sexta-feira

Evocação de James Callaghan – Barão Callaghan de Cardiff. A mentira política

O tema da mentira política é cada vez mais premente: a sedução pelo poder, pela sua manutenção e reforço, faz com que muitos dos seus agentes recorram frequentemente a esse expediente na esfera pública. Tratam-se de relações tão insólitas quanto perversas e contraditórias, mas cujo objectivo é dominar o sistema político com ilusões que visam criar falsas expectativas nos eleitorados, nas massas, nas multidões de pessoas que, alienadas, se deixam iludir por falsas promessas e falsos enunciados e ainda falsas soluções para os seus problemas.
O nosso tempo veio massificar a mentira, presente na linguagem e nos discursos políticos dos alegados representantes do povo. Em Portugal, o recurso à mentira política vem de trás, não é um exclusivo do actual poder em funções, só que agora a mentira é colossal na forma e no conteúdo. As TIC projectam a mentira a uma velocidade estonteante, as redes sociais podem contribuir para a ampliar (mas também para a neutralizar, desmontando essas mentiras, peça a peça).
Desse modo, vivemos hoje em plena mentira política: a mentira do défice, a mentira da inflação, a mentira da União Europeia e do castelo de cartas em que se tornou a coesão dos países membros da dita UE e, em particular, da zona EURO, a mentira da maior parte dos processos de tomada de decisão. Tudo, na prática, está envolto em simulação, dissimulação, em mistificação, enfim, a política converteu-se num processo sistemático de ilusão que visa dificultar a distrinça do real do imaginário em cada uma das sociedades, em cada um dos sectores da governação. Cada área e sub-área social, económica, financeira, ambiental está sempre envolta em dados contraditórios entre si.
Esta nova (velha) forma de fazer política tem efeitos perversos que vão para além da esfera política, interfere e penetra os comportamentos inter-pessoais, artificializa expectativas e decisões e faz com que uma sociedade inteira acredite naquilo que, de facto, não existe nem vai acontecer, só existe na lógica discursiva dos agentes políticos que recorrem a tais expedientes para manterem e, se possível, reforçarem as suas condições - objectivas e subjectivas - de poder. Sendo certo que a mentira é hoje "colossal", assim como veloz - pela rápida obsolescência das maravilhas e ilusões que propõe às populações que, ingénuas, acríticas e impreparadas não conseguem desmontar as ilusões propostas no lugar do político.
Nesta temática vem a propósito citar uma frase de um ex-PM britânico, que aqui evocamos, James Callaghan, PM do RU de 1976-79, que dizia que a mentira dá a volta ao mundo enquanto a verdade ainda está a calçar as botas.
Este caricato pensamento reconhece o quanto às vezes é sedutora a mentira. Mas, paralelamente, que tipo de sedução poderá existir quando um PM, diante de um país inteiro, tenta convencer todos os seus concidadãos que a nomeação de certas pessoas para certos lugares, não o é por amiguismo político e pagamento de favores, e apenas e tão só radica em critérios de competência, seriedade e transparência?!
Esta persistência na denegação da verdade é, obviamente, uma patologia política - que pode encobrir outras patologias.
Este tipo de persistência em julgar que o ferro é aço, a areia é petróleo e que o latão é ouro só pode redundar em mais estupidez humana, brutalizando a fantasia e a ilusão por parte de quem, como dez milhões e meio de portugueses, já não acredita naquelas mistificações que apenas regista os efeitos negativos da mentira política na vida do seu país, das suas empresas e organizações e na vida particular das pessoas - que até deixam de crer nelas próprias.
Esta difícil relação entre a verdade e a política foi sempre uma constante ao longo dos tempos. Teorizada por Platão, Maquiavel e Weber - entre outros cientistas, filósofos e pensadores - sucedeu que agora os seus efeitos fazem-se sentir com mais acutilância nas esferas social e económica, interferindo na qualidade de vida das populações. Pela natureza das tecnologias da informação que fazem os milagres da ubiquidade, o choque das populações, mais ou menos letradas, com as mentiras políticas fazem com que muitas delas, especialmente as mais letradas e dotadas de massa crítica, façam um exercício de auto-contenção na linguagem utilizada para não recorrer ao vernáculo que aquelas acções e condutas por parte dos agentes políticos suscitam.
Só pela via da LIBERDADE - potenciando a massa crítica de toda uma comunidade - se poderá atingir a VERDADE, e com ambas combater as mentiras com que diariamente o poder vigente, seja no plano micro, meso ou macro vai iludindo as respectivas populações com o fito de prolongar a sua ilusão, condição de reforço do seu próprio poder, ainda que com prejuízo objectivo do interesse nacional.
Só explorando as articulações entre aqueles dois valores absolutos: Liberdade e Verdade poderemos chegar, um dia, a um nível de aceitação democrática em que a maioria das pessoas, como sucede hoje, não seja descrente em relação à democracia que tem e aos políticos medíocres que, infelizmente, assaltaram o Portugal contemporâneo e que são, actualmente, razão de um subdesenvolvimento crónico que veio para ficar.

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