
Estas verbas não caem nos cofres da Igreja – se assim fosse, seria mais fácil pagar a Igreja da Santíssima Trindade, que está em fase de acabamento e orçada em 60 milhões de euros. A ela cabe-lhe uma pequena fatia deste dinheiro, porque também explora alguns estabelecimentos comerciais, como lojas de recordações e unidades de alojamento e vendas de velas. E fica com as esmolas – não contabilizadas nesta estimativa – e as promessas pagas por fiéis provenientes de todo Mundo.
E a Cova da Iria já era ontem, a meio da tarde, um mar de gente a confluir para o recinto das celebrações, que ficou repleto – tem capacidade para 250 a 300 mil pessoas – por altura da Procissão das Velas, um dos momentos mais simbólicos para os fiéis, a par da Procissão do Adeus, que decorre esta manhã.
António Lopes, de 56 anos, e o filho, de 29, chegaram da Maia para repetirem um gesto que cumprem há 18 anos: agradecer à Virgem as boas graças. De Vagos, após 130 quilómetros a pé, chegou Amélia Graça, de 38 anos, com duas amigas. Prometeu pela cura de “um problema” do filho, que esteve quatro dias em coma.
E as histórias repetem-se, umas mais, outras menos dramáticas, porque há 90 anos Lúcia, Francisco e Jacinta viram uma Senhora vestida de branco na Cova da Iria. (...)