O carisma em que podemos acreditar - por Joseph Nye -
- Nota prévia: vale a pena meditar neste tão simples quanto interessante artigo do autor do conceito de soft power, professor de Harvard e ex-subsecretário de Estado da defesa dos EUA. Chamo aqui a atenção para dois aspectos: a forma como Nye reactualiza aspectos do carisma - tema de que se ocupou Max Weber; e o modo como esse mecanismo assenta, em grande parte, na percepção de quem vê, ou seja nas massas de eleitores. Uma reflexão importante, mais uma de Joseph Nye que nos subtrai da espuma dos dias.
Está prevista para 2012 uma transição da liderança em duas grandes autocracias. Nenhuma das duas constitui uma surpresa. Xi Jinping deverá substituir Hu Jintao como o Presidente da China e, na Rússia, Vladimir Putin anunciou que irá recuperar a presidência que actualmente é de Dmitri Medvedev. Em relação às democracias do mundo, os resultados políticos deste ano são menos previsíveis. Nicholas Sarkozy enfrenta uma campanha de reeleição presidencial difícil em França, tal como Barack Obama nos Estados Unidos.
Nas eleições presidenciais norte-americanas de 2008, a imprensa afirmou que Obama ganhou porque tinha “carisma” – o poder especial para inspirar fascínio e lealdade. Se assim é, como é possível que apenas quatro anos mais tarde haja incerteza a respeito da sua reeleição? Poderá um(a) líder perder o seu carisma? O carisma tem origem no indivíduo, nos seus apoiantes ou na situação? As investigações académicas indicam que são os três.
O carisma revela-se surpreendentemente difícil de identificar com antecedência. Um estudo recente concluiu que “pouco” se sabe sobre quem são os líderes carismáticos. Dick Morris, um consultor político norte-americano, relata aquele na sua experiência, “o carisma é a mais ilusória das características políticas, porque não existe na realidade; apenas na nossa percepção quando um candidato é bem-sucedido graças ao seu trabalho árduo e à sua forma de lidar com os assuntos”. Da mesma forma, a imprensa de negócios tem considerado muitos CEO como “carismáticos” quando as coisas correm bem, para logo lhes retirar o rótulo quando os lucros baixam.
Os politólogos tentaram criar escalas de carisma capazes de prever votos ou índices de aprovação presidencial, mas estas não se revelaram frutíferas. De entre os presidentes dos EUA, John F. Kennedy é frequentemente descrito como carismático, mas obviamente não para todos, dado que não conseguiu conquistar a maioria dos votos populares e os seus índices de aprovação sofreram variações durante a sua presidência.
O sucessor de Kennedy, Lyndon Johnson, lamentava a sua falta de carisma. Isto era verdade no que diz respeito à sua relação com o público, mas Johnson conseguia ser magnético – e até mesmo irresistível – nos contactos pessoais. Um estudo cuidadoso de retórica presidencial concluiu que nem mesmo oradores famosos como Franklin Roosevelt e Ronald Reagan podiam contar com o carisma para cumprir os seus programas.
O carisma é mais facilmente identificado após o facto. Nesse sentido, o conceito é circular. É como o antigo conceito chinês do "mandato do céu": alegadamente os imperadores governavam porque o tinham e quando eram derrubados, era porque o tinham perdido.
Mas ninguém podia prever em que momento isso iria acontecer. Da mesma forma, o sucesso é frequentemente usado para provar – após o facto – que um líder político moderno tem carisma. É muito mais difícil usar o carisma para prever quem será um líder bem-sucedido.
Os apoiantes estão mais inclinados a conferir carisma a líderes quando sentem uma forte necessidade de mudança, muitas vezes no contexto de uma crise pessoal, organizacional ou social. Por exemplo, o público britânico não considerava Winston Churchill como um líder carismático em 1939, mas, um ano mais tarde, a sua visão, confiança e capacidade de comunicação trouxeram-lhe carisma, dada a ansiedade dos britânicos após a queda da França e a evacuação de Dunquerque. E posteriormente, em 1945, depois da atenção do público se ter desviado da vitória da guerra para a construção de um Estado-providência, Churchill perdeu as eleições. O seu carisma não conseguiu prever a derrota: quem o fez foi a mudança das necessidades dos apoiantes.
Na prática, o carisma é um sinónimo vago de "magnetismo pessoal". As pessoas variam na sua capacidade de atrair os outros e a sua atracção depende em parte dos traços inerentes, em parte das habilidades aprendidas e em parte do contexto social.
Algumas dimensões da atracção pessoal, tais como aparência e comunicação não-verbal, podem ser testadas. Vários estudos mostram que pessoas que são consideradas atraentes são tratadas de forma mais favorável do que aquelas que não são atraentes. Um estudo concluiu que um homem belo goza de uma vantagem, que vale 6-8% dos votos, sobre um rival feio. Para as mulheres, a vantagem é de cerca de dez pontos.
Os sinais não-verbais representam uma parte importante da comunicação humana e experiências simples têm mostrado que algumas pessoas conseguem ter uma comunicação não-verbal melhor do que outras. Por exemplo, um estudo da Universidade de Princeton revelou que quando foram mostradas aos indivíduos imagens de dois candidatos em eleições desconhecidas, aqueles conseguiam, sete em cada dez vezes, prever quem seriam os vencedores. Um estudo semelhante realizado em Harvard, no qual se mostravam aos indivíduos videoclipes silenciosos de 10 segundos, referentes a 58 eleições, revelou que as previsões dos telespectadores explicavam 20% da variação na votação dos dois partidos – uma variável mais poderosa do que o desempenho económico. Ironicamente, as previsões tornaram-se mais pobres quando o som foi ligado.
Nas eleições de 2008, os norte-americanos ficaram desiludidos com a guerra do governo Bush contra o Iraque e com a crise financeira que estalou dois meses antes da votação. Obama era um candidato jovem e atraente, que falou bem e projectou um sentimento de esperança para o futuro. Esta foi, claramente, uma das razões pelas quais Obama conquistou uma reputação de carisma.
Mas parte do seu carisma estava nos olhos dos seus apoiantes. As pessoas às vezes dizem a respeito de carisma: "reconhecemo-lo quando o vemos", mas também estamos a olhar para um espelho. À medida que a economia piorou, o desemprego aumentou e Obama teve de lidar com os compromissos complicados de governar, o espelho ficou embaciado.
O carisma diz-nos algo sobre um candidato, mas diz-nos ainda mais sobre nós mesmos, o estado de espírito do nosso país e os tipos de mudança que desejamos. Os tempos de crise económica dificultam a tarefa de manter o carisma. Obama enfrenta os desafios contínuos do desemprego e uma oposição republicana persistente e Sarkozy vê-se a braços com problemas semelhantes. No entanto, quando estiverem em campanha, a sua retórica será libertada da necessidade de compromisso. As eleições deste ano serão o verdadeiro teste ao seu carisma.
Tradução de Teresa Bettencourt/Project Syndicate
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