O conflito na "troika" de gerações e a trajectória da globalização (in)feliz
Um dos problemas do nosso tempo é explicar aos nossos filhos e netos, para aqueles que os podem ter, como é que a geração de 30 (do séc. XX) e as gerações de 40 e 70 – conseguem comunicar entre si.
Isto surge a propósito da crise social e democrática do Estado – que tem de recorrer a mecanismos de alcance comunitário para responder a esses desafios de paralisia estrutural das nossas sociedades.
Todavia, esta questão, acentuada com o período eleitoral, não decorre só da existência dum Estado patrimonialista e do défice demográfico a par das insuficiências das reservas financeiras do País. A clivagem resulta da necessidade – sentida pelos dois principais partidos políticos do arco da governação – PSD e PS – em capturarem maiorias democráticas para chegar ao poder. Mas para atingirem esse magno objectivo, para alguns é mesmo uma obsessão como se se tratasse de um concurso de celebridades, povoado por tios e tias que enfastiam o país com uma mão cheia de nada – prometem ananases na Lua e tomates na Terra. Fazendo a quadratura do círculo, formando um feixe de interesses (pretensamente) maioritário que está profundamente dependente da continuidade desse sistema de interesses instalados – para que todos – os mesmos de sempre – continuem a usufruir dos empregos, privilégios e conexos que as funções públicas garantem.
Hoje, julgo que foram os nossos avós da geração de 20/30 do séc. XX - os maiores beneficiários da globalização, apesar do risco da guerra e de não existir Internet nem telemóveis nem hipermercados. Era gente que conquistava direitos sociais à força e pugnava por programas de crescimento, que a própria guerra parecia fomentar. Hoje, as guerras do Iraque só dão prejuízo e não acalenta a esperança de quem as trava. Dantes, ia-se para a guerra (compulsivamente) e respondendo a uma ordem de António Oliveira Salazar - em busca duma reforma melhor e do reconhecimento pátrio. Era a conquista da glória em prol dum império que já não há. Hoje, regressa-se de lá sem a reforma, sem a glória e sem uma perna. É muita desilusão ao mesmo tempo.
A geração seguinte nascida nas décadas de 40/50 – a dos meus pais – já cresceu com expectativas sociais viradas para a protecção social por recurso à neutralização do risco, apesar dos comportamentos defensivos de muitos deles que se endividavam, mesmo desconhecendo a valia da cartilha de J. M. Keynes - que funcionou só até à década de 70 – coincidente com o termo da guerra do Vietnam – que foi a primeira guerra televisionada em directo para todo o mundo. Neste caso, nem glória, nem reforma, nem pernas, nem vida. Apenas um estilhaço embrulhado num caixão recebido pelas famílias. Portugal, também conheceu esse processo em nome do império de Timor ao Minho pilotada por alguns restolhos que fizeram uma transição suave da ditadura para a democracia, e olham hoje para as pessoas como se elas fossem formigas.
A minha geração (que não mandou matar ninguém - branco ou preto) – nascida na década de 60/70 – apesar de não ser uma geração ressentida, só viveu as guerras do século XX pela TV, é, hoje, obrigada, a assumir várias desilusões: não há empregos para gente licenciada, nem protecção social garantida para a eternidade. Sem estes mapas dificilmente se consegue fazer a viagem, que já não é ideológica.
Tudo isto vem a propósito do facto de não haver comunicação possível entre aquelas três gerações – avós, pais e filhos. Amam-se pelo sangue, mas não se falam. Foi essa troika de gerações que cruzou um século de história, e, hoje, encontram, sentados no seu sofá, o Portugal “SS” – de Santana e Sócrates. Os homens do videopower que falam, falam, falam mas não os vejo fazer nada...
De facto, são estes 3 grupos eleitorais que não se entendem entre si, porque os seus interesses são verdadeiramente antagónicos em matéria de segurança e protecção social que o Estado, de per se, já não consegue manter.
Em rigor, é a gente feliz com lágrimas da geração de 60/70 – por sinal os mais preparados intelectualmente, que hoje representa o quadro emergente de opções políticas. Só que há um problema com esta gente: não têm suficiente dimensão numérica e sócio-eleitoral para influenciar e fixar o núcleo da decisão política – que está hoje em recomposição em Portugal.
Ao invés, são os avós e os pais – destes filhos – que têm esse peso politico-eleitoral. É essa massa de pessoas que hoje se passeia nos hipermercados a comprar cenouras e batatas espamholas em virtude da globalização hortícula. É por isso que a avaliação do presente em matéria de segurança social em Portugal, não augura nada de bom para o futuro. Talvez por isso os nossos avos possam, com carinho, ser apelidados de “mimados” da globalização; os nossos pais os “afilhados” dela; e nós, os trunfos da década de 70, que navegamos na net e falamos ao telemóvel, e pensamos que o virtual é que é o real, não passamos dos “órfãos” da globalização competitiva – por uns apelidados de ressentidos, por outros vistos como os verdadeiros heróis do nosso tempo.
Pois são eles que pugnam pela regulação personalista dos mercados, pela reforma das três instituições gémeas da ONU que tem cavado o fosse entre os homens (FMI, OMC, BM) e que tanta desgraça têm causado ao mundo e que o economista (politólogo) J. Stiglitz - magistralmente sistematizou na sua Grande Desilusão.
Hoje, quando vejo os nossos políticos a encenar peças de teatro na TV – autores dos choques – “tecnológico” e de “gestão” -(desconhecendo ambos que as coisas necessariamente se complementa), só penso no azar dos Távoras que assaltou o País. Tanto como o daqueles pobres que passam a vida a olhar para os céus à espera que chova sopa. E por vezes chove, só que aí só têm garfos nas mãos…
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