O Leopardo de Mário Soares Visconti
Hoje as televisões mostram o Dr. Mário Soares com tosse convulsiva rogando às jornalistas para não lhe dirigirem questões, porque ele agora tem um porta-vox: o sr. dr. Nuno Severiano Teixeira. O mesmo que o sr. doutor Vasco Pulido Valente dizia que pelagiava as teses de história política contemporânea. Mas isso agora pouco ou nada importa. Se o porta-vox de Soares e ex-mistro da Administração Interna de Guterres dissesse o mesmo de Pulido Valente também ficava tudo na mesma. Não obstante isso, o País parece que está completamente alcoolizado com Whisky Dimple 3 murros, anestesiado, alienado. E é pena. Portugal merecia melhor. Muito melhor...
Foi nessa onda paralisante que vi, mais uma vez, a Comissão de honrra de Mário Soares tentando delinear o impossível; fazer o tempo andar para trás; gizar o improvável nesta Terra que mais parece um ninho de Cucos... interpretado por Jack Nicolson...
Mas o que na realidade esta campanha de Soares me faz lembrar - não são as vindimas - mas o argumento de Luchino Visconti que, em 1963, coloca em cena O Leopardo. Já lá vão uns anos. Foi uma película relevante, assinalou um ponto de viragem. Representou o fim do poder da nobreza e ascensão da burguesia.
Ora o dr. Soares representa uma certa forma de estar que se identifica com a nobreza; e Cavaco Silva representa a burguesia emergente, e com ele uma ampla classe média que cresceu e se generalizou ao País e se consolidou à sombra das suas políticas públicas no decurso das décadas de 80 e parte da década seguinte. Décadas que beneficiaram de uma próspera conjuntura económica enquadrada pelos Fundos estruturais vindos de Bruxelas.
Enquanto tudo isto decorria Karl Marx dormia a sesta. Engels ainda lhe dava toques no ombro e pontapés nas canelas, mas de pouco serviram. Constato, hoje, que O Leopardo de L. Visconti resiste ao tempo e mantém intacta a sua actualidade através dos desígnios extemporâneos de Mário Soares, o novel Visconti.
O filme que Soares nos quer contar já não tem como pano de fundo a história da Sicília centrada no séc. XIX, mas o primeiro quartel do séc. XXI num Portugal pobre, sem ideias, falho de progresso material e espiritual e, ainda por cima, mais parece ser servido em banda Desenhada (BD) numa tentativa infrutífera de competir com o Asterix agora relançado. O Portugal de Soares representa, em todo o seu esplendor, a falta desse sangue novo, o que faz com que seja um octogenário, paradoxalmente, a evidenciá-lo. É esta circunstância que torna a questão caricata. Mau grado a analogia, há dias cai da cadeira quando soube que o Gen. M. kadafi da Líbia passou a presidir à Comissão de Direitos Humanos da Nações Unidas... Há qualquer coisa que não vai bem neste mundo. E esse qualquer coisas é deveras grave.
Quando acontece o desembarque na Sicília e a ameaça se torna iminente, Tancredi (Alain Delon), sobrinho do príncipe, sussurra para ele a fórmula mágica: "se quisermos que tudo continue como está, é preciso que tudo mude".
Ora é isso precisamente que Cavaco Silva vai fazer quando, esta semana, no CCB - construído sob sua responsabilidade directa - anunciar ao País aquilo que todos nós já sabemos. E o que todos nós já sabemos foi o que dissemos acima: o fim da nobreza soarista em Portugal e a ascensão da burguesia representada por Cavaco Silva, o novo Príncipe de Belém. Já o estou a ver abrindo e fechando as portas do Palácio Rosa, mas antes ele tem de dar um abraço. O chamado "abraço da morte" ao velho leão da política lusa - qual leopardo já estourado, ferido e a sangrar por todos os lados.
O mais grave não é estar velho, torpe e cansado. O mais grave é ignorar tudo isso com uma estupidez natural que afronta qualquer português médio que assiste, sem querer, ao desastre que se avizinha. É que ele não se dá conta do estado em que está... O que revela que a idade também constitui um factor de alienação imperceptível. Mas há quem diga que tudo não passará de uma mera questão de nervos... Uma questão de nervos que mete Portugal pelo meio. Isso é que é grave.
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