quinta-feira

Evocação de Diogo de Couto e a Verdade

É sabido que a verdade aleija algumas pessoas, lesa outras e prejudica muitas mais. Sobretudo, se estiverem ligadas ao chamado "xistema" dele usufruindo regalias, benesses, apoios, status e múltiplos privilégios que configuram uma situação de desigualdade e injustiça relativa comparativamente a outros grupos e sectores da população.
Se evoco aqui Diogo de Couto, um estudioso de latim, retórica e filosofia, nascido em 1542, que anos depois vai para a Índia, torna-se amigo de Camões em Moçambique, é porque nunca como hoje a sua postura face à vida deve ser recuperada, até para evitar males maiores nas sociedades modernas. E a grande lição de Diogo de Couto repousa no seu particular conceito de história - que deveria conter (e contar) as "verdades" sem qualquer restrição. Couto era, pois, um defensor da objectividade absoluta, tanto quanto ela seria humanamente possível, ainda que essa frontalidade incomodasse os antepassados que estivessem envolvidos nos acontecimentos que narrava.
Foi seguindo essa convicção que Diogo de Couto, enquanto historiador, criticou os abusos, a corrupção e toda a espécie de violência praticada então pelos mais fortes, pelas autoridades pelas terras da Índia, protestando contra essas arbitrariedades abertamente. Daí a sua coragem e nobreza de carácter..
Portugal, em face do tipo de alguns governos que tem tido, da natureza de alguns agentes políticos que se têm aproveitado do Estado, daqueles agentes corruptos que pesam imenso ao erário público pago pelo contribuinte carece, como de pão para a boca, de homens como Diogo de Couto. Não para denunciar A, B, C ou D e cultivar um espírito mesquinho, persecutório e pidesco que já tivemos durante décadas em Portugal, e que de certo modo ainda nos está enraizado na alma, mas para reforçar a cultura de legalidade, transparência e de justiça social entre os portugueses cada vez menos existente nos dias que correm.
Injustiça essa visível entre nós pelo tipo de nomeações de carácter politico-partidário feita pelo actual Gov, seja para empresas públicas, seja ainda para empresas cuja maioria do capital é de natureza privada, mas em que o Estado guarda ainda um importante poder relativo que lhe permite condicionar, influenciar, vetar decisões que envolvem contratos avultados entre Estado e empresas do sector privado. Uma relação que em Portugal, consabidamente, sempre viveu em estreito conubio.
Infelizmente, o jornalismo de ideias em Portugal ainda conta com meia dúzia de Diogos de Couto entre nós, mas ainda são em reduzido número para ajudar a, por um lado, denunciar as malfeitorias que vão sendo feitas a este nosso querido Portugal em nome do suposto interesse público, por outro lado, ajudar a criar um Portugal onde se respire melhor e o país passe a ser um local melhor frequentado do que é na actualidade.
Diogo de Couto deixa-nos, portanto, um imenso legado: feito de crítica mordaz a um certo funcionalismo, à ambição desmesurada de certos players, ambição à riqueza e ao luxo - típica dos novos ricos, à opressão aos sectores mais pobres e indefesos da população e da sociedade, à falta de dignidade e de carácter de certas pessoas e à deslealdade entre elas nas suas múltiplas relações.
O exemplo de vida, coragem e nobreza de carácter representado por Diogo de Couto é demasiado relevante para ter sido em vão...

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