quinta-feira

Evocação de Jean-Paul Sartre: Sem Saída. Paralelos perigosos


Não raro o teatro é uma das fontes preferenciais de explicação da realidade, aliás, o conceito de representação política típico das democracias representativas vem do rae presentare, o que torna presente (os eleitos/representantes) dos que estão ausentes (os eleitores/representadaos), dado que os cidadãos, em bloco, não se podem representar a si mesmos, sob pena do caos. Embora o CAOS seja hoje a palavra d´ordem que muitos portugueses vivem. Veja-se o caso da Justiça, da Educação, mas também da Saúde, só para referir alguns exemplos que estão na ordem do dia. 

Todavia, o propósito desta reflexão visa recontextualizar uma peça de Sartre, Sem Saída, a qual espelha a terrível era de desconfiança que todos nós hoje vivemos: na relação do cidadão com o Estado, entre pessoas, e entre organizações dele dependentes e as empresas e o mais. Todos, com distintos graus de intensidade, desconfiam uns dos outros, e os agentes que ocupam o poder político, designadamente no vértice do aparelho de Estado, Belém e S. Bento, são aqueles que hoje suscitam mais profundas desconfianças entre os eleitorados, mesmo dentre aqueles que os elegeram e que, entretanto, deixaram de neles confiar.

Dito isto, que é óbvio e aceite por todos, salvo pelos sectários e interessados na manutenção da actual degradação da vida pública, é  útil (re)situar o sentido da peça de Sartre - em que se relata a história de três personagens no inferno, Garcin, Inez e Estelle, aprisionados numa sala e condenados a manter-se acordados por uma eternidade. No decurso da peça torna-se claro que nenhuma das personagens está satisfeitas com a situação em que se encontra. Pois todos se sentem ameaçados, ansiosos e oprimidos pelas respectivas presenças. Sentem-se impiedosamente julgados pelos companheiros e lamentam não poder escapar da companhia uns dos outros.

Não há dúvida que essa situação encontra um paralelo esmagador com o que sucede diariamente em Portugal (no plano político), ainda que o propósito de Sartre não tivesse sido conceber a peça a pensar nos locatários de Belém e de S. Bento, mas sim em retratar a condição humana. 

Com efeito, creio que os portugueses sentem-se hoje como aqueles três personagens da peça, Sem Saída, pois não podem escapar ao facto de viverem sob a impreparação e incúria daqueles que tomam as principais decisões colectivas e, simultaneamente, quase em desespero de causa, também não podem deixar de ser portugueses, ainda que transitoriamente, à semelhança dos impostos que, inconstitucionalmente, o XIX Governo tem praticado. 

Tal como nós, portugueses, também Sartre tinha, ao seu tempo, uma profunda desconfiança das relações sociais e à dependência desconfortável e inevitável por que passamos, sobretudo por causa da elevada carga fiscal que se abate sobre empresas e cidadãos, além da manifesta impreparação técnica, cultural e política do actual escol dirigente, qual erro de casting

Acima referimos apenas dois agentes políticos nacionais como corporizando a vida dos três personagens da peça de Sartre. Falta um, a fim de estabelecermos o paralelo perfeito entre os personagens da peça (Garcin, Inez e Estelle) e o que se passa entre nós, portugueses. O Governador do BdP poderia bem preencher essa lacuna teatral e, assim, ajudar a completar o paralelo entre a peça de teatro e a nossa realidade nacional, qual das duas mais (hiper)-realista...

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