quinta-feira

Encontros políticos de verão: quando o sonho se mistura com a realidade para diagnosticar o que já sabemos. Universidade de Évora de Verão do PS




UNIVERSIDADE DE VERÃO DO PS NA UNIVERSIDADE DE ÉVORA, in Expresso


Estes encontros políticos, marcando a reentré, à esquerda, à direita ou ao centro, são sempre momentos festivos em que o sonho esbarra com a realidade, e aquilo que se diz nesses fora não encontra (a maior parte das vezes) depois prolongamento nas medidas e políticas públicas. Seja porque a estrutura política, económica e social do país não deixa, os recursos não permitem, seja ainda porque o quadro de mentalidades oferece resistências e a entropia organizacional é geral. 

Ficam, contudo, os registos das intervenções úteis para publicação posterior e abrir mais o partido à sociedade, mediante a polémica e o debate, com isso pretendendo alargar a sede de apoio socioeleitoral, pois é também esse o objectivo deste tipo de eventos políticos, ainda que mitigados com uma componente cívica e académica.


- Os utópicos tentarão fazer aquilo que fazem sempre: a quadratura do círculo, apelando ao melhor liberalismo com a mais potente igualdade fazendo, assim, o pleno, "agradando a gregos e troianos". Resultado: mais utopia - sem que das propostas decorra algo de concreto e útil para o país;

- Os realistas, por sua vez, vão para estes encontros de verão pensando que a importância dos seus discursos é tal que têm suficiente força para interferir na realidade e corrigir os males do mundo no day-after;

- A grande vantagem destes encontros é, salvo melhor opinião, a dois títulos: a cobertura mediática pelos media, recentrando as actividades do partido A, B ou C no agenda setting nacional, que é o pasto que as estações servem à plebe pela hora do jantar; e também o diagnóstico que tais discursos têm a virtude de fazer denunciando, por essa via, o mal-estar da política corrompida pelos interesses e pela deflação das ideologias - a que se juntou, para a gravar o clima geral, a desconfiança progressiva, senão mesmo aversão por parte dos eleitorados relativamente a alguns políticos que têm dado péssimos exemplos (éticos, morais, cívicos e até políticos) às populações, e aos jovens em particular - convidados, compulsivamente, a emigrar. 

Convite nunca visto em Portugal, nem no tempo da ditadura de António Oliveira Salazar. A esta luz, este "convite" (reiterado sob diferentes formas) é uma novidade política, mas também espelha a novidade económica e social que reflecte a miséria da nação e a fraca qualidade das elites dirigentes que exercem o poder, além do reconhecimento da derrota implícita nesse convite, dado que se admite, preto no branco, que a economia nacional deixou de ter capacidade e condições para absorver os seus próprios quadros - saídos das universidades e politécnicos. O que é uma tragédia nacional, talvez a maior após 1974. Agora, já não se fala em Portugal em instalar o saneamento básico às populações, pretexto ainda em curso nas eleições angolanas; hoje o tema é o convite aos desempregados nacionais à emigração compulsiva. 

Todavia, devemos reconhecer a inteligência e a oportunidade na escolha dos 4 temas-quadro desta reentré do PS na sua universidade de verão, a realizar em na histórica Universidade de Évora, donde procurará nascer o bastião que conduzirá o PS à vitória nas próximas eleições legislativas, daqui a três anos, folga temporal bastante que levou Passos coelho a dizer o que disse, ao afirmar: "quero que as eleições se lixem", pois em três pode-se manipular muito orçamento, mexer em inúmeras políticas públicas, compensar interesses preteridos, satisfazer clientelas e corporações penalizadas e o mais. Em três podem-se gerar muitos milagres e confeccionar muitos ingredientes secretos que farão da economia portuguesa, à última da hora, um tigre asiático com 7, 8 e 10% de crescimento ao ano. 

Esses quatro temas-quadro são: 1) Economia justa - relevante pela incapacidade de por a economia nacional a crescer, sem o qual não haverá mais e melhor repartição da riqueza; 2) Sociedades coesas - pela pressão que pessoas, famílias e empresas sofrem, seja por via da brutal carga fiscal, seja pela precarização galopante das condições de trabalho, o que fragmenta ainda mais a sociedade portuguesa, tradicionalmente subsidiopendente do Estado e das suas estruturas de apoio social; 3) Europa das pessoas - por contraponto à Europa dos processos de decisão liderados quase em exclusivo pelo eixo franco-germânico e por uma elite dirigente europeia sem capacidade, estatuto e grandeza para reconstruir a Europa de J. Monnet e R. Schuman - do pós-IIGM; 4) Democracia activa - ou mais participativa - aproveitando as redes sociais e outras modalidades de participação e de auscultação das preocupações, interesses e expectativas das sociedades a fim de estreitar mais as relações de confiança entre governados e governantes que, hoje, se encontram manifestamente afastadas e descrentes. 

Creio, contudo, que estes quatro temas propostos - inteligentemente - pela direcção do PS para debate, ou o estádio de desenvolvimento (por efeito de contraste) em que eles se encontram em concreto na sociedade portuguesa, que está completamente paralisada, tributada, desempregada, endividada e, mais grave, sem qualquer esperança, sendo importantes, são, presumo, o sub-produto de duas revoluções simultaneamente ligadas: uma de ordem tecnológica; e outra de ordem económica, qual espécie de 2ª revolução capitalista. Esta última definida pela globalização competitiva da economia e pelo predomínio da esfera financeira sobre a economia real.

Contudo, ela não deixa de assentar, acima de tudo, nas chamadas auto-estradas da informação e na alterações daí decorrentes na esfera da comunicação. Se associar-se a esta ideia, já comum, a circunstância de que o objectivo da produtividade e uma rentabilidade acrescidas em todos os domínios da economia portuguesa, que teima em não crescer, sendo certo que o aumento das exportações não espelha a saúde global da economia portuguesa, como alguns procuram fazer crer, compreendemos que aquelas revoluções (tecnológica e económica com hegemonia financeira) não poderá deixar de afectar a natureza das políticas públicas, as relações de confiança entre governantes e governados, a forma como se captura o poder, frequentemente associado a um discurso facilitista e de promessas alicerçadas na "mentira política", na qualidade (fraca) da democracia representativa, sequestrada por interesses corporativos que absorvem a maior parte dos recursos do Estado e potenciam os mecanismos de corrupção entre nós. 

Eis alguns dos factores que impedem a institucionalização e a normalização em boas condições daquelas quatro questões propostas pelo PS - de operar na economia e sociedade portuguesas. 

Quer dizer, boa parte da economia é injusta e corrupta, até pela manifesta inexistência do funcionamento eficaz da justiça em Portugal, que é um verdadeiro câncer social e económico no país; a sociedade está cada vez mais fragmentada, originando formas crescentes e imaginosas de criminalidade que não são detectadas atempadamente pelas forças e autoridades policiais, gerando um sentimento difuso de insegurança na sociedade; a Europa está sequestrada pela Alemanha de Merkel e só actua a peso de dinheiro (que ele tem e controla) e de interesses também por ela dominados; a democracia activa converteu-se num espectador passivo, e mesmo com as redes sociais, paradoxalmente, os poderes públicos, o Estado permite-se manter no Governo pessoas que, noutros países em que a democracia e a justiça funcionam, já há muito teriam sido demitidas e, muitas delas, estariam a cumprir pena na cadeia. Mas o Estado português, consabidamente, nem dinheiro tem para pagar o papel higiénico nas escolas, quanto mais alimentar criminosos albergados nas cadeias portuguesas sustentadas pelo erário público.  

A constatação óbvia e intuitiva destes problemas crescentes na sociedade portuguesa, revela, ainda que de forma tosca, o estado da arte em que nos encontramos: sem economia, sem políticos à altura, sem sociedade com espinha dorsal, sem mecanismos de regulação eficazes e transparentes da democracia que temos (sequestrada pelos interesses privados de consultadorias sedeadas na Assembleia da República), com uma oposição ainda a procurar o seu papel nesta nova e incerta narrativa, e sem uma Europa social que possa ver a linha do horizonte para lá do umbigo das suas potências directoras, mormente a Alemanha que subverteu, a letra e o espírito europeu. Especialmente nestes últimos anos, e gozando duma situação de quase pleno emprego, como diria J.M.Keynes, os ideais fundadores da Europa, remetendo para o caixote do lixo da história o legado de homens como Monnet, Schuman, Altiero Spineli, Churchill, P.H.Spaak entre outros.

A pergunta que se coloca é óbvia: como sair deste impasse? Como anular esta letargia - nacional e europeia - em que caímos? Como convidar a sair do rectângulo a Troika (que nos examina regularmente como se fossemos burros) - que cá entrou com 10 milhões de portugueses ajoelhados e rezando diante dum pão-de-lo inacessível?

Como, em suma, podemos voltar a ser livres e independentes, se é que alguma vez, na evolução da história da independência nacional, o fomos?!

A questão não é fácil e tem, naturalmente, inúmeras respostas. Desconhecendo eu próprio se integro a categoria dos "utópicos" ou dos soit-disant "realistas", ou ainda o tercium genius da ideal-politik, misto de sonho e de realismo, que norteia algumas políticas externas dos Estados. Mas até ao momento, de par com as duas revoluções citadas (tecnológica e económica) - as sociedades tinham três esferas de acção: a da cultura, a da informação e a a da comunicação - que envolvia o marketing, os media empresariais, as rela. públicas, a Pub. Só que estes meios eram autónomos entre si, tinham cada qual o seu próprio sistema de comunicação e desenvolvimento.

Ora, em virtude daquelas duas revoluções - tecnológica e económica - a esfera da comunicação tende a absorver a informação e a cultura, desencadeando, assim, uma única esfera global e universal, da qual resultou a chamada world culture que, embora sendo de inspiração anglo-saxónica (ou mais americana) criou uma espécie de de communiculture de massas planetária potenciada pelas redes sociais, que tem ou pode ter - o Facebook à cabeça. 

Isto significa, na prática, que os problemas colocados pela Economia (in)justa portuguesa, mais as sociedade fragmentadas, uma Europa espartilhada e subjugada aos ditames do "marco" alemão e uma democracia hiper-corporativa à medida das actuais elites europeias, verdadeiramente iníquas para perspectivar e resolver os problemas e os desafios que têm pela frente, são, simultaneamente, problemas da economia portuguesa, mas também são problemas da economia espanhola, grega, italiana, francesa, irlandesa, etc...

Quando essas três esferas, quais bolas de bilhar (cultura, informação e comunicação) regressam ou se fundem nas duas revoluções citadas (tecnológica e económica) - que são dominadas pela economia alemã e pelas multinacionais norte-americanas, que se encontram também numa fase de alguma concentração, resta à Europa do sul um papel residual, ou seja, com pouca ou nenhuma capacidade de ser o porta-voz dos seus verdadeiros interesses nessas esferas de acção, de que depende o take-of da economia nacional. 

Esta incursão permite verificar que a INFORMAÇÃO - rapidamente se converteu numa mercadoria, e como mercadoria que é, ao menos que esteja ao serviço do bem-estar das sociedades, das comunidades e das populações em geral, mormente na Europa do sul onde os problemas de desenvolvimento, de injustiça social, de carga fiscal bárbara e sem freio, dotada duma máquina fiscal actuando arbitrariamente junto dos contribuintes, e dum aparelho de justiça "africanizado" - pela lentidão e dualidade de critérios, o que rebenta ainda mais a economia nacional e afasta qualquer investidor de querer investir em Portugal, com inúmeros custos de contexto, - é, afinal, a pedra de toque para que os eleitorados possam escolher elites melhor preparadas, produzir melhores leis e uma menos imperfeita democracia representativa e, por todas essas razões, assegurar um debate público mais produtivo, o que facilitará uma eficiente tomada de decisões em prol do bem comum e gerar um novo clima de confiança facilitador de mais crescimento, mais justiça social e mais igualdade de oportunidades e de desenvolvimento.

Mudanças que implicam a discussão sobre os quatro pontos em agenda, mas também sobre a necessidade duma nova reflexão acerca da INFORMAÇÃO, e do que podemos hoje fazer com ela, revelando ao mundo, afinal, que a forma mais eficiente de assegurar aquelas condições desenvolvimentistas de que hoje estamos privados, é auto-informarmo-nos, e não ficar à espera de discursos mais ou menos artificiais que têm a validade do tempo que demoram a ser lidos ou interpretados. 

Há, contudo, excepções, razão por que espero ver nalguns desses filósofos políticos, convidados para o evento partidário, designadamente JAM e VSM, a sagesse de reconhecer que nas suas propostas algo de útil, original e concreto poderá coadjuvar o programa político da governação emergente, num tempo e num modo em que uma certa esquerda se encontre, de novo, em condições de regressar ao poder em Portugal.

Se assim for, devemos reconhecer que a bonita e histórica cidade de Évora,  património da humanidade, não terá sido uma escolha em vão...


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