Capitalismo sem emprego e gente feliz com lágrimas
GENTE FELIZ COM LÁGRIMAS -
Podia ser o tema duma conferência que encima as Jornadas levadas a cabo pela FUNDAÇÃO Ajuda à Igreja que Sofre - na Torre do Tombo dias 25 e 26 de Janeiro. Formalmente, o objectivo desse encontro é reflectir sobre como competir sem deixar de cooperar em busca duma sociedade mais justa que garanta emprego para todos.
Diria que é uma sequela da Revolução Francesa que aflui à Torre do Tombo – agora na modalidade de (des)igualdade cujo fosso se agrava entre os homens no quadro das mutações económicas, sociais e culturais da globalização competitiva.
O que está em jogo em Portugal, como na generalidade das sociedades europeias, é determinar adequadas políticas sociais e integrá-las no maior número possível de segmentos da população. Portugal, pela sua especial vulnerabilidade, apresenta uma trama de relações sociais problemática, muito exposta às pressões que irrompem do exterior que nos faz divergir dos pólos de modernidade e desenvolvimento, em lugar de convergirmos. Ora é essa tensão e contradição, feita de choques (“tecnológico e de gestão”) e de assimetrias, desigualdades e resistências, que iremos equacionar procurando, ao mesmo tempo, identificar os contornos da globalização feliz (GF) nesta transição de paradigma.
Isto implica, naturalmente, por evitar que estratégias de modernização nos passem ao lado, ou que se desloquem para o leste europeu, agora integrado no bloco geoeconómico mais dinâmico do mundo que é, supostamente, a União Europeia.
No fundo, são as desigualdades que dinamizam as possibilidades. Umas e outras geram um quadro de necessidade que o País tem de equacionar e concretizar. E hoje, mais do que nunca, cabe à teoria social e política reflectir sobre essa nova condição da modernidade das sociedades contemporâneas que, na viragem do milénio, assumem a noção do risco como algo indispensável para a construção dos parâmetros estruturais que irão definir as funções económicas e sociais do Estado em contexto de GC. Não podemos omitir que este processo de modernização social, que é múltiplo, implica a intensidade de diferentes riscos sociais – de que o desemprego é, talvez, o mais preocupante e dramático – gerando bloqueios nos planos individual e colectivo, que atravessam o país na sua própria identidade, nacional e supranacional.
Este bloqueio é tanto mais grave porque agora os riscos são globais, impessoais e escapam à percepção humana e ao próprio poder regulatório do velho Estado nacional, que parece ser outra vítima deste processo. O resultado é que todos ficamos cegos ante a ausência de conhecimento prospectivo e de fundamentos científicos que dinamizam esses riscos (humanos e naturais) – para antecipar as consequências nefastas dessa sociedade da catástrofe em curso.
O quadro de mentalidades não ajuda; o nível das elites políticas também não e o projecto político europeu ressente-se dessa insuficiência que acaba, perversamente, por dinamizar as crises múltiplas que nos tolhem ainda mais.
Em síntese: estas Jornadas poderão servir para algo. E uma das primeiras percepções é a de que as nossas sociedades, lidas à luz deste paradigma da GC, são sociedades globalizadas, onde a distribuição dos riscos crescem de forma (não aritmética) mas geométrica enfraquecendo, assim, as fronteiras e os limites de regulação social e política que confronta o Estado.
É no âmbito desses constrangimentos que se abrem cenários para equacionar os riscos, as ameaças e as oportunidades deste novo tempo de contingência e de antagonismo social, que consome as nossas jovens gerações e hipoteca o futuro e a esperança que nele se possa ter. O que não deixa de ser um paradoxo, já que à medida que cresce os conhecimentos da ciência e da técnica, era suposto que os seus agentes e instituições– e a humanidade em geral – não ficassem tão dependentes dessa ansiedade colocada pelas perspectivas (negras) do futuro. Designadamente, em matéria de emprego, direitos sociais e cidadania. O que origina, por seu turno, um risco social latente que exige novas formas de solidariedade e de competição cooperativa que coloquem o homem, de novo, no centro do mundo.
Obrigando a uma alteração de mentalidades de molde a substituir a protecção, a segurança e a distribuição dos bens e serviços proporcionados pelo Estado, por uma outra orientação estratégica e atitude comportamental que assuma o risco, a competição, a capitalização e a dominação – agora integrados num contexto de governabilidade e de sustentabilidade nacional e europeia para responder aos desafios na escala mundial.
O que só se consegue se no interior da nossa sociedade os agentes políticos, o empresariado, as organizações da sociedade civil e os cidadãos individualmente conseguirem gerar uma configuração política que integre as actividades económicas, sociais e políticas num regime de interactividade positiva nas várias instâncias do poder.
Sem integrarmos positivamente estas conexões dificilmente daremos a Portugal e aos portugueses condições e oportunidades económicas, liberdades políticas, serviços sociais e garantias de transparência e equidade na relação com as várias instituições do Estado, do mercado e da sociedade civil e política de que os media e o sistema de justiça são peças chave.
O objectivo estratégico é remover aqueles obstáculos ao desenvolvimento e converter a globalização económica em globalização social. Expandindo os direitos sociais e a liberdade entre os homens. Quando isso acontecer, se acontecer, talvez possamos dizer que atingimos a globalização feliz. Mas para que isso aconteça o enorme rochedo que Sísifo é obrigado a transportar para o topo da montanha, tem de se manter lá. Senão somos novamente esmagados pelo peso das circunstâncias.
O homem, como diria um velho mestre e amigo, Agostinho da Silva, não foi feito para trabalhar, mas para criar - trabalhando. A sua posição (erecta) deve ser como a do nosso amigo ali de cima, gémeo do amigo aqui debaixo: estar sempre acima do mundo (como a águia), para ver melhor o horizonte e o zenite. Assim, dificilmente somos "caçados" pela globalização predatória geradora das ditas circuntâncias...
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