quarta-feira

Peter Drucker - o "operário" do conhecimento

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Este génio do pensamento económico e social morreu a semana passada. Creio, contudo, que viverá sempre. Pouco ou nada poderíamos dizer sobre ele - que acrescentasse algo ao mundo ou ao pensamento económico e social - agora na transição dos séculos e dos milénios.
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Nunca precisou de apresentações. Tinha uma posição muito peculiar sobre as instituições que nos governam: dos governos modernos... Drucker entendia que só conseguíam fazer bem duas coisas: 1) Travar guerras no sistema internacional e; 2) Inflacionar a moeda.
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É óbvio que muitos outros pensadores e políticos o tentaram contrariar, em vão. Drucker sobreviveu a todos eles. Tinha e tem um impacto planetário. Só o seu nome representa uma novela na lista dos best-sellers em muitos países do mundo, designadamente no Brasil, com milhões de almas a consumir "gestão", a ingerir-gestão. Para nada, afinal... Pois nem a corrupção consegue - já não digo eliminar, mas pelo menos reduzir para níveis aceitáveis que permite fazer respirar a economia.
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Era um gurú para muitos homens de empresa e decisores do mundo moderno. Foi um pensador profundamente criativo; criou conceitos; inovou; inventou as privatizações. Drucker foi um trabalhador incansável do conhecimento; foi um defensor da gestão enquanto disciplina que tinha de se levar muito a sério. Cheguei a beber os seus conhecimentos quando estudei marketing para Organizações que não visam o lucro. Drucker foi sempre uma permanente fonte de inspiração. Estava procupado com o 3º Sector - o não lucrativo - que ajudou a explicar muita da filosofia que orientou as ONG que se criaram em toda a década de 90 e, de algum, fizeram a história dos últimos anos. Quase sempre contra os governos dos Estados, a favor das pessoas. E, não raro, porque se trata de organizações de homens, também se abetoavam com recursos financeiros vindos dos Estados (de que eram pequenos "lacaios") ou faziam o trabalho sujo que os governos ou não podiam ou não queriam fazer na arena internacional, designadamente em cenários de conflito e de miséria humana..decorrente de guerras civis que originavam clamorosos conflitos humanitários. A vida dos refugiados atesta bem essa triste e dramática realidade dos nossos dias.
E é aqui que lhe reconheço mais valia: foi um autor seminal, deixando noutros pistas que poderiam ser desenvolvidas depois dele. Drucker era, pois, um autor prolixo, multiplicava pães como formigas, parecia ter o dom do milagre da multiplicação, ao invés de muitos outros autores-eucalipto que secavam tudo à sua volta.
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Ele já foi cunhado de tudo: "pai da gestão"; o inventor da América industrial; etc, etc.
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Aparte todo o seu legado, que ainda está por fazer e apurar, e pode levar uma década a construir, desejaríamos, contudo, deixar aqui uma memória pessoal - que vale o que: em 1998 - terminava o meu mestrado em Ciência Política. O trabalho tinha quase 700 páginas e respondia pelo seguinte nome: As ONG(D) e a Crise do Estado soberano - um Estudo de Ciência Política e Relações Internacionais, Ed. Univ. Lusíada, Lisboa, 2000. O chamado 3º Sector - integrava uma boa parte do trabalho, daí termos pensado em sugerir que o genial Peter Drucker pudesse conhecer o trabalho e, em conformidade, tecer cinco, quatro, três, duas uma linha a propósito do mesmo. Havia que arranjar a morada e contactá-lo. O JNR teve essa amabilidade. Enviei o fax para sua residência em Claramont, na Califórnia, EUA. Ele recebeu-o e umas horas depois deu-me uma resposta mais ou menos nestes stermos: dada a minha avançada idade já não me encontro disponível para participar em conferências, lançamentos de livros e congéneres... Foi uma nega virtuosa. Eu, um investigador desconhecido, tentando falar com um ser planetário - que me respondera horas depois de o interpelar por fax. Interessante, pensei.. Na altura o mail ainda não estava muito generalizado.
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Não fora o meu Pai ter falecido nesse ano, nesse mês, talvez nessa semana e ainda guardaria esse fax com imenso orgulho. Guardo-o na mesma, apesar de tudo. Foi, talvez, a nega mais apetecível que devo ter recebido na vida.
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Hoje, tal como quando em 2000 lhe enviei o fax para a sua residência, tive plena consciência desse acto: uma mosca perguntando o nome a um elefante. Só que o elefante em vez de esmagar a mosca, acabou por lhe responder educadamente. Hoje recordo tudo isso com uma tristeza colorida, e acabo por ter um bom pretexto para reencontrar esse tal fax que recebi do genial Peter Drucker há 5 anos. Ao mesmo tempo em que tinha perdido o meu pai com 60 anos editava o meu 1º trabalho: As ONG(D) e a crise do Estado... Foi um ano terrível, repleto de dualidades, ambivalências, ciclotimias, alegrias e frustrações e dores d´alma. - Enfim, foi um ano cheio de neve e de carvão que tentei ultrapassar o melhor possível na paleta de cores da minha estranha vida. Hoje, essa "estória" da mosca em diálogo com o elefante por fax deixa-me a pensar. E também parece que suscitou preocupação a Drucker, já que as grandes organizações não podem ser versáteis. Uma grande organização, dizia Peter Drucker, - é eficaz pela massa e não pela agilidade. As moscas podem saltar muitas vezes a sua própria altura, mas o mesmo não se passa com os elefantes. É óbvio que PD foi simultaneamente uma mosca e um elefante, ou um elefante-mosca. E como é fácil imaginar um elefante alado..., voando por todo o lado, deixando sementes por onde passa. No sítio das sementes cresciam depois palmeiras.. E se conto hoje aqui esta estória, que é, afinal, um simples testemunho com base num fax, é porque o dia do seu desaparecimento foi também um dia triste para mim, apesar de nunca o ter conhecido. Nem era preciso, pois com certos homens - só os podemos conhecer pela via intelectual, através das ideias. E isso basta-nos. Fiquei sempre com a sensação que estava ali um homem bom, além de sábio. Foi também um episódio que fronteirou com a morte do meu pai, no Natal de 2000 - que agora vai fazer 5 anos nesse tempo que passa. E são estas "continuidades" e "descontinuidades" - que hoje fazem falta à economia, à sociedade e à política. Drucker foi, de facto, um homem presciente. Andou sempre à frente da realidade. Esteve para a economia e a gestão como Cervantes esteve para a literatura, antecipando-as. Criou paradigmas com base nos quais víamos a realidade mais simplificadamente e mensurávamos os grandes números de forma mais rigorosa e adequada.
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Quando olhamos para trás e recordamos Adam Smith ou David Ricardo - intragávelmente cuspidos no manual do Pedro Soares Martínez, que tinha de ser decorado como um verso do Al Corão, lá nos vêm à memória as vantagens comparativas. E sendo o clima de Portugal favorável à plantação de uvas - (a minha Avó - por exemplo - adorava podar as videiras desconhecendo em absoluto essas teorias das vantagens comparativas de Smith e de Ricardo, e fazia-o de óculos escuros mais parecia uma estrela de Holliwood) - e o clima de Sua Majestade/Inglaterra favorável à criação de ovelhas, fazia sentido trocar o vinho luso pela lã inglesa.
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O comércio fluía naturalmente por esse binómio de economias complementares, precisamente porque aquelas duas nações - Portugal e Inglaterra - para recuperar o exemplo clássico que se estuda nos manuais de economia política - produziam produtos diferentes, ao invés do que então se passara entre Inglaterra e os emergentes EUA - que poduziam pordutos iguais e, por isso, entravam em choque concorrencial, como é hoje o prato do dia. Estranho é que essa guerra económica e comercial se verifique hoje com a China e a Índia - a fábrica e o escritório do mundo... Com efeito, com Drucker já não podemos recorrer aos velhos Smith e Ricardo. Drucker rasgou essa fronteira e abriu um novo mundo. Um mundo assente numa nova mercadoria que agora pulula na economia mundial e coloca tudo de pernas para o ar. Pois quanto mais iguais forem as economias no quadro de funcionamento das suas estruturas - mais tendem a sofrer. Seja nos seus custos factoriais seja na sua concepçãao tecnológica, apesar de maior e mais intensivo passar hoje a ser o comércio entre as nações do mundo inteiro nesta aldeia global - onde todos se falam, mas em que verdadeiramente só muito poucos se conhecem.
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O recurso a Drucker para explicar a malha do nosso tempo é, pois, vital. Foi ele que viu, com a sua tal presciência, que a mercadoria-chave da economia-mundial é o conhecimento - directo através de um investimento ou por intermédio de força de trabalho que se orienta pela via da migração dos milhares de trabalhadores que todos os anos, todos os meses, todos os dias, são obrigados a sair dos seus próprios países para trabalharem nas economias de outros países. Portugal conhece bem essa "estória"... Drucker percebeu como ninguém essa lógica de funcionamento do padrão do centro comercial global emergente. Drucker foi sempre um homem presciente, um homem do futuro. Um dia perguntaram a Drucker o que fazia no tempo de lazer.. Respondeu: que tempo de lazer? Depois pediram-lhe para comentar a aparente ironia de estudar as grandes organizações e as grandes empresas como a GM - sem nunca ter trabalhado numa.. Replicou : Nunca poderia trabalhar numa grande organização. Aborrecem-me até às lágrimas.
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Peter Drucker foi, em nosso entender, um engenheiro de conceitos, mais do que um homem da gestão ou da empresa - no puro sentido da palavra. Percebeu que numa economia internacional em mutação há apetites comuns, exigências comuns que já não se confinam ao velho espaço das economias nacionais. Agora a "guerra" é de âmbito global. E Drucker percebeu - muito antes dos outros gurús que pensavam a gestão e a economia globais - o funcionamento desse padrão, que era agora motorizado por um novo apetite universal - que, por sua vez, se alimentava dos pequenos luxos que geravam e intensificavam essas tais interdependências na economia mundial.
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Pelo amável fax que dele recebi - que foi a nega mais saborosa que tive e, sobretudo, pelos seus inúmeros e seminais ensinamentos, deixamos aqui este breve testemunho. Talvez um dia façamos um artigo mais sério sobre PD. Ele merece... Pela sua sagesse, mas também pela sua bondade (só própria dos grandes homens) - que parece ter sido verdadeiramente sentida por todos que lidaram com ele. Por tudo isso, fica aqui o nosso sentido agradecimento e pesar.
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Pois como dizia em The New Realities - in a class by himself... it is impossible to read the man without learning a lot.
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O valor das Coisas não está no tempo que elas duram, mas na intensidade com que acontecem. Por isso existem momentos inesquecíveis e pessoas incomparáveis.
  • Eis o que pediria ao nosso Fernando Pessoa para transmitir ao nosso amigo Peter. Isto, claro, se fosse possível uma e outra coisa. Ou seja, resgatar Pessoa à morte para lhe fazer este pedido; e adiar a morte a P. Drucker por mais uns tempos a fim de lhe poder transmitir a mensagem de Pessoa. E, já, agora alguém tem por aí o Tm de Deus...
_______________________________________________________________ By JNR Image Hosted by ImageShack.us.Image Hosted by ImageShack.us Image Hosted by ImageShack.usImage Hosted by ImageShack.us ___________________________ UMA DÍVIDA PESSOAL Jorge Nascimento Rodrigues Há 30 anos quando estudei vagamente Economia no Quelhas no então ISCEF, em Lisboa, Peter Drucker não era sequer uma nota de pé de página, que eu me recorde. A Academia ignorou-o durante muito tempo, apesar de ele ter sido um dos primeiros "professores de gestão" (tal qual, assim designados) na Universidade de Nova Iorque nos anos 50... já não falando no "pequeno" acidente histórico de ter sido ele o fundador da doutrina do management. Por mais escandaloso que seja, a minha descoberta de Drucker foi, por isso, muito tardia - o homem já tinha mais de 75 anos - e, ainda por cima, pouco "correcta". Não comecei pelas "bíblias" enciclopédicas dele, por exemplo, por esse volumoso (500 páginas, mesmo em livro de bolso e com letra miudinha, da Pan Books londrina) A Prática da Gestão, inicialmente publicado em 1954, nem pelo célebre O Conceito de Corporação, inspirado no estudo que ele fizera na GM de Alfred Sloan nos anos 40. Descobri-o, por puro acaso, ao ler a revista Fortune e fiquei deliciado com a sua visão do "empreendedor", com o papel histórico dessa gente, que ele fora beber a Schumpeter, uma "lenda" da Economia que ele conhecia desde Viena de Áustria, a sua terra natal. Devorei, então, o livro Inovação e Gestão (no original inglês "Inovação e Empreendedorismo") que havia sido traduzido pela Presença naquele ano de 1986. Nunca mais deixei de andar à caça destes "actores" (como começou a ser chique dizer-se) económicos. Drucker tinha-me pegado o vírus do management, mas pelo lado mais encantador - o da história. E decididamente mudei o meu rumo no jornalismo e na actividade editorial ao ler As Novas Realidades em 1989. Ele tinha inventado um outro "actor" que logo me seduziu - o do trabalhador do conhecimento ("knowledge worker", na linguagem original druckeriana). Drucker começara a falar nele em 1959 e mais desenvolvidamente em 1969 com uma obra magistral A Era da Descontinuidade, de que li extractos com mais de 20 anos de atraso. Teimei, então, em conhecer o homem ao iniciar a secção de Gestão & Estratégia no Expresso. Durante dois ou três anos troquei faxes com um guru que eu jamais pensara ser tão acessível, modesto e paciente. Nada que se parecesse com as "estrelas" do negócio do entretenimento da gestão. Ele escrevia as respostas às muitas perguntas com que o bombardeei com uma velha máquina de escrever com um caracter miudinho e respondia praticamente na hora (atendendo à diferença de fusos horários com a Califórnia). Foram os anos em que ele produziu obras tão marcantes para a minha actual "concepção do mundo" (para desenterrar uma expressão antiga) como Gerindo para o Futuro (1992) e A Sociedade Pós-Capitalista (1993), que amavelmente me mandou ainda nos "galleys" (salteados com as inconfundíveis correcções à mão de Drucker), e que seria possível traduzir em Portugal pela Difusão Cultural. Foi, por essa altura, que o visitei, pela primeira vez, na sua casa em Claremont, perto de Los Angeles. E, paulatinamente, fui aprofundando o Drucker ao vivo, já o "pai" da gestão ia nos 84 anos, permitindo-me tirar uma pequena fotografia de coisas mais "pessoais", que me marcaram tanto ou mais do que os milhares de letras sobre gestão por ele escritas. E que deixo como telegrama final. . Trabalhar sempre! Ele continua um total "workaholic". "Preciso do stress do trabalho", disse-me. Ele fá-lo com prazer e espera continuar a trabalhar até ao fim, "tal como Verdi", que o impressionara em miúdo na sua terra natal em Viena. . Caçador de tendências. Entre outras profissões, Drucker havia sido jornalista na Alemanha, em Inglaterra e depois nos Estados Unidos. Mas um jornalista especial. A sua arte sempre fora "caçar" tendências e contar a história ao vivo. "Do que eu realmente falo é de História", disse-me ele no meio de umas garfadas numa lasanha, há dois anos atrás. Drucker é um encantador "grande falador" (como ele próprio se autodesigna com uma enorme risada). A tese dele é que o "futuro está sempre presente", nas tendências que poucos sabem observar e de que só alguns conseguem tirar proveito. . Turbulência. Para um homem que nasceu em 1909, viu o nazismo emergir quando estava em Frankfurt, e acompanhou os altos e baixos do capitalismo contemporâneo na varanda privilegiada dos Estados Unidos, para onde se mudou em 1937, "o estado normal das coisas nunca foi outro senão o da turbulência - o contrário é que é excepção", riu-se ele de quem não percebe como funcionam os ciclos longos da economia e da história. . Como queremos ser recordados. Diz Drucker: pelos que nos lêem (diz a costela de escritor) ou nos ouvem (diz a costela de professor) e que nos dizem ou nos mandam um simples bilhete: "Aquilo que disse marcou a minha vida. Muito obrigado". Por todas estas razões, o leitor compreenderá que a minha dívida pessoal para com Peter Ferdinand Drucker, que em Novembro próximo fará 92 anos, é difícil de medir. DESAFIO FINAL AO LEITOR Gostaria de fazer uma pergunta a Drucker? Então envie por email para jnr@groupadventus.com, talvez ele responda no próximo 'longo almoço de lazer' (como ele gosta de lhe chamar) que já temos marcado.
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