quarta-feira

Metafísica da História: ela repete-se ou inova . E agora, Cavaco?!



Há uma grande discussão acerca de saber se a História se repete ou se ela traz consigo sempre elementos novos em ruptura com o passado. 

Alguns até, como Francis Fukuyama, decretaram o seu fim, referindo que depois do sistema da democracia liberal como sistema de governo, que triunfou sobre sistemas e ideologias rivais (monarquia hereditária, democracias populares, fascismo e, mais recentemente, o comunismo) era aquela, a democracia liberal, que constituía o "ponto terminal da evolução da humanidade". Essa forma final de governo formaria aquilo que Fukuyama, de forma criativa em finais dos anos 80, "a forma final de governo humano". 

Aparentemente, o autor tinha razão, mas isso não impede que as democracias liberais e (ditas) representativas surpreendam, e muitas vezes fazem-no pela negativa, lesando o interesse nacional e fazendo com que a História se admire dos (des)caminhos que é obrigada a percorrer, assistir e narrar para o futuro. Torturando os povos que têm de passar por esses trágicos processos sociais.  

Formalmente vivemos numa democracia liberal, de tipo representativo, mas, na prática, os deputados representam verdadeiramente o povo que os mandatou? Os executivos, nestes últimos 25 anos de democracia pluralista, têm cumprido os programas socioeleitorais comunicados à sociedade e com base nos quais foram eleitos para governar? 

A resposta é, obviamente, negativa. O fosso entre o anunciado e o realizado é abissal. A mentira política instalou-se no funcionamento do sistema político português; a falta de mérito e de competência e até de formação humana e de carácter, respondem por essas lacunas na representação popular e na incapacidade técnico-política para dar resposta aos principais problemas do país.

Desde a monarquia que as nossas contas públicas são deficitárias. Vivemos, conforme as épocas, em estado de emergência nacional. Um sufoco que foi atenuado com a nossa entrada para a então CEE, em 1986, em que se consolidaram as finanças públicas, mas duma forma artificial, ou seja, à custa da destruição do nosso aparelho produtivo, implodindo os sectores primário (agricultura) e secundário (indústria). Restam, hoje, os serviço em boa medida proporcionado pelo turismo. Tudo isso, como sabemos, foi artificializado com os milhões de euros que entravam nos cofres do Estado do por dia. Foram os anos de oiro do cavaquismo..., que só soube governar sob essa abastança. 

Paralelamente, os discursos sobre a consolidação da economia portuguesa sofreram alterações semânticas interessantes, para não dizer caricaturais: Guterres quase jurou que a consolidação estava feita; Durão veio dizer-nos que Portugal estava de tanga; Sócrates herdou o buraco orçamental e ainda o agravou; Coelho fez o pior do pior, e sobrecarregou as pessoas e as empresas com impostos a ponto de matar toda a iniciativa económica geradora de riqueza e de emprego. Entrámos, assim, num ciclo económico altamente regressivo, infernal que nos empobrece a olhos vistos. 

Somado, doravante, à irresponsabilidade decorrente da demissão de Paulo Portas, fazendo com que o Governo seja apenas de gestão e o país esteja suspenso pela dissolução do parlamento e marcação de eleições legislativas antecipadas. De preferência, em simultâneo com as eleições autárquicas, oportunidade para poupar uns largos milhões de euros ao erário público e decidir, em termos de soberania popular, qual a legitimidade política emergente saída das urnas.

Em rigor, creio que é isto que o povo português espera de Cavaco que, em todas estas mini-crises, se tem desresponsabilizado da incompetência governativa, assinando até diplomas inconstitucionais lesivos ao interesse nacional que deveriam merecer-lhe ponderada atenção. 

Cavaco é, hoje, também parte do problema, porque foi ele quem permitiu, a partir da legitimidade de Belém, que os problemas se avolumassem. A sua demasiada colagem a um governo incompetente e sem sensibilidade social faz de Cavaco um aliado privilegiado do PSD de Passos Coelho, o que lhe retira depois espaço de manobra e distanciamento para moderar e arbitrar as tensões politico-partidárias em Portugal. Pois é para isso que o PR serve: ser a válvula de escape desses conflitos institucionais. 

É, pois, perante, esta avalanche de conflitos, incompetências, desconfianças, falta de visão estratégica para o país que Cavaco hoje está confrontado, e tenderá, na linha da sua crónica paralisia institucional, a remeter o desenlace do problema para a moção de censura no parlamento, como se foste este, unicamente, o órgão a quem compete formar essa decisão. Entre a forma e a praxis política há sempre um gap, e se Portugal tivesse um PR responsável esse fosso já há muito estaria preenchido: a bem da nação e dos portugueses, até porque há mais de 1 ano que o regular funcionamento das instituições foi posto em causa. 

E quando assim é, a não ser que se queira por os portugueses de novo a pagar a subida das taxas de juro da dívida pública, só há uma saída: devolver a palavra ao povo. 

Nesse sentido, a história pode comportar lições que são verdadeiramente surpreendentes. Além de que também nunca nos foi dito que a manutenção duma democracia liberal, de tipo representativo, seria uma empresa barata...  


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