sexta-feira

Tertuliano no Pontal - por Viriato Soromenho Marques -

Nas decisões guiamo-nos por mecanismos psicológicos que se situam na categoria do que poderemos designar como "aposta média". Não se trata da aposta máxima que fazemos nos jogos de sorte e azar, mas sim na confiança que temos de que os acontecimentos ocorram dentro de uma certa ordem regular (embora não necessária). Essa regularidade pode ser natural (quando envergamos uma gabardina, depois de ler o boletim meteorológico de véspera anunciando chuva) ou convencional (quando acreditamos que o avião para o qual comprámos um bilhete está no aeroporto). Temos de apostar, pois a decisão humana faz-se sempre num contexto incompleto de conhecimento. A política é o domínio mais elevado das apostas coletivas. Nas democracias, onde existe a obrigação de os governantes se explicarem aos governados, as apostas para o futuro coletivo traduzem-se em "promessas". Mas estas, para serem credíveis, têm de se situar no nível da aposta média. Devem ser razoáveis, coincidindo com as tendências que se podem desenhar a partir do melhor conhecimento disponível. A promessa do primeiro-ministro, na Festa do Pontal, anunciando para 2013 a "inversão da atividade económica em Portugal" viola as regras do jogo da aposta média, para entrar no equívoco terreno da fé. Com os indicadores económicos nacionais a declinaram precipitadamente, a Espanha aflita aqui ao lado, e o clímax da tragédia grega anunciado para breve, a promessa do PM está mais próxima do paradoxo teológico de Tertuliano ("creio porque é absurdo"/ credo quia absurdum est) do que da boa navegação que se exige às políticas públicas. Do PM apenas queremos que contribua para nos proteger a propriedade e o corpo. Da salvação da alma cada um tratará da melhor maneira. DN

Obs: Quando as promessas feitas pelos agentes políticos em contextos eleitorais e comunicadas às sociedades não coincidem com as realizações desses agentes políticos uma vez no Governo, onde podem manipular os botões e a "caixa de velocidades" dos recursos e dos meios necessários à concepção e execução das políticas públicas, estamos diante dum fosso que cada vez mais se inscreve naquilo que pode designar-se "mentira política".

- Esta é sempre uma reinterpretação interessada da "verdade", segundo o actor que a professa na ânsia de legitimar o seu discurso e, mais do que isso, absolver os seus erros diante da opinião pública que o agente político procura, a todo o custo, seduzir com meias verdades. E fá-lo porquanto ele deseja sempre ser reeleito.

- Deste espectáculo decadente - entre a distância do discurso e da acção - resultam estragos sociais elevados, por regra suportados pelos contribuintes. Eis o que ocorre nesta "democracia de cartola relvada" em que a governação se resume, literalmente, à política do imposto, feita por imposteiros que julgam que governar consiste em tributar mais e mais os portugueses, sem que, nesse esbulho institucionalizado o Estado não faça equivalente esforço de racionalização de custos por parte da complexa máquina do Estado, hoje pendurada em passivos de milhões por entre (a)fundações e observatórios (muitos deles desconhecidos).

- Razão tinha (e tem) Maurice Duverger, um sociólogo de sólida formação, com quem sempre se aprende, quando revelava que a história do Estado era a história do imposto. Contudo, se o autor conhecesse de perto a praxis política portuguesa teria uma surpresa desagradável, dado que nunca teria pensado que a sua professia se condensasse tão trágicamente em Portugal como o actual Gov neoliberal tem imposto aos portugueses.


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