sexta-feira

A importância dos estudos sobre o Futuro. Breves notas históricas



O estudo do futuro é consequência directa do grau de incerteza que uma sociedade vive. Em rigor, quanto mais é o nível de incerteza numa dada sociedade maior se torna a necessidade de conhecer o futuro, ou, se possível, antecipar alguns dos seus problemas e encontrar para eles as respostas adequadas. O industrialismo, a evolução do sistema capitalista, e as suas consequências, contribuíram para desenvolver este tipo de estudos.

O ano de 1929 foi fatídico para os investidores e para a economia internacional, o famoso crack e os anos da Depressão que se lhe seguiram, antes da 2ª GM, impeliram os analistas económicos, e doutras ciências sociais, a identificar modelos econométricos a fim de prever certos comportamentos futuros. 

Todavia, é no termo da 2ª GM, em 1945, que, com a Europa completamente destruída, a planificação estratégica através da ajuda norte-americana (via Plano Marshal) põe em acção um exército prospectivo com vista a antecipar e planear o futuro. Segue-se quase meio século de Guerra Fria, em que os dois contendores - o mundo Ocidental e o comunismo Soviético - se dedicam a um trabalho sistemático de adivinha relativamente ao que o outro contendor tenciona fazer em matéria de acções de política externa que possa limitar e minar o campo do adversário. 

Por conseguinte, os analistas de informações da Guerra Fria passavam boa parte do seu tempo a trabalhar sobre cenários hipotéticos que podiam (ou não) ocorrer. Por vezes, esses cenários dinamizavam mais os factores de conflito e de guerra, em lugar de os aplacar e criar condições de paz, prosperidade e desenvolvimento entre as nações. A Guerra Fria, nesse sentido, preencheu na história contemporânea uma função: permitir que a prospectiva fizesse o seu caminho através do planeamento de futuros hipotéticos que facilitasse a previsão e, a essa luz, rasgasse caminho à decisão mais clara aos decisores e agentes políticos que tinham a responsabilidade de liderarem o destino das nações. 

Os anos 40 e 50 do séc. XX foram, de facto, os anos em que se realizaram os primeiros trabalhos de prospectiva com relevância para as Relações Internacionais. Em 1947, sob a mão de Theodore Vankarman, e a pedido da Força Aérea norte-americana, foi desenvolvido o 1º estudo prospectivo, observando a técnica dos cenários. Towards New Horizons, foi o estudo pioneiro para analisar a possibilidade de usar mísseis por controlo remoto, uma realidade banal nos anos seguintes, o que revela como a ciência e a tecnologia (civil e militar) evoluiu espectacularmente, condicionando fortemente a engrenagem de funcionamento das RI.  

Contudo, há algumas referências que são incontornáveis nesta área do saber e que importa citar: na Europa, Gaston Berger, Bertrand de Jouvenel; nos EUA os trabalhos de Herman Kahn, D. Gabor e E. Jantsch. Assim, foi nos anos 50, em plena Guerra Fria, que se definiram os alicerces do pensamento moderno acerca do futuro.

Naturalmente, essas previsões não ocorriam sobre o vazio das sociedades, tinham, essencialmente nos EUA, profundas preocupações de natureza tecnológica e militar, mormente no domínio da aeronáutica. Nesse contexto, aparece uma instituição fundamental, a RAND Corporation, uma empresa pioneira na realização de estudos prospectivos, patrocinada por grandes fundações privadas norte-americanas. Depois, aparece o Hudson Institute que aproveitou os trabalhos de Herman Kahn e A. Wienner, através do livro The year 2000, publicado no final da década de 60. 

Aliás, foi no final da década de 60 que a Academia de Artes e Ciências dos EUA criaram a Comissão para o Ano 2000, a trinta anos de distância, tal o horizonte com que então se trabalhava e fazia previsões. Essa Comissão foi dirigida por um grande cientista social, Daniel Bell, falecido recentemente, e que teve a sagesse de produzir inúmeros trabalhos de qualidade no domínio da prospectiva e das Ciências Sociais em geral, cujo objectivo era o combate às injustiças e desigualdades sociais e à necessidade de colocar o mérito como um valor supremo na organização e estruturação das sociedades. 

De par com as instituições e finalidades públicas dos exercícios de prospectiva, muitas empresas multinacionais recorreram a essas metodologias a fim de diminuir o risco dos seus investimentos no exterior e, assim, programarem mais eficientemente novos investimentos. As grandes petrolíferas como a Exxon, Shell, a General Electric, a IBM e outras grandes empresas do sector eléctrico e informático, todas elas desenvolveram preocupações com o apuramento das previsões económicas e as dinâmicas de consumo geradas nas sociedades. Nesta articulação entre o mundo da política e o mundo empresarial e dos negócios, os EUA colocaram sempre os poderes públicos ao serviço da potenciação desses interesses públicos e privados, como se se tratasse dum só interesse (nacional). A doutrina que então vingava defendia que o que era bom para a General Electric era bom para a América.

Também no meio académico, um pouco por todo o mundo, iam aparecendo centros de investigação e pólos de administração pública vocacionados para os estudos do futuro, em regra financiados pelos poderes públicos e patrocinados por empresas e fundações privadas, como é prática no mundo anglo-saxónico. Hoje, não há país europeu que não disponha do seu centro de estudos de prospectiva, financiado pelo Estado e por privados, especialmente ao nível da União Europeia que tem vindo a desenvolver, no decurso das últimas décadas, o programa Forecasting and Assessment in the Field of Science and Technology (FAST), integrado no MONITOR, cuja preocupação reside na realização de estudos de âmbito estratégico. 

Em rigor, e para concluir estas breves notas acerca da importância dos estudos do futuro, todos esses núcleos de investigação virados para o futuro preocupam-se em conhecer as premissas do futuro, ou antecipar as tendências  que condicionam o presente na vida de milhões de pessoas. O que desafia a necessidade de um desenvolvimento ontológico e epistemológico dos estudos do futuro. 

Sobretudo, hoje, em que a estrutura da incerteza aumentou e as variáveis que condicionam o poder e os factores de crescimento, modernização e desenvolvimento das sociedades também assumiram um perfil mais contingente e errático. 

Tudo boas razões para colocar a humanidade de sobreaviso face à necessidade emancipatória da prospectiva, da sociologia prospectiva, da planificação estratégica e até reengenharia de processos. 



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