Um novo governo democrático: a democracia deliberativa
Chegámos a uma etapa da democracia contemporânea, na Europa e até fora dela, em que facilmente concluímos que os governos representativos, tal como os conhecemos, já não parecem suficientes para responder às verdadeiras exigências democráticas, logo às efectivas necessidades das populações e às expectativas das pessoas, das empresas, enfim, das sociedades no seu conjunto.
A construção dos Estados nacionais traduziu-se, desde finais do séc. XVIII, por uma nova formulação do contrato político. A afirmação do princípio democrático conduziu à ideia de que era o conjunto dos cidadãos que constituía a verdadeira fonte de todo o poder, ou seja, não há outra autoridade legítima a não ser aquela que emana do povo. Na prática, não há limites aceitáveis salvo os que se apoiam no consentimento popular. Foi isto que teorizaram grandes filósofos da política, como J.J.Rousseau, A. de Tocqueville, S. Mill, entre outros na linha democrática.
Foi, aliás, este princípio democrático o elemento veiculado pela lógica representativa, que envolve determinadas modalidades de organização do poder, i.é, o povo não é directamente responsável pela gestão da coisa pública, são os seus representantes eleitos que estão investidos do poder de decidir em seu nome. Assim, e ao invés da tradicional concepção da democracia participativa em que se realizava a participação directa dos cidadãos na vida da polis, a democracia moderna foi criada a fim de operar através de representantes eleitos pelos cidadãos, num contexto de uma competição organizada e em que esses candidatos se apresentam a eleições através de partidos políticos. E são esses sujeitos políticos, os representantes, que são mantidos no poder através de um controlo permanente da opinião pública.
Mas se teoricamente as coisas são assim, na sua dimensão prática essas mesmas relações assumem contornos distintos. Cabendo, de facto, aos governantes o poder efectivo que lhes foi delegado pelos cidadãos, e, não raro, representam-nos mal, por vezes de forma criminosa e impune.
O reconhecimento da impotência da chamada democracia representativa (DR), que também não foi melhorada pelas chamadas "democracias populares" da década de 90 dominante nos países socialistas que operavam na órbita soviética, veio colocar a tónica na necessidade de fazer progredir a democracia representativa através duma outra forma de democracia: a democracia deliberativa, porquanto a DR deixou de responder às necessidades dos cidadãos e às novas exigências democráticas. Desta feita, dizer que os cidadãos são governado através dos seus representantes, é reduzir os seus direitos políticos e a matar o ideal democrático que pressupõe que os cidadãos disponham sempre do controlo sobre os seus representantes assim como o controlo sobre as escolhas públicas feitas pelos governos em exercício de funções.
Só assim a democracia se torna activa, o que é incompatível com a situação a que hoje assistimos em inúmeros países da Europa que se encontram em regime de protectorado, já que os cidadãos não são senhores dos destinos a que as suas políticas públicas conduzem, estão privados dos seus mais elementares direitos. É como estar liberdade, mas em regime de prisão preventiva. Os direitos, liberdades e garantias existem na Constituição, mas, na prática, as populações estão privadas do acesso ao emprego, os salários são-lhes confiscado, mesmo com decisões contrárias dos tribunais, a carga fiscal é draconiana e inconstitucional, etc.
Donde a necessidade de a democracia representativa ver complementados e corrigidos os seus ineficazes mecanismos por elementos de democracia semidirecta, com o fito de corrigir aqueles abusos que se interpuseram entre governantes e governados.
A prática referendária, que visa assegurar que os cidadãos possam dar mais continuidade à democracia, a associação de grupos de pessoas a participar mais e melhor nos processos de tomada de decisão, e também os grupos de interesse e das corporações em geral, poderiam solicitar uma participação global mais intensa do público cujo resultado final seria uma melhoria das ideias e dos projectos políticos com vista ao aperfeiçoamento da máquina legislativa, ou seja, ter menos e melhores leis que permitissem uma mais eficaz governação. O conjunto destas mudanças, segundo Habermas, poderá ser a prova do empenhamento e de promoção de um modelo de políticas deliberativas que reforçaria as condições de governabilidade das sociedades contemporâneas.
Desta feita, convergiriam para um mesmo ponto de luz os princípios e os fundamentos da lógica democrática, a qual agora beneficia duma permanente vigilância das redes sociais suportadas pela internet, que permite intensificar o fluxo das opiniões e das propostas políticas que influenciam (ou podem influenciar) as decisões finais.
Talvez assim a democracia deliberativa possa valorizar as ineficientes democracias representativa e participativa e, ao mesmo tempo, vincular os cidadãos para um maior e mais responsável envolvimento nas escolhas colectivas.
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