Homo Videns e o circo da política...
De Giovanni Sartori é uma reflexão fecunda. Vale mais do que qualquer número de circo transferido para a arena política agora na versão luso-eleitoral – com todo o respeito para o maior espectáculo do mundo, que sempre me impressionou. Andar com os leões, os elefantes, os hipopótamos, os tigres, os rinocerontes, os burros e uma tenda gigante e inúmeros fardos de palha e centenas de kilos de carne para alimentar exigentes carnívoros - sempre às costas, é duma abnegação de louvar. Mais do que a vida dos ciganos, os homens do circo (verdadeiro) é um exemplo de coragem e determinação que aqui homenageio.
Mas voltemos a Sartori para despistar os falsos actores de circo que povoam a nosso mercado político, prometendo o que sabem jamais poder cumprir só para se manterem no poder, num jogo de toca e foge, cenoura e chicote típico destes momentos pré-orgásticos das campanhas eleitorais. Será que o português médio ao ver aqueles actores falando, tirando e pondo os óculos, e apontando com o dedo em riste para o horizonte, mostrando que se é iluminado e tem o céu no bolso, - acredita mesmo naquelas promessas do videover? Será que ele fixa a palavra ou a imagem do texto visualizado? Será mesmo que esta coisa do telever nos altera a natureza? Fazendo do auditório espectadores passivos que olham mas nada compreendem. Julgo que prevalece a imagem em detrimento do inteligível. A forma em prejuízo da essência.
Ora isto é grave porque nos confronta com a necessidade vital de despistar os bons dos maus actores, os protagonistas dos figurantes. E aqui estamos na arena da videopolítica, i.é, do poder político em contexto de televisão. Pois é aí que os processos de formação da opinião têm lugar. Sem esta preparação prévia, os portugueses comem gato por lebre, e são permeáveis ao que passa nos canais de comunicação, sobretudo em período eleitoral. Ora é contra esta sedução, feita de múltiplas e cirúrgicas ilusões, vendidas por assessores de imagem (com frequência universitária, e outros com o 12º inacabado) a PM em fim de carreira, que o imprudente luso tem de precaver-se. Na prática, o português avisado terá de saber uma coisa: a informação, em lugar de transformar a massa em energia, produz ainda mais massa. Massa para os nossos olhos, ruído para os nossos ouvidos...
Com esta preparação, e avisado deste perigo, os portugueses passam só a comprar aquilo que escolhem, e não o que lhes impingem as imagens cenarizadas por figurantes de máscara. Com os filtros activos e um sistema de alerta funcional, os portugueses compreendem melhor onde está a realidade e onde está a ilusão, agora em versão mais do mesmo. Tirando e pondo os óculos e esfregando as mãos sapudas como um bom padre de província que tenta aprender os mistérios da Internet com o ícone de Deus à cabeceira.
Em suma: somos animais simbólicos, precisamos da linguagem como de pão e de oxigénio. E já não temos tanta paciência para aturar agentes políticos retardados que pedem sempre: só mais uma vez pfv. E para fazer o quê? O velho número de circo que já conseguimos descodificar: tira óculo, mete óculo, seguido do dedo em riste e etc e tal.. Não pode ser, os portugueses merecem melhor, muito melhor. Merecem boas estradas, menos impostos, melhor educação, menos barracas na praça pública, menos invejas entre ministros importados da "construção civil" e o mais. Já agora, o futuro ministro(a) da educação deveria saber falar o português, mesmo que nos continuasse a ofender torpemente como fez uma tal “Se-á-brá” que embrulhou jornalistas e enxovalhou o Parlamento… E a senhora democracia, como é laxista, tolera, tolera, até que...
Depois de vermos como a televisão modifica a nossa natureza, a comunicação e o contexto da imagem, pensemos agora como evitar que Portugal deslize de um burgo periférico para uma margem ultra-periférica. Ou seja, evite passar de Sacavém para Camarate. Se não evitarmos este deslize acabaremos buçais como o Alberto do Jardim das flores - já sem cor nem cheiro. E isso, certamente, ninguém quer. Todos podemos ser pobres mas ninguém, hoje, quer parecer buçal nesta sociedade da imagem e do espectáculo. E para não o sermos temos de fazer uma pequena incursão à teoria política da globalização competitiva (GC) para compreender a dialéctica de processos em que estamos metidos. Hoje, a dinâmica local ou regional é determinada pela intensidade dos factores de GC. E estes são tanto mais aceites e integrados pelas populações quanto maior for a sua capacidade de adaptação à envolvente.
Aqueles agentes políticos que responderem mais eficientemente a este desiderato de adaptabilidade e de governabilidade (a médio e longo prazos) são os mais qualificados para assumirem responsabilidades. Assim, aquilo que deve ajudar os portugueses a escolher os próximos governantes deve apoiar-se na teoria da GC. É através dela que conseguimos descobrir aqueles que evidenciam uma maior capacidade de aproveitar as oportunidades e eliminar os constrangimentos e, ao mesmo tempo, promover respostas eficazes à desestruturação da nossa economia, hoje cada vez mais débil e em franca divergência com o núcleo político dos países da União Europeia, que com a adesão aos novos 10 Estados-membros viu deslocado o seu centro de gravidade para leste.
Observada esta perspectiva, cabe-nos ver quem melhor consegue evitar os impactos negativos da globalização económica que entra todos os dias em Portugal e quem, por outro lado, melhor consegue potenciar o conjunto das vantagens e dos projectos que servem ao progresso e desenvolvimento sustentável do País.
Quem está, de facto, em melhor posição para atrair investimento infra-estrutural para o Portugal? E quem pode gerar mais emprego qualificado e durável? Quem pode ajudar o Estado a reencontra-se com a história e devolver-lhe, de novo, uma função regulatória na vida económica, protegendo os mais vulneráveis contra as forças cegas e os desmandos do turbocapitalismo, de que falava Edward Luttwak?
Quem pode, por seu turno, ajudar a criar um clima de competição cooperativa no empresariado – que está a braços com um tecido económico e social muito fragmentado e pouco qualificado no plano da gestão? Quem tem, afinal, o modelo político mais competitivo que possa coordenar todas estas necessidades ao mesmo tempo em prol da comunidade - harmonizando as exigências da economia global com os direitos sociais e a cidadania?
Quem conseguir livrar Portugal dos contínuos efeitos da globalização negativa é quem poderá, a curto e médio prazos, motivar a sociedade portuguesa para os desafios do futuro. Desta vez sem números de circo, para não ofender os leões, os hipopótamos, os elefantes, os tigres e, também, os burros – que são sempre os mais económicos porque andam a palha…
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