domingo

Álvaro e a internacionalização do pastel de nata. Quando a realidade transcende a ficção

Esta semana o país acordou com uma notícia do outro mundo: Álvaro, o ministro da Economia (ou das piadas..) advogou a receita para o combate ao défice e dívida externos de Portugal, indicando a abertura de empresa de bolos como escapatória para a recessão que estamos vivendo. Fê-lo numa conferência de imprensa, como se estivesse a descobrir a pólvora e revelando ao mundo a mais moderna inovação em matéria de teoria económica: a teoria da abertura ao mundo por via da agressividade comercial do pastel de nata. Por momentos, confesso, pensei logo em Paulo Futre e nas suas incursões ao oriente como forma de revolucionar o financiamento aos clubes de futebol sustentado numa revolucionária teoria publicitária e no marketing do séc. XXI. Mas regresso a Álvaro e à fórmula encontrada para recuperar a economia nacional por via do pastel de nata.
Escolheu uma empresa cujo produto está firmado no mercado nacional, e a decisão de avançar para a internacionalização caberá, em rigor, aos próprios empresários do sector que já facturam milhões por ano. Estranho é que o ministro da Economia tenha escolhido uma empresa com enormes lucros e sem nenhuma necessidade de apoio do Estado para se expandir, e não apoiar aquelas outras empresas (mais de ponta e outras do sector primário) - que até empregam mais trabalhadores e apresentam debilidades estruturai e têm maior necessidade de financiamento e de incentivos, para as orientar para os mercados internacionais.
Fica a sensação que o ministro escolheu uma bandeira nacional, como é a empresa já bicentenária dos pasteis de nata muito procuradas pelos turistas, para se promover a si, ao seu ministério e alavancar o Governo no seu conjunto, ao invés de puxar por aqueles sectores de actividade económica que mais carecem de programas de apoio e incentivos à internacionalização: agricultura, pescas, etc..
Sempre que aparece na tela, o ministro Álvaro enche o peito e parece anunciar uma nova revolução dos tempos, promete mundos e fundos mas, em rigor, aquilo que Álvaro faz é apenas fugir da insegurança gerada pela sua falta de visão do que é e pode ser a economia nacional. Tudo lhe escapa: o desemprego, as empresas a fechar portas havendo cada vez mais insolvência, o sentimento de ineficácia nas suas palavras, acções e instrumentos de actuação de política económica, e, no limite, na ideia que faz de Portugal e do que é a governação. Este ministro não passa dum teórico bem intencionado.

Admito até que Álvaro seja um homem bem intencionado que gosta de Portugal, mas não tem a mínima vocação para a governação, o essencial escapa-lhe e é decidido pelo seu mega-colega, ministro das Finanças, o empresariado acha-o ridículo e há muito que já não o leva a sério. Consequentemente, a pasta da Economia está em roda livre, sem ideia directora, sem programas de incentivos à internacionalização e com os factores de produção mais caros da Europa, tornando a produção nacional pouco competitiva nos mercados externos.

Numa palavra, o ministro Álvaro tornou-se já alvo de chacota dentro e fora do Gov, é gozado em toda a sociedade que o acha uma espécie de bobo da corte, imagem agravada com estas ideias ridículas que apenas reflectem a espuma das coisas, passando ao lado das essências que hoje definem as regras da economia mundial.

Grave não é o Álvaro ainda não ter compreendido o ridículo em que incorre quando faz aqueles anúncios urbi et orbi, grave é o ministro da Economia não compreender o sentimento de ineficácia gerador da crise mais global da instituição que o estrutura: o Estado-nacional.

Esta dupla insuficiência - política e cognitiva - que projecta mutações profundas no funcionamento e regras das instituições e, por extensão, na dinâmica das sociedades e no capricho dos mercados, faz com que o proponente de pseudo-ideias (que facilmente incorrem no ridículo, como a internacionalização do pastel de nata pela mão do Estado) traduzam não só uma incompreensão das leis da História e do seu sentido, como também uma congénita incapacidade de compreender que, certos agentes do Estado, nas actuais circunstâncias recessivas em que vivem 10 milhões de portugueses, ocupem o lugar do morto, encontrando-se agora na 1ª linha de visibilidade do Estado por via dos pasteis de Belém.

Por último, deixo uma nota final relativa aos políticos que se têm vindo a adaptar aos media, e nalguns casos revelam-se brilhantes profissionais do sistema. Sabem apresentar um subtil engagement entre grupos de pressão cujos pontos de vista pareciam irreconciliáveis.

No caso vertente, encontramos um homem de boa vontade, mas sem nenhuma ideia, autoridade, rumo e força para fixar qualquer compromisso. Embora, numa coisa estejamos, seguramente, todos de acordo: os portugueses gostam de pastéis de nata, e isso, presumo, seja uma "genial" recordação que o Álvaro sublinha aos portugueses e lega ao futuro.

Amanhã, quando Álvaro já não estiver no Governo e regressar à sua vida inicial, será certamente lembrada no Canadá (e arredores) como o português emigrado que mais fez pela vida do pastel de nata.

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