É tempo de realpolitik - por Viriato Soromenho Marques
Mario Draghi prometeu que o BCE fará "tudo o que for preciso" para salvar a
Zona Euro. O impacto sobre os mercados foi positivo de imediato. Mas essas
palavras só terão efeito se corresponderem a uma mudança de rumo de Berlim. É
tempo de a Alemanha olhar para a Europa com realismo e frieza. É tempo de honrar
a capacidade de análise e ação dos seus maiores estadistas. De Bismarck a Kohl,
passando por Brandt e Schmidt. É tempo de decidir com a cabeça, fazendo bem as
contas. Nas suas Memórias, Jean Monnet dizia que, na Europa, dividida por tribos
e nações ensanguentadas, a unificação federal não chegaria através de um homem,
mas de uma força bruta: a necessidade. Com a Espanha, a Itália e a Grécia à
beira do abismo de uma dívida pública insuportável e de um colapso bancário, a
necessidade europeia já chegou. É agora! Mudando a rota, Merkel pode ser a
estadista que, ao saber fazer as contas do interesse alemão, acabe por salvar a
Europa, pois interesse alemão e europeu coincidem no essencial. A agência
Moody's já avisou para a iminente descida do rating da Alemanha. A economia
germânica está a declinar pelo sexto mês consecutivo. A capacidade de exportar
está a cair, não só para a Zona Euro, devido à austeridade, como para a China,
devido à desaceleração da economia de Beijing. O Conselho dos Cinco Sábios
voltou a avisar que, em caso de colapso da UEM, as perdas alemãs poderiam
ultrapassar os 2 biliões de euros diretos. O PIB poderia cair 5% no primeiro ano
(outras análises falam em 10%), e a valorização em 30% do novo marco faria
recuar as exportações ainda mais. Joschka Fischer tem alertado os alemães para
não serem, pela terceira vez, os coveiros da Europa. Jürgen Habermas encabeçou
um manifesto a favor da solidariedade europeia, incluindo as euro-obrigações.
Berlim pode liderar a unidade europeia, se tiver ambição estratégica em vez de
egoísmo medíocre. O federalismo não é movido pelo amor, mas pela necessidade,
pelo temor mútuo, e pela capacidade de calcular os custos e os benefícios. O
federalismo é a única alternativa credível à transformação da Europa numa
hiper-Jugoslávia.
Obs: Não é fácil, para os dirigentes políticos e para os comentadores, transmitir más notícias ao eleitorado e à sociedade. Ninguém gosta de ser mensageiro de más notícias. Mais difícil ainda é quando essas más notícias têm implicações retroactivas, questionando velhas ideias, sistemas e comportamentos sociais - que esses dirigentes e comentadores anunciavam no passado recente com entusiasmo. Na prática, e iludidos e estimulados pelas taxas de crescimento que se mantiveram em valores elevados, na Europa, desde o fim da guerra até aos anos 70, o financiamento dos dispositivos das políticas sociais não anunciava dificuldades. Pelo que a ideia de progresso continuado, produzida pela filosofia ocidental da Idade da razão, encontrava um suplemento de alma nas ideias de solidariedade social enquadradas pela doutrina da justiça redistributiva, então em voga por filósofos sociais, de que destaco J. Rawls.
Essas ideias tornavam realista o projecto político europeu assente na redução da conflitualidade política e social com base na mobilização continuada das capacidades produtivas e criativas, o que gerava um nível de crescimento económico assente na redução da incerteza que marcava o ritmo de evolução das sociedades. Contendo também a possibilidade de regular a dinâmica das economias de molde a reduzir a amplitude das flutuações económicas. Ora, esse mundo mais ou menos regulável e previsível acabou. Por isso, defendo ser hoje o tempo dos filósofos por serem eles, de facto, quem melhor enquadram o risco e a incerteza nas suas análises sociais.
A corroborar esta posição está o saber partilhado por Viriato Soromenho Marques, um teórico da política e um filósofo social de 1ª água - que regularmente deixa ideias interessantes que merecem meditação no espaço público. Pois só um filósofo político da sua amplitude e densidade de conhecimentos se lembraria de evocar J. Habermas para lembrar que a Europa é um projecto político solidário e não egoísta, e, ao mesmo tempo, recuperar a opinião do ex-MNE alemão, J. Fischer para denunciar a visão de poder germânica imediatista de Merkel - que também fica muito a dever a homens de Estado da envergadura de W. Brandt, H. Schmidt, Kohl - sem esquecer Bismarck.
Esta ideia hobesiana de que a política internacional assenta no medo, na insegurança internacional é um regresso à realpolitik da linha neomaquiavélica da razão de Estado que, não só consolidou os dispositivos de poder do Estado nacional (weberiano) como introduziu uma competitividade adicional no sistema internacional que modelou o sistema até hoje.
Presentemente, a Europa está num carrefour delicado, entre a viabilidade minimalista dum projecto europeu - económica e socialmente - aceitável; e a implosão da arquitectura desenhada das instituições europeias do pós IIGM.
Em suma: esta reflexão do filósofo Soromenho Marques devia ser lida e meditada, especialmente pela srª Merkel e em nome dos superiores ideais, valores e interesses do velho continente.
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