José António Saraiva - Director do Expresso há 2 décadas
José António Saraiva foi director do jornal Expresso durante 21 anos. Duas décadas que marcaram muita gente. Tenho quase 40 anos e desde os meus 20 que leio o jornal e outras publicações do grupo. O Expresso é o maior jornal português. É o referencial, é também o jornal mais influente, o mais temido e o mais respeitado. É uma espécie de Príncipe dos jornais nacionais.
Bateu o Independente ao tempo em que Paulo Portas (que caíu em vendas após a sua saída) o dirigia e não fazia outra coisa senão cozinhar ideias e artigos para destruir o cavaquismo. E em parte conseguiu. Mas à custa de muitas indemnizações - tamanhos foram os processos resolvidos na barra do tribunal.
O Expresso vende hoje à volta de 140 mil exemplares - afastando-se dos demais competidores - Semanário, Independente e até da Visão - que integra o grupo.
O Expresso, de facto, bateu-os a todos nestes últimos 20 anos. Hoje é um sacalhão com muito papel e muitas promessas lá dentro. Tornou-se pesado.
Talvez porque passou a meter mais gente lá dentro. Ou seja, o E. já não é só o veículo para os presidentes e administradores de empresas que se reúnem aos fins-de-semana para jogar Golf em Castelo de Vide, a meio caminho de Portalegre e do excepcional Marvão - onde vemos os pássaros pelas costas. O E. passou a incluir os quadros médios e superiores das empresas e da administração púbica. Já não é só o universo social e mental de Cascais e da Quinta da Marinha que aparecem retratados no jornal - mas também o País inteiro, o Portugal profundo. Com as suas virtudes e mazelas. Nos últimos tempos, confesso, mais com estas...
Mas a grande vantagem do Expresso, em nosso entender, radicou numa vontade colectiva (antecipativa) liderada pelo Arqº José António Saraiva. Foi a capacidade de adaptação e de flexibilização do jornal, que permitiu a sua globalização feliz ao longo destes anos. De tal fora essa adpatação foi realizada que o jornal quase se confunde com a própria sociedade portuguesa. Os portugueses, especialmente, os desempregados, os gestores, os políticos, as profissões liberais, o empresariado e muitos outros - certamente - esperam pelo Sábado para poder aceder ao jornal e ler as suas novidades. É simples, mas é assim. Até um dos seus principais críticos que odeia Pinto Balsemão - pensa dessa forma, e lá vai aguardando pelo fim-de-semana para dizer mal do Expresso. Refiro-me, naturalmente, ao sr. prof. doutor Vasco Pulido Valente, eminente articulista do DN, perdão, Público. Um grande cronista, mas muito tolhido pela doença e pela sistémica vontade de dizer mal. Por vezes até dele próprio.
Foi assim o Expresso nestes últimos anos - que acompanharam a própria vida democrática da nação, as mutações sociais e económicas que se foram sucedendo no tempo e no espaço. Portugal deixou de estar centrado no Marquês de Pombal, abriu-se para o Concelho de Oeiras - onde hoje estão sediados. Mas o que conta é que o jornal também espelhou esse desenvolvimento e essas quotas de modernização social no Portugal contemporâneo. O mesmo que está hoje confrontado com os múltiplos desafios do séc. XXI.
O jornal encaminhou-se para muitos mercados ao mesmo tempo. Um pouco como as economias em ascenção que têm de aumentar as suas exportações. Tocou os neurónios das classes B e C. Na prática, já não eram apenas os intelectuais de esquerda e de direita, os políticos, os gestores, a alta administração pública e privada - que acedia ao jornal. Jovens universitários, professores, liberais, intelectuais, gente simples, cidadãos comuns que têm gosto em estar informados sobre o que se passa em Portugal e no estrangeiro - todos, inclusivé o sr. doutor. Pulido Valete - passaram a comprar o Expresso. Nem que seja para dizer mal. Também por isso ele se tornou tão pesado... E aprendeu com as críticas.
Com todos aqueles cadernos sectoriais, o E. especializou-se. Ou seja, passou a bater a todas as capelinhas, todos os sectores, todos os troncos da sociedade portuguesa passaram a ter um ponto de convergência com o Expresso dirigido pelo eficiente Arqº José António Saraiva. Foi, sem dúvida, uma estratégia inteligente. Outros também tentaram semelhante estratégia empresarial, mas não o conseguiram.
Julgo que, em parte, foi isto - que já não é pouco - que o director do E. disse à sociedade portuguesa na sua última edição do dia 15 de Out. /05., pág. 26.
Mas isto foi, apenas, uma formalidade. No fundo, um discurso de 10 minutos sintetizou mais de 20 anos de trabalho semanal, regular... Também aqui a injustiça do tempo é tremenda. Sempre me interroguei porque razão a construção de um prédio, o desenvolvimento de uma árvore, de qualquer empresa não são tão rápidos como a sua destruição, queda ou declínio desses mesmos projectos?!
Como director JAS terá, porventura, conseguido o mais difícil. Reunir num só projecto qualidades que, pela exigência, são de difícil convivência: credibilidade, seriedade, isenção. Dentro e fora de portas. Nunca se "vendendo" à Administração, ou alinhando com este ou aquele interesse ou estratégia empresarial, como ultimamente se constatou nos casos do mensalão e dos sobreiros do Ribatejo que envolveu o Grupo financeiro liderado por Ricardo Espírito Santo (BES) que, por sinal, vai hoje à televisão dizer o pensa do País.
De facto, isto é raro em Portugal. Quer se goste do director do E. ou não. É, aliás, uma excepção nos media - onde as pessoas querem subir à pressa e ter fama para, assim, se tornarem conhecidos e virem a ser presidentes de câmara, deputados, ministros e o mais. Muitos têm conseguido fazer isso através do trampolim que é a figura do comentador desportivo. Mas não é, certamente, à custa do meu voto.
Infelizmente, os media - porventura ainda mais do que na política, é uma arena onde as pessoas se traíem umas às outras à cadência da lux, e com umas meras promessas a troco de uns pratos de lentilhas. Com vista à promoção fácil e ao ganho de mais uns cobres ao fim do mês. É triste e lamentável, mas é assim. Confesso que nunca vi ou li nos textos de JAS estratégias, mesmo que ocultas, nessa direcção. O homem é sério. E mais: cultiva a seriedade, a discrição, a sobriedade. Foge dos holofotes onde a prática do teatro e da representação é a regra. E da dissimulação e da mentira também. Tudo valores, ao fim e ao cabo, que potenciam a qualidade do trabalho que sintetizou em 10 minutos reportando-se a uma viagem de 20 anos de vida. A vida do próprio Portugal contemporâneo.
Talvez por isso o Expresso também tenha granjeado o tal prestígio, a tal credibilidade junto da sociedade portuguesa. O tal referencial de isenção, de imparcialidade e de seriedade e até de estabilidade, valores cruciais se pensarmos em termos empresariais, em que a geração de activos é indispensável para a manutenção e, se possível, modernização do projecto empresarial. Foi o que sucedeu ao longo destas duas últimas décadas.
Depois, e não é de somenos importância, temos de evidenciar o papel do conjunto de grandes jornalistas que integram o grupo e ajudam a fazer a equipa de excelência que ele é hoje. Nicolau Santos, Cândida Pinto, José A. Lima, Fernando Madrinha, e muitos outros profissionais menos conhecidos - mas igualmente dedicados e com grande qualidade técnica, cultural e humana. A SIC Notícias (do grupo) - que é o melhor projecto informativo televisivo actualmente em Portugal, também deu uma ajudinha. A estação de dirigida por Ricardo Costa tem sido um plus no reforço daquela credibilidade do Expresso.
Para se ter uma dimensão real do que isto custa a fazer, só há uma maneira de o verificar: experimentem lá em casa fazer a experiência. E ao fim de 20 anos tragam-nos os resultados...
Por último, devemos sublinhar que o director em apreço, o Arqº José António Saraiva é também um grande escritor com obra publicada e reconhecida. Teve uma boa escola, ou seja, o senhor seu Pai foi quem foi no mundo da Cultura e das Letras em Portugal. António José Saraiva e Óscar Lopes foram, de facto, duas das principais referências culturais do Portugal contemporâneo. Dispensa apresentações. Foi um grande homem de cultura. Um grande português. Já aqui lhe dedicámos um blog. Todo este caldo e factores culturais e sociais, combinadamente, ajudaram, certamente, a "fazer" o Homem. O Homem do Expresso que agora deixa o projecto. Mas o legado dele ficará por lá, alimentando as análises, a inspiração de toda a equipa e o carácter depurado, analítico, lógico, altamente cartesiano que imprimiu à sua coluna. Com aquele número de caractéres é, confesso, Obra. Melhor era impossível.
O futuro é, como sabemos, sempre incerto. O passado é sempre mais seguro. Seja como fôr, e na parte que me toca, os meus últimos 20 anos foram influenciados pela existência deste projecto editorial em Portugal. Uma influência que cresceu comigo e influenciou a minha cosmovisão.
Por isso, devemos estar gratos ao director cessante daquela publicação de referência em Portugal. Por isso também devemos prestar público reconhecimento dessa influência intectual e jornalística. Acredito que outros o façam. Assim como sei que é difícil manter as coisas boas sempre por muito mais tempo.
Mas esse é, doravante, o grande desafio que a nova equipa terá entremãos. Mãos com futuro!?
Nota: tenho para mim uma explicação comezinha que fundamenta o sucesso reiterado do Expresso. Ou melhor, o sucesso do seu director, José António Saraiva - ficou a dever-se, quase em exclusivo, a uma grande razão, - que se destaca de entre as demais. O arqº José A. Saraiva tinha sempre a mão livre para corrigir o seu texto. Em Lisboa ou no Alentejo para onde ia passear e descansar. Fruindo o tempo. Amadurecendo as reflexões e aquilatando a densidade dos problemas. Daí decorriam uma maior simplicidade, clareza e sobriedade das análises. Era tudo isso que o homem-médio e superior queria (e quer) quando compra o saco do Expresso. Uma receita que lhe explicasse, num ápice, o problema da semana. Um problema da semana que ficasse reduzido a uma fórmula bem esgalhada. Em rigor, o que os leitores do Expresso queriam era uma compreensão de um problema bem arquitectado. E com essa construção teórica assimilada cada um dos milhares de leitores do Expresso acabava por fazer um brilharete no seu ambiente social sábados fora por esse Portugal meio urbano meio provinciano. José A. saraiva sempre fora concreto, jogava bem com o contraditório, tinha cuidado com os adjectivos automáticos. Era assim, a meu ver, que o director-cessante do Expresso dizia as coisas da nossa polis: desmontava a complexidade das coisas e dos materiais sociais e políticos servindo-as depois com muita simplicidade. E as pessoas, quaisquer que elas fossem, entendiam rápidamente essa receita, tal era a lógica. Foi assim que me habituei a ver o arqº José António Saraiva: um redutor de complexidades. Não sei se lera Manuel Bernardes, mas com o Pai que tinha, talvez o tivesse lido. A simplicidade não é, de facto, fácil de atingir. É preciso partir muita pedra para chegar lá. É tão simples e, ao mesmo tempo, tão difícil. Daí a extrema relevância daquilo que o arqº José A. Saraiva escrevia todas as semanas, durante meses, anos, décadas. Furando o tempo - sempre com sucesso e nunca deixando folgas que outros poderiam aproveitar. Com esse exercício de análise, e é justo que se diga, sobretudo agora que o director-cessante está de partida, ensinara também milhares de portugueses a manusear melhor a língua portuguesa. Ajudando-nos a todos a poupar tempo e espaço quanto ao que, a cada momento, pretendemos dizer uns aos outros neste tempo que passa. De tudo resulta uma síntese: a vocação, o ambiente familiar e cultural, as peripécias da vida e a ultrapasagem dos problemas, tudo isso deverá ter pesado na excelência do trabalho final reconhecido por todos. Estou certo que os caminhos do futuro terão em conta essa dialéctica, essa economia de tempo e de espaço, esse contraditório, esse movimento antecipativo da realidade que permitiu sempre a modernização e o desenvolvimento, cujo balanço e dinâmica não se perderão no calão do concreto. Um calão que, nós últimos anos, os nossos políticos e as nossas elites têm, lamentavelmente, dado abundantes provas. Quem disse que conhecer a História da Literatura de cor e salteado não ajuda a fazer um bom "Camilo", mesmo que "perdido" na redação de um jornal?
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