quinta-feira

De olhos vendados - por Viriato Soromenho Marques

Não é preciso ser visionário para perceber que a União Europeia está mergulhada num processo de declínio e entropia que, depois da "destruição psicológica", para usar uma expressão do primeiro-ministro italiano, Mario Monti, conduzirá a uma efetiva destruição física, cujos custos económicos serão absolutamente astronómicos, e as perdas políticas, provavelmente irrecuperáveis pelo tempo de uma geração. E, no entanto, vamos pela estrada do abismo exatamente por falta de dirigentes com visão. Os remédios para as diferentes vertentes da crise europeia já foram inventados. Temos dois séculos e meio de tradição de federalismo contemporâneo. Dos EUA à Índia, do Canadá ao Brasil, sem esquecer a herança mais antiga da Confederação Helvética, existe um riquíssimo cabedal de experiência e de inteligência institucional para fazer da "crise das dívidas soberanas", não uma taça de cicuta, mas sim uma ocasião de renovação e refundação do projeto de integração europeia. Sem uma união política, os europeus serão meras vítimas dos novos desafios e alinhamentos mundiais: os riscos múltiplos da combinação entre anarquia militar e financeira internacional, devastação ambiental, alterações climáticas e míngua alimentar e energética. Em 1870, ainda se travavam as batalhas da guerra franco-prussiana, e o nosso João de Andrade Corvo teve uma visão exata da inevitabilidade da I Guerra Mundial, assim como da emergência do poderio americano e da urgência estratégica de uma opção atlântica de Portugal. O seu livro Perigos, é um breviário estratégico do Portugal no século XX. Precisamos, com urgência, de uma estratégia nacional para sobrevivermos num mundo em que da nossa entusiástica aposta europeia restará, eventualmente, apenas o montão de destroços de mais um desafinado requiem germânico.in dn

 
Obs: Sublinhei dois aspectos da reflexão de Viriato Soromenho Marques: um para evidenciar a fraca qualidade das elites europeias actualmente no poder, que produzem políticas e orientações estratégicas de natureza egoísta que penalizam o tecido conjuntivo do velhinho projecto (solidário) europeu; e destaquei, na companhia do filósofo, o papel norteador de Andrade Corvo para revelar que Portugal, pequena potência diplomática habituada aos balanços da Europa, mais por necessidade do que por vocação, também teve pensadores e decisores políticos nacionais de nomeada que hoje não encontram par no panorama do processo de tomada de decisão nacional e europeu. Por isso, achei pertinente a articulação feita por Viriato na denuncia que acabou por fazer àquilo que, no limite, poderá redundar no "requiem germânico", como se refere na análise supra. 

- Por outro lado, os procedimentos democráticos acabam por confirmar a análise do filósofo, já que favorecem a escolha de personagens e a rejeição de protagonistas, sendo certo que a tecnologia promove a mobilidade e o risco ao mesmo tempo que inviabiliza o proteccionismo, daí que a modernização na Europa gera, inevitavelmente, desigualdades em resultado de critérios de atratividade e de competitividade. 

- Naturalmente, o sentido estratégico norteado por estas características localiza um paradoxo inevitável entre o padrão estrutural em que foram estabelecidos  os actuais sistemas de distribuição e de garantia de segurança e o padrão político emergente saído da modernização competitiva em condições de mobilidade potenciado pela chamada globalização competitiva, ou seja, é por demais evidente que as relações de força e de poder já há muito que não estão vinculadas a um território nacional, mas, neste momento, encontram-se demasiado dependentes da hegemonia germânica bem no centro da Europa. E isso não é bom para o tal prato da balança de poderes na Europa que um dia Almeida Garrett teorizou eficientemente.

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