terça-feira

Efeitos não intencionais na política. O poder e a glória

Hoje ao ver um ainda ministro, ou nado-morto que anda por aí arrastando-se politicamente, defender profusamente o entendimento entre o Gov e as autarquias lembrei-me da história daquele sujeito que deseja ardentemente capturar a honra perdida para voltar a ter uma ponta de glória do mando que sempre o caracterizou. Quando a ambição é desmedida e notada a milhas, os esgares públicos acabam por denunciar os personagens. Contudo, o problema do poder é instrumental, em si de nada vale, ele só é útil se servir o interesse comum e não alimentar golpadas dentro do aparelho de Estado, ainda por cima tratando-se de serviços ultra-sensíveis como é a intelligence - vocacionada para a recolha e produção de informação estratégica que permite a defesa do Estado de actos de terrorismo ou de espionagem dirigidos de fora para dentro. Vi naquelas afirmações públicas um certo amor pela honra, como se esse alguém, de súbito, apenas se preocupasse com o bem comum e a redenção social. Que fantochada!!! A pose, o tom, todo aquele linguajar que, de súbito, aproximou Estado e autarquias para as grandes reformas das "províncias". Toda essa mise en scène seria caricata senão fosse grave para a história da república. Contudo, momentos há em que as paixões privadas têm de dar lugar a uma espécie de conspiração em prol do bem público. Na era cristã, o doutor da igreja Santo Agostinho definiu as linhas mestras do pensamento medieval, denunciando a cobiça pelo dinheiro e bens materiais como um dos três pecados do ímpio, sendo a libido dominandi (desejo de poder) e a luxúria sexual outros pecados. Mas aqui o que está em causa é um nítido descontrolo do poder aliado a uma incapacidade de saber em dar-lhe utilidade social. É como ter um bom carro e não saber conduzir ou viver uma vida desejando ser um génio e nunca passar da triste mediania. O actual poder em funções, até pela gritante inexperiência política da maioria dos ministros, ilustra esse defeito que depois se reflecte na deficiente qualidade e alcance das políticas públicas. Como diria um amigo, há governos que mais parecem "conselhos de gerência" de empresas em regime de pré-insolvência, e com esta "sofisticadíssima" asserção facilmente concluímos que pior do que um actor político aparecer na esfera pública buscando honra e respeitabilidade pela sociedade depois de ver o seu nome arrastado na lama política, qual Dulcineia de D. Quixote, só mesmo verificar que todos os pares do dito conselho de gerência contribuem para a riqueza geral, mas convencidos de que trabalham efectivamente para os seus interesses individuais. Por fim, até apetece dizer que com tanto amor-próprio, com tão elevada auto-estima o método ensaiado pela captura do poder a fim de conquistar a glória perdida só pode ser feito mediante a fuga para a frente, lembrando o Grande Salto em frente chinês, em 1958-60, ao tempo de Mao Tse Tung, cuja preocupação era igualizar as condições de vida das pessoas e acelerar o processo de urbanização naquele imenso país. Com sorte, em vez do n.º de freguesias diminuir, conforme intenção inicial da reforma administrativa da nação em curso, ainda acabará por aumentar agradando, assim, às populações. Se assim for, o país reencontra a sua reforma na contra-reforma. Até lá, quem demanda a glória perdida viverá entre o cerco e a espada de damôcles. Não deve ser fácil.  




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