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Eurodeputados querem que Juncker explique se ajudou empresas a fugir aos impostos

Eurodeputados querem que Juncker explique se ajudou empresas a fugir aos impostos



Durante muitos anos, o Luxemburgo, governado por Jean-Claude Juncker, abriu as portas às grandes multinacionais, como a Pepsi, a Ikea, a Fiat ou a Amazon, entre outras, para que aliviassem a carga fiscal que teriam de pagar nos seus países, aproveitando-se da legislação generosa do Grão-Ducado. Agora, na semana em que assumiu a presidência da Comissão Europeia, Juncker está a ser convocado por vários grupos parlamentares para ir prestar esclarecimentos no Parlamento Europeu (PE) sobre estes negócios.
O “planeamento fiscal” oferecido por bancos e consultoras financeiras aos seus clientes com toda a normalidade, não é tecnicamente um crime, como a evasão fiscal. Por isso Jean-Claude Juncker, que foi primeiro-ministro do Luxemburgo entre 1995 e 2013, e antes disso ministro das Finanças, poderá até dizer-se de consciência tranquila quando for ao PE.
Mas fica em causa a sua independência para liderar o inquérito aberto no ano passado pela Comissão Europeia sobre os modelos que vários Estados europeus – como a Holanda, a Irlanda, Malta, Chipre e o Reino Unido – oferecem a grandes empresas para possibilitar a elisão fiscal.
O que está em causa não é a fuga aos impostos, a evasão fiscal, que passa pela ocultação de informações, falsas declarações. A elisão fiscal é um abuso dos métodos legais para diminuir a carga tributária sobre as empresas. Por exemplo, abrindo uma sucursal de uma empresa no Luxemburgo, que faz um empréstimo oneroso à casa-mãe, o que permite reduzir em muito os impostos a pagar pela companhia original. Várias empresas, como a gigante de electricidade E.ON., aproveitaram-se das condições fiscais genrosas do Luxemburgo e de outros países da União Europeia, como a Irlanda, beneficiando duplamente destes paraísos fiscais dentro da UE.
Uma fuga de informação de quase 28 mil páginas de documentos confidenciais (apelidada LuxLeaks)tratada pelo Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (ver http://www.icij.org/) deu origem a artigos em jornais de vários países, publicados na quinta-feira. Revelam que o Luxemburgo assinou, entre 2002 e 2010, pactos secretos com 340 multinacionais, que lhes permitiam pagar apenas 2% de imposto comercial, em vez dos 28,6% que oficialmente teriam de pagar no Luxemburgo.
Estes acordos (tax rulings) foram assinados enquanto Juncker era primeiro-ministro – aliás, foi ele que transformou o Luxemburgo numa grande praça financeira: 40% do Produto Interno Bruto depende dos serviços financeiros.
Segredo de Polichinelo
A legislação do Grão-Ducado não o torna um pária por ter permitido estes negócios com as maiores empresas do mundo – não se pode dizer que estas revelações sejam uma enorme surpresa. “Era um segredo de Polichinelo que o Luxemburgo é um paraíso fiscal, mas o país tinha conseguido escapar ao radar, em parte porque os seus responsáveis políticos e os seus banqueiros o negavam”, afirmou à AFP Ronen Palan, professor de Política Internacional na City University de Londres. Por exemplo, Jean-Claude Juncker conseguiu que uma jornalista francesa se retractasse, há alguns anos, de ter usado a expressão “paraíso fiscal”, numa reportagem sobre o seu país.

Na quinta-feira, Juncker manteve a cabeça baixa – não compareceu a uma evento promovido em Bruxelas, com a desculpa de que Jacques Delors, um anterior presidente da Comissão, que deveria estar presente, estava doente e também não iria. Deixou o seu porta-voz, Margaritis Schinas, enfrentar a imprensa, para dizer que “o sr. Juncker já teve a ocasião de se expressar claramente sobre o tema da fiscalidade”, relata o Le Monde. “Ele advoga uma maior harmonização fiscal”, afirmou. “Ele está sereno. Se fosse mais jovem, diria que está cool. Fiquemos pelo sereno”, disse ainda Schinas, segundo oThe Guardian.
É uma atitude diferente do político que, na véspera, tinha acusado os primeiros-ministros italiano e britânico de mentirem aos seus eleitores, e garantia que não se deixaria intimidar: “Eu não tremo face aos primeiros-ministros”, afirmou, depois da primeira reunião da sua equipa de comissários europeus, que entrou em funções a 1 de Novembro.
Mas na falta de esclarecimentos de Juncker, coube ao actual primeiro-ministro luxemburguês, Xavier Bettel, e ao ministro das Finanças Pierre Gramegna prestarem esclarecimentos. Bettel garantiu que a legislação do seu país “é compatível com os padrões comunitários e com os da Organização para a Cooperação Económica e o Desenvolvimento".
Numa sala a abarrotar de jornalistas estrangeiros, relata o El País, Gramegna admitiu que, “às vezes, o que é legal pode não ser eticamente compatível com as normas” e declarou-se disposto a colaborar com Bruxelas. Sublinhou, no entanto, que outros países têm legislações semelhantes. “Isto não se pode resolver só num país, é preciso agir em cooperação.”
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Obs: Visivelmente afectado e condicionado, Juncker tinha boas razões para pensar que tinha bons amigos antes de ser investido nas funções de presidente da CE; verá agora essas razões reforçadas, provavelmente por parte das mesmas pessoas que - doravante - querem aferir da sua independência política para continuar nas altas funções comunitárias em que foi recentemente empossado. 
Juncker começa mal, andou mal na última década como PM do Luxemburgo e, estranhamente, só agora é que este escândalo relacionado com a evasão fiscal às empresas multinacionais vem à superfície.
Não poderia ter havido melhor timing para liquidar politicamente Jean-Claude Juncker.
Veremos se este pássaro ferido sobrevive por muito mais tempo..., ou se passará o resto da presidência a arrastar-se pelos corredores da eurocracia bruxelense - sem qualquer credibilidade e dignidade, o que amputará as condições - objectivas  e subjectivas - para o exercício do poder com um mínimo de autoridade. 
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