Umberto Eco: "No momento em que todos têm direito à palavra na internet, temo-la dada aos idiotas"
Nota prévia: Sempre que vejo uma referência a Umberto Eco, seguramente um dos maiores filósofos (e estetas) contemporâneos (e com uma variedade de interesses alargada), lembro-me sempre daquele sujeito que conduzia o seu carro pelas ruas de Lisboa à procura de acidentes de viação. Quando via um parava e deslocava-se ao local para ver o sangue e os contornos do acidente. Isso alimentava-lhe o ego e dava-lhe pasto para o dia. Fazia isso sistematicamente. Mais do que um vício, era um gosto, um capricho e depois tornou-se num vício, além do futebol e dos jogos na consola dos então velhinhos computadores amstrads. Esta atracção pelo abismo de nós próprios - desviando-nos o olhar e a reflexão pelos aspectos verdadeiramente importantes e essenciais à vida - é que faz de muitos de nós autênticos idiotas. E esses idiotas estão hoje bem patentes nas redes sociais, na blogosfera e, naturalmente, também fora dela, que é onde começa sempre o "crime" da futilidade, da insustentável leveza dos pensamentos, das preocupações e de grande parte daquilo que as pessoas hoje pensam, dizem e escrevem. As pessoas hoje pouco mais fazem do que mostrar-se, pavonear-se nas imagens que delas fazem, mas a esse excesso de narcisismo corresponde, naturalmente, um brutal défice de formação cultural, histórica, social, económica, estética e o mais que, aliás, espelha aquilo que também alimenta os new media. As pessoas não gostam de assumir isto porque tal implica assumir a sua própria fealdade, mas, infelizmente, Eco tem razão. E só por isso vale bem uma missa de Domingo, ou duas... Mais importante do que a Grécia antiga é, para alguns, muitos infelizmente, as selfies que as pessoas tiram de si mesmas. Mesmo que desconheçam boa parte da geografia e da história e cultura que os embrulha na sua própria futilidade.
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Umberto Eco: "No momento em que todos têm direito à palavra na internet, temo-la dada aos idiotas"
Umberto Eco na sua casa em MilãoFotografia © João Céu e Silva
O escritor Umberto Eco está a lançar o seu mais recente livro: 'Número Zero'. Uma crítica violenta ao esquecimento das pessoas e ao mau jornalismo no que respeita à corrupção política e social. No romance conta a história de um jornal que servirá para pressionar, usando escândalos.
A teoria da conspiração é o prato forte do novo romance de Umberto Eco. Passa-se em 1992 para que a Internet e Berlusconi não viessem piorar o cenário em que uma redação falsa se prepara para lançar um jornal também falso. O escritor gosta do que é falso, até diz que sempre foi fascinado por isso, mas está irritado com a desatenção que os cidadãos prestam aos escândalos políticos, económicos e sociais.
Diz que a escrita deste romance o reconciliou com MIlão, onde vive há 30 anos.
Na entrevista que deu ao DN garante que tudo o que conta, salvo a fantasia sobre o corpo de Mussolini, é verdadeiro, teve processos judiciais e já foi publicado: "O pior do que conto no meu romance não é o que se fez de terrível, mas que as pessoas se estejam nas tintas para todos esses acontecimentos. Vejo que tudo entra por uma orelha e sai pela outra das pessoas, como se as coisas terríveis que se passaram há 50 anos não preocupem ninguém e sejam aceites tranquilamente. Acho que ninguém me quer silenciar pois não sou Roberto Saviano, que conta segredos da mafia atuais. Eu conto coisas sobre as quais até a BBC já fez um documentário."
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Etiquetas: Crítica à cultura contemporânea, Estética, Filosofia, Futilidade nas redes sociais, o Idiota internético, Umberto Eco
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