segunda-feira

Bons tempos na América Latina - por Jorge Castaneda -

Bons tempos na América Latina Jorge Castañeda
in Público
Para a América Latina, 2011 foi, como diria Frank Sinatra, um ano muito bom – e 2012 parece que também não será muito mau. Para uma região nem sempre habituada a que as coisas corram bem, esta é uma situação um pouco estranha.
Em 2011 foram realizadas três eleições na América Latina. Duas – na Argentina e no Peru – correram bem, a outra – na Nicarágua – foi marcada por fraudes flagrantes e por uma forte intervenção do governo a favor do actual titular do cargo. Ainda assim, duas de três não é mau numa região onde, anteriormente, caso se chegassem a realizar eleições, a regra era a existência de disputas sobre os resultados.
Em termos económicos, o elevado preço das matérias-primas fomentou um forte crescimento na América do Sul em 2011 e a pequena recuperação dos EUA beneficiou os países vizinhos. No Chile, Peru, Argentina, Uruguai, Bolívia e, em menor escala no Brasil e na Colômbia, a procura voraz chinesa e indiana de matérias-primas e alimentos aumentou as reservas estrangeiras, permitiu gastos avultados por parte do governo e sustentou elevados níveis de importações. Tudo isto conduziu a taxas de crescimento médio bem acima dos 4%.
Mas também originou novas dúvidas relativamente à dependência das exportações de mercadorias. O economista e político chileno, Carlos Ominami, no seu livro de memórias, Secretos de la Concertación [Segredos da Concertação], questiona o que aconteceria se a economia da China abrandasse ou se a "bolha" do seu sector imobiliário rebentasse. Isto parecia estar a acontecer no final do ano: os preços das mercadorias e as taxas de crescimento estavam em queda, e o ano de 2012, apesar de ainda prometer um forte desempenho económico, não coincidirá com o sucesso deste ano. A continuidade dos preços mais baixos pode virar o feitiço contra o feiticeiro.
Países atípicos foram a Venezuela, apesar dos preços elevados do petróleo, e a Bacia do Caribe: o México, a América Central e as ilhas. Estes países exportam produtos manufacturados para os EUA, de quem também dependem a nível de turismo e remessas; falta-lhes quer a geografia quer a geologia para se tornarem grandes exportadores de mercadorias (ou, tal como o México, exportam todo o seu petróleo para os EUA).
Mas mesmo os países atípicos desfrutaram de um crescimento razoável este ano. Se os EUA evitarem um novo abrandamento, poderão conseguir melhores resultados do que a América do Sul em 2012. Globalmente, à excepção de 2009, toda a região terá experimentado uma década de crescimento ininterrupto – algo que não acontecia desde a década de 1970.
O boom impulsionou a expansão da classe média da América Latina. Entre 1950 e 1980, a classe média da maioria dos países latino-americanos englobava entre um quarto e um terço da população. Então veio a crise da dívida da década de 1980, as reformas estruturais extremas e os colapsos financeiros da década de 1990 e uma nova recessão global em 2001. Estes acontecimentos traumáticos mergulharam estes países na chamada "armadilha do rendimento médio": incapazes de crescer ou de continuar a ampliar a suas classes médias.
Mas, na segunda metade da década de 2000, tudo mudou: a estabilidade macroeconómica prolongada, os governos competentes de centro-esquerda ou centro-direita, as políticas sociais sensatas e o crescimento económico global permitiram que países como o México, o Brasil, o Chile, o Uruguai e até mesmo a Argentina dessem o passo gigantesco que se seguiu. Por volta do ano de 2008, cerca de 55% das populações desses países pertenciam à classe média, quaisquer que fossem os parâmetros de definição utilizados.
O acesso ao crédito, a existência de mais empregos, as remessas, o boom das mercadorias e as transferências condicionais de fundos possibilitaram a milhões de pessoas comprar casa, carro e ter uma vida melhor. Esta classe média não se baseou nos precedentes do Atlântico Norte e a condição é precária e reversível; além disso, o seu padrão de vida é bastante inferior ao dos seus homólogos em países mais ricos. Mas não deixa de ser uma classe média.
Esses sectores de rendimento médio representam hoje uma parcela ainda maior do eleitorado, uma vez que as suas taxas de participação são mais elevadas do que as dos pobres. Os candidatos políticos vêem-se obrigados a dar-lhes atenção, fazer-lhes cedências ocasionalmente e adaptar-lhes a sua mensagem, o que conduz os líderes e os partidos a tomar posições moderadas. Não há garantias de que esta situação se mantenha, mas é uma das realizações mais impressionantes da região nos últimos anos.A América Latina terá duas eleições importantes em 2012, na Venezuela e no México e em Cuba não haverá eleições. Na Venezuela, os opositores do presidente Hugo Chávez vão unir-se por um único candidato para as eleições presidenciais de Outubro. Mas tudo depende do estado saúde de Chávez que, tal como o de Fidel Castro em Cuba, é um segredo de Estado bem guardado.
Será que o cancro de Chávez lhe permitirá candidatar-se (ele é tão formidável a fazer campanha como é desastroso na sua gestão económica), vencer e governar até 2030? Será que vai ser um substituto do seu irmão mais radical (e sucessor nomeado), Adán? Ou estará demasiado doente para participar? Nesse caso – e mais importante – será que ele, Adán, e toda a elite "bolivariana" irão aceitar uma derrota nas urnas?
Em Cuba, não haverá eleições, mas a situação poderá chegar a um ponto culminante no próximo ano. As reformas económicas de Raúl Castro, ou não foram implementadas, ou não estão a produzir os resultados esperados, a ilha continua a depender de subsídios da Venezuela, das remessas de Miami e dos turistas europeus.
Os irmãos octogenários governantes de Cuba não podem durar para sempre. Algo poderá ter de ceder na ilha, especialmente se o seu benfeitor venezuelano já não estiver no poder.
Depois há o México, que irá realizar apenas a quarta eleição democrática da sua história, num contexto generalizado de crime organizado, de violência terrível e de crescente cepticismo relativamente à guerra do Presidente Felipe Calderón contra as drogas. Com três partidos rivais, uma lei eleitoral terrível, sem segunda volta e com uma considerável dose de frustração por 12 anos de governos de centro-direita, muitas vezes ineficazes, o resultado é altamente incerto.
Dito isto, as instituições políticas do México sobreviveram a tempos difíceis, a classe média rejeita o extremismo e os EUA estão por perto. Preferíamos ver os candidatos presidenciais do México a oferecem plataformas eleitorais com ideias e propostas que respondam aos desafios que o país enfrenta, mas este défice substancial acontece hoje em dia, quase sempre, em todo o lado.
Para uma região que sofreu durante tanto tempo a frustração e o desespero dos seus fracassos, estes estão entre os melhores dos tempos. A América Latina deve dar graças e lembrar-se que nada dura para sempre.
Tradução de Teresa Bettencourt/Project Syndicate
____________________________________________________________
Obs: Uma análise tão interessante qto esperançosa acerca da evolução socioeconómica da América-latina, tão rara nas últimas décadas. Oxalá dure nos anos vindouros.

Etiquetas: