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Património Cultural - material e imaterial - de Portugal que integra a Humanidade com a chancela da UNESCO. Breves notas culturais




É sabido que no património material (PM) o mais importante são as coisas, no património imaterial (PI), o mais relevante são as pessoas. Foi esta mudança de paradigma que desviou o foco das atenções do PM para o PI, o que torna este tipo de património difícil de definir, interiorizar e classificar, mas é também o conjunto dessas dificuldades que torna esta empresa uma das mais desafiantes de desenvolver neste nosso novo tempo. 

Assim, à paisagem (natural), ao edificado, ao monumento e ao conjunto arquitectónico sobrepõe-se, doravante, as histórias das pessoas, a dança, a história, os gestos, as tradições, a língua e um conjunto de sinais, símbolos e bens culturais que integram o património dum povo que, podendo estar em vias de extinção e tendo valor cultural e identitário únicos, merecem ser recuperados, estudados, classificados e reconhecidos pela UNESCO, fazendo desse local, região ou língua um bem cultural único na humanidade que urge preservar e dar a conhecer ao mundo. 

Desta necessidade de estudo, preservação e classificação resultam questões interessantes que a UNESCO colocou, designadamente através de medidas para a salvaguarda desse PI e que foram consubstanciadas na adopção em 2003 da Convenção para a Salvaguarda do Património Cultural Imaterial (PCI), que suscitou, por sua vez, a questão de saber como aquela Convenção seria aplicada. Começando, desde logo, por definir o que é o PCI? por que razão é importante a salvaguarda desse património? que vantagens trazem para as regiões esses reconhecimentos? 

Abaixo alinhamos a lista dos lugares nacionais já reconhecidos pela chancela da UNESCO



• Alto Douro Wine Region (2001)
• Central Zone of the Town of Angra do Heroismo in the Azores (1983)
• Convent of Christ in Tomar (1983)
• Cultural Landscape of Sintra (1995)
• Garrison Border Town of Elvas and its Fortifications (2012)
• Historic Centre of Évora (1986)
• Historic Centre of Guimarães (2001)
• Historic Centre of Oporto (1996)
• Landscape of the Pico Island Vineyard Culture (2004)
• Monastery of Alcobaça (1989)
• Monastery of Batalha (1983)
• Monastery of the Hieronymites and Tower of Belém in Lisbon (1983)
• Prehistoric Rock Art Sites in the Côa Valley and Siega Verde (1998)
• University of Coimbra – Alta and Sofia (2013)
Natural
• Laurisilva of Madeira (1999)


Entre o PM, que é preponderante, o fado, enquanto PI, foi o ano passado reconhecido pela UNESCO - conferindo a Portugal uma visibilidade acrescida nesse conjunto de elementos identitários que ajudam a definir o património, a memória e a identidade, ou seja, o PCI que é transmitido de geração em geração e que induz nas comunidades e nos grupos que tratam estas questões mais de perto, um sentimento de identidade e de pertença que permite continuar a história e o projecto duma nação no sistema internacional.

Sucede, contudo, que este PCI é algo de dinâmico, pois os seus elementos estão constantemente a ser recriados pelas comunidades que, em função do seu meio e da sua interacção com a natureza e com a "fábrica" da história vão, eles próprios, fabricando a sua história. 

Tal como a história, a identidade é uma realidade construída a cada momento,  que se reconstitui e modifica em função dos factores políticos, económicos, históricos, biológicos, da imaginação colectiva e das narrativas de futuro que o passado recoloca no presente e, naturalmente, pelas normas, pelo peso da revelação da religião, entre outros elementos que pesam na definição das tendências culturais de um povo, na forma como organiza as suas memórias e no modo como, no final dessa linha, permite ao povo estruturar as percepções do tempo e do espaço com que tecem o presente. 

Sem a reunião destes elementos torna-se difícil um povo revelar a sua identidade face aos demais povos, sobretudo quando procura afinar a sua capacidade de representar simbolicamente a identidade dum grupo e duma nação. 

Portugal, por razões sobejamente conhecidas, é hoje uma nação sofrida, porque o seu povo vive uma depressão social, económica e financeira sem precedentes desde o 25 de Abril, de 1974. Há até quem defenda que esta depressão só se assemelha à que vivemos na Batalha de Aljubarrota, na crise de 1383/85, ao tempo de D. João I. 

Mas nem tudo é negativo entre nós, como estes reconhecimentos pela UNESCO têm revelado nos últimos 15 anos. Desta forma, e tomando em mãos a batalha da construção do futuro através do legado da memória colectiva, seja por via do PM seja por via do PI, pedra angular no nosso património, e cujo processo está em constante mutação e negociação, que agrega memórias oficiais e memórias informais, resta saber como é que as comunidades conseguem relançar o Zeitgeist a fim de dinamizar o chamado turismo cultural, que vive deste tipo de iniciativas, e, com ele, dinamizar a economia nacional para níveis nunca antes vistos. 

Se assim for, Portugal reconfirma algumas das suas mais sólidas expectativas: a de que o seu projecto nacional vive, cada vez mais, do turismo cultural, da potenciação dos elementos da sua história e identidade nacionais. Hoje, com a particularidade de vivermos um tempo diferente, porque composto da multiplicidade de culturas em presença, da crescente interacção e vivência em comum resultantes do mundo global em que coabitamos e, por fim, da própria dissolução das fronteiras físicas, políticas e administrativas que, se por um lado, potenciam aquela coabitação fazendo de todos nós seres culturais cada vez mais convergentes, por outro lado, destaca as diferentes identidades entre as culturas que a pós-modernidade trouxe neste universalismo emergente, cada vez mais balizado por ficções culturais e conflitos religiosos, étnicos de nacionalistas. 

Será, porventura, à luz deste novo contexto internacional de globalização cultural fracturante, que o Património Cultural Imaterial (PCI) poderá desempenhar uma função inestimável como factor de aproximação, intercâmbio e de entendimento entre os homens. Se assim for, o PCI tenderá a afirmar-se como um elemento infra-estruturante capaz de criar as novas condições de paz e harmonia entre os povos neste 1º quartel do séc. XXI. E, desse modo, integrar a filosofia da cultura que congrega os valores intrínsecos da UNESCO, fazendo da diversidade um elemento indispensável intra e intersociedades, assente no compromisso ético-moral de que os agentes e os sujeitos do novo conceito de desenvolvimento pertence a comunidades culturais concretas. 

O mais curioso e, ao mesmo tempo preocupante no plano do crescimento e desenvolvimento da economia nacional, é que ao avanço da terciarização da economia de serviços em Portugal, os sectores primário (agricultura) e secundário (indústria) não acompanham o índice de desenvolvimento e maturidade da economia de serviços (associada ao turismo), o que gera assimetrias, injustiças e desigualdades de Norte a Sul e do litoral ao interior deste Portugal do séc. XXI. 


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