quarta-feira

O quadro de Holbein - Os Embaixadores, 1533. Uma perspectiva culturalista do Poder. O processo de anamorfose


O quadro (supra) pintado por Hans Holbein - representa dois protagonistas da corte de Henrique VIII, com uma mancha longitudinal na base inferior e que - observada do ângulo superior direito, emerge como sendo uma caveira. Eis o exemplo de representação anamórfica que depois é utilizada por Jacques Lacan para ilustrar a relação entre a imagem do eu, formada pelo sujeito, e a imagem do sujeito observada pela sociedade.

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Sem dificuldade identificamos modelos de simulação dos comportamentos sociais, alguns politicamente relevantes, que revelam a distorção e degradação do funcionamento do sistema sociopolitico e institucional. Dos partidos políticos aos tribunais, das entidades afectas à Administração pública aos órgãos de soberania - percorrendo os reguladores - Banco de Portugal, CMVM (polícias dos mercados), todos e cada um à sua maneira desenvolvem um discurso para a opinião pública que depois é desconfirmado pela realidade dos factos e dos acontecimentos supervenientes, os quais que tecem as malhas do quotidiano e acabam por abalar ainda mais os alicerces do sistema político, hoje completamente apodrecido. 

O que se passou com o mega-caso BES/GES, é um exemplo acabado desta teorização, aqui enquadrada por uma perspectiva (ligeira) de culturalização do poder político em Portugal, demonstrada através do efeito de anamorfose magistralmente concebida no quadro de Holbein, Os Embaixadores, de 1533. 

Podia dar mais exemplos para ilustrar esta distorção do funcionamento dos nossos agentes políticos e instituições: o locatário de Belém vende acções do BPN em regime out-of-market e faz uma mais-valia com elas à margem das regras do mercado, que, supostamente, a CMVM deveria ter verificado da sua legalidade; o BdP não consegue fiscalizar - nem preventiva nem sucessivamente - as múltiplas ilegalidades cometidas pela banca e pelos banqueiros em Portugal, mas alega eficácia na sua acção; os tribunais estão paralisados e a justiça restante é cara e morosa, mas a (ainda) titular da pasta do CAOS (leia-se, Justiça) afirma tratar-se apenas de um transtorno, razão por que pediu desculpa, à semelhança do seu colega de "ofícios" na Educação, Nuno crato. 

Tudo se passa como se o exercício complexo e exigente da governação fosse um reflexo daquele velho Programa de TV conduzido por Henrique Mendes, já desaparecido, designado - Perdoa-me!!!

O próprio Primeiro-Ministro encontra-se hoje sob fortes suspeitas de ter recebido "dinheiro por fora" enquanto era deputado, estando ainda por apurar as declarações contraditórias desse processo. Mais um. Os casos são múltiplos e todos envolvem dinheiros públicos, ou, melhor dito, subtraídos indevidamente ao erário público, incorrendo nuns casos na esfera de crime económico que a lei tipifica e penaliza - civil e criminalmente. 

Certamente que quem escolhe a denegação da realidade, a ilusão ou o recurso à pura mentira política acabará, mais cedo ou mais tarde, descoberto pelo peso tonelar dos factos, que esmagam todas as simulações, mentiras e ocultações deliberadas. 

A vantagem da exploração do efeito de anamorfose é que ele permite revelar a realidade dos protagonistas políticos, seja pela via do confronto dos seus discursos com a realidade emergente, seja ainda pelo trabalho que a Justiça desenvolve no sentido de identificar os corruptos e de os levar à justiça. A anamorfose é, assim, um método de exploração de um efeito visual para evidenciar uma realidade, corrigindo o efeito da ilusão que esteve na sua base e alimentou essa opacidade. A qual, nos meios políticos (e não só!!), visa esconder a prática de actos ilegais e puni-los civil e criminalmente. O caso BES, ao longo de décadas, é o que talvez revela melhor esta maquilhagem do poder, em que todos eram corrompidos pelo sistema financeiro a troco de dinheiro. O dinheiro que comprava decisões políticas, altas colocações no aparelho de Estado e muitos, muitos silêncios. Silêncios que valem ouro.

Sucede, porém, que toda essa opacidade só é revelada quando se consegue converter uma imagem plana numa outra imagem, cujos contornos só são reconhecíveis quando a mesma é reflectida num espelho curvo. Com efeito, trata-se de um processo óptico onde a mudança de prisma do observador faz com que um certo estímulo visual assuma uma forma radicalmente diferente da que tinha antes. É como, passe a analogia, termos um agente político como uma pessoa séria e idónea e, de súbito, descobrirmos tratar-se dum falsário, de um corrupto que está na vida pública para enganar e ludibriar as populações que neles confiaram. 

Basta, para o efeito, que o observador do quadro de Holbein - Os Embaixadores, experiência que pode ser feita aqui e em tem real olhando para o quadro na imagem supra, o veja numa outra perspectiva. Ou seja, uma mudança de posição por parte de quem vê o quadro, como quem também avalia os fenómenos sociopoliticos, permite dar ao observador formas diferentes do mesmo objecto. 

Uma 2ª observação será sempre diferente da da primeira perspectiva, ainda que quando se regressa à posição inicial, o que se vê objectivamente continue a ser o que se viu da 1ª vez, mas agora com a particularidade de a memória já ter registado uma outra imagem decorrente do efeito de anamorfose (resultante do deslocamento).

É assim com a arte, e é também assim na vida interpessoal, na vida pública, das pessoas e das organizações em geral. 

No fundo, é a ILUSÃO que comanda a vida, só que nuns casos caímos nesse erro de forma consciente, noutros, menos graves, escorregamos neles de modo inconsciente. 

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