O crucifixo e o microondas
Discutir certas questões, em certos lugares, é arranjar conflitos perfeitamente gratuitos. Vem isto a propósito do governo socialista, que é laico, embora num Estado maioritáriamente de religião católica, apesar de pouco praticante, tomar uma decisão de retirar os crucifixos das paredes das escolas. Ora, o que Estado deveria fazer era criar um clima de confiança para a economia crescer urgentemente e potenciar os pólos de riqueza e de saber na sociedade.
Isto é bizarro. Por um lado, o Estado deve imiscuir-se o menos possível nas questões de fé ou de crença nas pessoas, a não ser que o governo de Sócrates tenha uma fezada inusitada de que este tipo (bizarro) de decisões contribua para a felicidade eterna dos tugas: atraía mais Investimento Directo Estrangeiro (IDE), dinamize o investimento, crie riqueza e emprego dentro de portas, potencie as exportaações e reforce a nossa competitividade e qualidade de vida material e espiritual. Mas parece que não é assim.. Toda essa tolice decorre duma decisão meramente simbólica, presumo.
Este tipo de decisões parece-me, aliás, além de gratuitas também perniciosas e algo quezilentas. Será que o governo de Sócrates quer acicatar ainda mais os tugas(??) - que cá vegetam sem fé e em que as pessoas têm de emigrar para Espanha? Discutir a retirada dos cruxifixos das escolas é como equacionar a capacidade calorífica dos microondas com pipocas estranhas lá dentro; seria como se a nação, de um momento para o outro, se passesse a importar com a dimensão dos charutos "estabaqueados" pelo pequeno ditador da Madeira, esse grande timoneiro - Alberto João. As coisas não fazem sentido, a bota não bate com a perdigota..
Por que razão - pergunto eu - os partidos, os governos, os sindicaatos, e, naturalmente, as Igrejas - não trazem ao mundo aquilo pelo qual a necessidade humana grita e reclama em vão: um centro, uma finalidade, uma verdadeira fé?
Em lugar disso, entretém-se a brincar às decisões que mexem com a decoração mais simbólica das paredes das escolas onde jazem ícones que nos remetem para a nossa relação com Jesus Cristo, a religião, a fé e tudo aquilo que de misticismo (ou misterioso) essas derivas nos remetem. Parece-me, pois, mal, muito mal, o governo andar a cheirar os coentros aos assuntos das crenças dos tugas, coisas que são da exclusiva intimidade de cada um.
Pelo que a nossa tarefa - como cidadãos - é confrontar as instituições, logo também a igreja - com os seus fins: pois os Estados, as sociedades, as empresas, os saberes, as escolas - todos são produtores de saber, todos têm a sua ciência e a sua fé naquilo que pensam e fazem.
Julgo, pois, tratar-se duma questão totalmente simbólica a que o governo não deveria tocar - quer sob a forma de legislação ou de decisões políticas que um povo esmagadoramente católico não compreende. Eu posso ter o meu Cristo na carteira, sobre a cama, no espelho retrovisor do carro, no porta-luvas, no WC - e ai!! do governo que me diga onde eu o devo guardar ou não... Aliás, se soubesse que me iriam chatear com essa gratuitidade arranjaria um cruxifico enorme, feito de carvalho - pra aí com uns 5 metros de cumprimento com 3m de envergadura de asa - e aproveitava-o para dar na cachimónia do governo ou do responsável que perante ele teve essa estultícia ideia.
Julgo, pois, que nem valerá a pena brincar aos crucifixos. Deixamos isso para a imaginação do decisor que cogitou essa alarvidade. Apenas dizemos, para concluir, que em matéria de fé cada um tem a sua, ponto. Sócrates também terá de a ter, doutro modo termina o seu mandato ainda antes do tempo, o que não será desejável para a estabilidade do país e das instituições, creio.
Mas também sabemos que quando a fé, e moral baixam - pululam superstições e idolatrias que podem conduzir a radicalismos e fanatismos perfeitamente evitáveis. O que vale é que Portugal tem essa tal homogeneidade religiosa que cimenta a coesão entre os crentes, doutro modo isso poderia gerar - larvarmente - situações de conflito desnecessárias.
Qualquer dia, ainda veremos o governo socialista a pregar pelo regresso da Igreja - não já pelo amor dos crucifixos e dos ícones religiosos, que têm um significado especial para cada um de nós - tal é a forma como cada pessoa vive a sua fé e absorve as vivências da sua espiritualidade, mas por medo do povo em fúria que se pode estribar com certas outras decisões de OTA & compª...
Vivemos neste transe que nos descontrola. E a culpada, claro está(!!!) é a meretriz da Globalização. Ela serve para tudo... Todavia, estas bizarrices ainda nos suscitam outras enormidades que aqui sucintamente descrevemos:
a) Uns querem persuadir-nos de que é a ciência que responde a todos os problemas - a fim de não se colocar nenhum verdadeiramente importante;
b) Outros, mais fanáticamente crentes e sabujos dos passos perdidos da Igreja (que sempre é mais papista/oportunista do que o Papa) - procuram ver nesses vários crucifixos que levamos pela vida fora - uma ordem que nos fará delegar num eleito religioso a escolha da nossa utopia ou da nossa concepção de ordem, de desenvolvimento, de estabilidade, de felicidade, enfim, modelar a nossa cosmovisão.
Pois eu creio, muito singelamente, que estas questões são descabidas, tal como o tamanho dos charutos do Alberto ou como aquela estranha "pipoca" siamesa dentro do microondas. Não bate a bota com a perdigota. Daí, para ilustrar o ridículo e absurdo da situação, a importação daquela imagem do microondas.
Então, perguntarão os mais curiosos, porque razão estes dislates e alarvidades ainda têm lugar no séc. XXI? Em nossa opinião julgamos que ainda nos preocupamos com os charutos do A. Jardim - metafóricamente falando - por uma razão simples: que decorre dum erro de partida que acaba por enrolar todas as decisões posteriores num amontoado de asneiras evitável. Até porque quer as crianças quer os professores pensam cada vez menos nesses ícones, tais são as suas preocupações e/ou prioridades diárias.
E o erro de base resulta do facto de todas essas atitudes, desde o fanatismo religioso (crença radical na religião) ao cientismo tecnológico (crença radical na ciência como panaceia para todos os nossos problemas e aspirações), do teísmo ao ateísmo, do integralismo à teologia da morte de Deus - decorre de acreditar que poderemos reencontrar a plenitude do homem e a sua transcendência sem romper com a nossa cultura (ou matriz) ocidental. Uma cultural milenar - que até mesmo sem o saber, o sr. engº. Pinto Sócrates - subscreve. Isto porque o nosso mundo, hoje, já não tem um centro, mas os povos, a história (de Portugal) tiveram um. Que passa (também) por esses ícones... Por exemplo, o Stº António na Praça de Alvalade é conhecido pelo Santo casamenteiro, e no Verão lá vão uns papalvos pedir meças ao Stº António da CM de Lisboa que os casa à borla - para um ano depois se passearem já divorciados pela av. de Roma Roma abaixo em direcção ao Júlio de Matos. .
É assim a cultura, uma malha de símbolos e de signos. Somos "animais" culturais, simbólicos - por isso damos importância a estas coisas; ao invés, como sabemos, os cães urinam nas raízes das árvores para dizerem aos congéneres que ali passou o cão tal, que territorializou aquele espaço. Seria, pois, estranho, muito estranho!! - que os cães passassem, num ápice, a adorar crucifixos.. Ou até a frequentar a escola.. Deveria ser incrível ver um cão falando línguas, especialmente inglês.., dadas as reformas deste governo no sector educativo. Dizem-me que isso é impossível, apesar de saber que existem outros que falam alemão e estão no governo.
Logo, tentar reformatar a história, as crenças, os costumes arreigados, os valores mais profundos de cada um de nós - através dum bacoca decisão política - é um pouco como empurrar um elefante com um tractor. Um dia o elefante chateia-se e manda uma valente trombada no tractor (e no tractorista, que pode chamar-se Sócrates) e vira tudo aquilo de pantanas.
O problema da retirada dos crucifixos das escolas, em suma, não se resume (como estupidamente essa decisão denuncia) ao carácter laico do Estado, nem à pluralidade religiosa ou qualquer outro multiculturalismo presente na sociedade portuguesa. O problema é que mesmo tirando os cruxifixos das paredes - eles continuam a irromper pelas nossas cabeças. O homem já O designou há milhares de anos; o homem já O construíu à uma eternidade. Isto é uma questão cultural, antes de o ser religiosa. Aliás, até a questão religiosa é, primeiramente, uma questão cultural.
Esses homens, ícones ou não, pendurados ou dependurados na parede das escolas ou nos refeitórios duma cresche, mesmo sem o sabermos, vivem ainda nas nossas vidas. E viverão depois de morrermos.
Cresci vendo na escola primária os tais crucifixos de parede olhando para mim. Cheios de pó, lá ficaram, anos e anos, cheios de caimbras por entre indiferença e fé precária. Quer dos professores, quer, por maioria de razão, dos alunos - ainda crianças - que só pensavam no recreio e nos jogos que poderiam desenvolver fora da sala. Mas a sua retirada em nada faz diminuir a minha fé; como, porventura, o seu reforço não me trariam mais fé.
Julgo, no entanto, que algo de mais imaginoso está por detrás disto. É que o governo socialista, porventura, quererá fazer uma colecção de crucifixos para uma exposição sobre religiões e outras multiculturalidades que alguns departamentos e academias se inclinam a fomentar e, não raro, estão ligados a interesses maçónicos ou da Opus gay - pedrão - day - a fim de melhor se implementar uma determinada estratégia económico-empresarial.
Descontando esta ironia, pois a realidade é bem pior, julgo que a história não existe separada das religiões e das revoluções. Não é por acaso que os apóstolos e os revolucionários são figuras indistintas nesta única aventura humana que é VIVER. Por tudo isto, entendo que não se deveria tirar os crucifixos donde estão. Nem lá meter outros. Pura e simplesmente, não se deveria sequer evocar essa lenga-lenga que não ajuda Portugal e os portugueses em nada nesta conjuntura difícil que todos atravessamos. É um pouco como estarmos todos no cinema vendo o engº Sócrates actuar as suas partituras, e sermos "intervalados" pelo farmacêutico que nos pergunta se queremos um melhoral ou um supositório.
Os homens, afinal, não têm senão uma história, desbravada a golpes de espada, outras vezes a golpes de audácia e até de loucura, embora com imensos sacrifícios pessoais e humanos. E não se veja nisto nenhuma exaltação das violências que a Igreja Católica A. Romana cometeu mundo fora; veja-se, tão sómente, essa capacidade que o homem tem de produzir imagens, ícones, onde depois cristaliza a sua fé reflexo do seu próprio génio humano.
Eu hoje - quando olho para o crucifixo de Cristo pregado daquela forma selvática - acabo por ficar mais humilde e mais compreensivo perante o que me rodeia. Pois apesar de desconhecer boa parte do que está para trás, tal não me dispensa de eu ver nessa mesma imagem uma força e uma energia que me transmitem uma verdadeira fonte de possibilidades de existência inéditas que me podem ajudar a viver melhor.
Há dias tive de "ir fazer" mais um funeral a mais um familiar que partiu sem aviso prévio e ainda na flôr da idade. E a única coisa que lhe deixei foi, precisamente, um pequeno crucifixo que trazia na pasta do meu portátil. Um crucifixo que foi jogado pela minha mão sobre aquela cova funda que submergia aquele caixote de madeira que um dia nos encaixotarão a todos nós.
Resultado: hoje quando apanho o meu portátil só sei que a bolsa lateral está vazia. Dantes guardava um crucifixo; hoje guarda a memória de um irmão meu que partiu aos 53 anos de idade este Verão e que ainda julgo que se esconde naquela bolsa letaral da pasta que alberga o portátil. É estranho, mas é assim...
É óbvio que isto é simbólico, mas se fosse tontinho poderiaa mesmo acreditar nisso sem fazer fronteiras entre o conhecimento simbólico e o real. Mas tudo isto deceorre nestes termos porque todos temos necessidade de todas as sabedorias e de todas as suas revoltas. Temos necessidade dos crucifixos, afinal, para nos lembrarmos que o outro homem é aquilo que me falta para ser plenamente humano.
Eis o que me fazem lembrar os crucifixos: despertar da anestesia dos dogmas religiosos que cedo percebi e cedo rejeitei, designadamente proferidos por padres incultos; outros além de incultos, eram anafados e estúpidos. Para variar..
Ou ainda para ver neles a nostalgia de certos valores, de certas revoltas e revoluções que de um momento para outro se tornam vulcões em activação.
Afinal, o meu fascínio pela vida não decorre de eu só gostar de praia, de mulheres, de boa comida, de carros, de motas e de conviver com os amigos. Como fazem, aliás, a generalidade das pessoas normais. Decorre também de saber, ou tentar saber, retratar o meu próprio nascimento ou reinvenção (que é diário) em Deus (que nunca conheci e de quem nunca recebi um telefonema); e de recriar Deus em mim próprio.
Talvez na forma de Bem, de Justiça, de Beleza ou o que fôr. Ou mesmo na forma de Jesus Cristo (já sem aquela maldita cruz), pois se ele verdadeiramente existe sempre irá ficar mais satisfeito comigo.
Uma vez que acreditei n'ELE sem nunca o ter visto. Quantos gostariam de ser assim?
PS:
Por isso, temos de a judar o governo a compreender a história e dizer ao senhor que tomou a dita decisão que se sente 1º a uma secretária; tome depois um supositório; e, em 3º lugar, leia umas coisas sobre a história do mundo, da Europa e, já agora, sobre a história centenária do seu próprio país. Ou então, para obviar todos estes engulhos e vergonhas que poriam a nú toda a sua ignorância, agarre no telefone e ligue para o prof. José António Saraiva - que ele faz-lhe um breve apontamento de reportagem de duas horas e meia na TV sobre essas crenças, superspetições e outras bruxarias. Ámen.
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