domingo

Notas acerca da Queda do Muro de Berlim e da História a fazer




É urgente (re)ler alguns pensadores e filósofos contemporâneos para enquadrar fenómenos como a queda do Muro de Berlim, em 1989, cujo desfecho nunca fora antecipado com precisão nessa trajectória caótica da história, em que se jogam as variáveis da memória, da acção, do esquecimento, da criação de significados e da própria ilusão que temos acerca do nosso mundo. 

Ainda que desejada, por força da LIBERDADE que se procurava resgatar, a história que levou à queda do Muro sempre foi ilusória, não linear e contingente. A essa luz, as teorias de Descartes, Hegel ou Marx não colhiam no chão da história - cujo desfecho ninguém antecipou. Mesmo sabendo da ruína do socialismo (ideal) e das ditaduras patentes das chamadas "democracias populares" que serviam Moscovo e satelitizavam todo o centro e leste europeu, depois reforçada com a doutrina da soberania limitada, imposta por Leonid Brejnev. 

Sucede que com a queda do muro de Berlim deu-se o fim simbólico da história, enquanto ciência social que "arrumava" com disciplina e preceito o tempo, as causalidades e a forma como as correntes de pensamento influenciavam a própria dinâmica histórica, na linha do Positivismo, do Marxismo e dos avanços teóricos depois reforçados com a chamada Escola de Frankfurt e a Escola dos Annales. 

A queda do muro sublinhou um outro aspecto que merece realce: deixou de haver certezas em todos os processos e dinâmicas históricas, o termo da utopia acompanhava agora a falência do socialismo e do comunismo, que só generalizou a fome e a miséria ao espaço geopolítico sob influência estratégica de Moscovo. Pelo que a queda do muro de Berlim representou também a impossibilidade de um devir assente nas regras do passado. De 1989 em diante a história passou a conhecer uma dinâmica nova, com novas regras de causalidade sociopolitica, mais contingente e descontínua. Por isso também mais perigosa. 

Daí resultou um mundo mais fragmentário, mais partido, que deixou de obedecer ao bipolarismo até então reinante, patente no velho mundo da Guerra Fria e na lógica programada que lhe assistia: a do duopólio nuclear eficientemente explicitada em Paz e guerra entre as nações, a obra da conjuntura de Raymond Aron. O mundo passou a ter não apenas uma biografia, um trajecto, um sentido, mas várias biografias simultaneamente, passou a trilhar múltiplas caminhos que, naturalmente, deixaram de se subordinar ao velho esquema mental da Guerra Fria para se reger por um emergente processo catastrófico e altamente aleatório, o qual passou a encontrar refúgio num pensamento paradoxal. 

Desde então, a Guerra Fria dissipou-se, mas a perigosidade do mundo contemporâneo nem por isso ficou aplacada, antes pelo contrário. A tendência geral, pelo terrorismo globalitário que irrompeu em força com o ataque às Torres Gémeas de NY na dobra do milénio, até lá o mundo passou a sofrer de outros delírios potenciados pelos extremos do capitalismo financeiro, pela incerteza do crédito, do dinheiro caro e de um conjunto de condições e de restrições que limitaram sobremaneira o funcionamento normal das sociedades contemporâneas. 

O mundo passou assim a ser empurrado em diferentes direcções, por vezes contraditórias, e foi esse novo ambiente que permitiu a ascensão do capitalismo financeiro e a incerteza especulativa, a qual permitia a uns, poucos, fazer ganhar rios de dinheiro, e a outros, muitos, perder todo o dinheiro que tinham mais a sua dignidade. De um lado, especuladores e fundos de pensões, do outro, Estados nacionais - cada vez menos soberanos - e a contas com as famosas agências de rating - que não eram senão partes economicamente interessadas em negócios, que exauriam ainda mais os recursos públicos (e privados) dos povos. 

São os mesmos que hoje se encontram esbulhados e confiscados nos seus bens e salários por um Governo cegamente obediente à Alemanha de Merkel, e nisso tem residido o pecado capital do alegado primeiro ministro português. O qual ainda pensa, por puro capricho e teimosia, que o efeito multiplicador da economia portuguesa se rege pela austeridade abusiva de que tem sido o principal estertor no Sul da Europa. 

Ora, foi a queda do muro de Berlim que permitiu por toda essa nova condição política global a descoberto, a deslindar um novo jogo de identidades entre os Estados, as nações, os povos e as sociedades - no concerto global da sociedade internacional. 

Merkel, sendo originária da ex-RDA, formada por Erich Honecker e Brejnev, sabe que não pode tolerar o que esse seu velho sistema de totalitarismos provocou ao mundo, mas, por outro lado, revela-se incapaz de reconhecer o mal que faz ao impor condições de "austeridade" abusivas aos países do Sul da Europa - porque os acha preguiçosos, improdutivos e gastadores e "vivendo acima das suas possibilidades", curiosamente o mesmo tipo de discurso e o mesmo sistema intelectual de justificação utilizado pelo corrupto Ricardo Salgado/GES/BES - que minou o regime político em Portugal nas últimas décadas.. 

Enquanto a Europa não acertar o passo no diagnóstico que a minou por dentro, e a fuga aos impostos às empresas multinacionais proporcionada por 10 anos de governação de Jean-Claude Juncker, no Luxembourg, é o exemplo ilustrado de que as cabeças da serpente, minadas pelo sistema financeiro que manda na política, corroboram. 

Esta mega-fraude pode ser a plataforma com base na qual a biografia da nova identidade europeia se fixará, pois é a partir da sua gravidade - para todos os Estados e povos da Europa - que poderemos capturar as intenções dos vários actores políticos a partir dos diferentes ângulos com que podem ser analisados as suas acções - tendo como ponto de partida aquela fraude e evasão fiscal em larga escala. 

Esse outro muro, o da evasão e crimes fiscais que tem lesado a Europa, em particular os países mais pequenos, periféricos e frágeis do sul - irá permitir registar a firmeza pela legalidade e apuramento de responsabilidades desse processo, ou, de modo contrário, registar uma tentativa de apagamento de culpas reconhecendo em todo esse processo um esquema económico supletivo para atrair Investimento Directo Estrangeiro para toda a Europa, o qual acabou por beneficiar todos os povos, incluindo os do sul. Poderá ser este o expediente de justificação de Juncker para sobreviver politicamente...

Neste domínio concreto, será interessante notar as reacções da srª Merkel aos desenvolvimentos desse mega-crime fiscal praticado sob ao alto patrocínio do actual presidente da CE, o sr. Juncker, e ver qual será a justificação que a chanceler atribui aos factos revelados oportunamente pelo Consorcio Internacional de Jornalistas de Investigação.

Entre o jogo das identidades, do passado e do futuro neste presente, da memória da velhinha RDA - que se reunificou na grande Alemanha (hoje hegemónica, a ponto de nem respeitar os limites de exportação a que está obrigada pelos tratados), será do maior interesse aferir o modo como alguns players maiores desta Europa fragmentária irão jogar a sua decisão. 

Será no registo detalhado dessas intencionalidades que estaremos em condições de reconhecer que novos muros estão em gestação, os quais tanto podem servir para reconstruir a Europa, em bases mais solidaristas e apoiadas pelos ideais matriciais dos seus fundadores (Schuman, Monnet, De Gasperi, Adenauer e também Delors); ou para escavacar com o que resta dela, ainda que se saiba que a Alemanha não pode vender mais bens e serviços a si própria (sob pena de implodir), ela precisa dos outros para continuar a enriquecer. 

E isso não se faz erguendo muros, ao estilo bélico do passado, que se fundamentariam numa Europa a caminho da guerra - por causa da crise económica e financeira; nem dissimulando os novos muros, como a mega-fraude fiscal apadrinhada pelo sr. Juncker (com empresas alemãs lá dentro, como o Deutschbank) - que lesou a Europa no seu conjunto - e da qual se espera uma palavrinha à altura da srª Merkel. 

Veremos, doravante, quem está à altura das circunstâncias e dos desafios extraordinários que a Europa tem pela frente!!!

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