sexta-feira

Democracia em perigo - por Dominique Moisi -

Dominique Moïsi
Autor da obra The Geopolitics of Emotion
Será o tempo democrático demasiado lento para responder a crises e demasiado curto para planear o longo prazo?
Numa altura de crise económica e social cada vez mais profunda em muitas das democracias ricas do mundo, essa questão é altamente relevante. Em Itália, por exemplo, o primeiro-ministro tem a ambição necessária e legítima de levar a cabo reformas amplas. Ele é simultaneamente competente e honesto, mas enfrenta um impedimento quase estrutural: ao passo que os líderes tinham antes três anos para convencer os eleitores dos benefícios das suas políticas, têm agora três horas para convencer os mercados financeiros globais que a sua abordagem merece apoio.
Encurralado por legisladores italianos que, no fundo, não entendem essa mudança nem mercados que buscam certezas quase imediatas, poderá Monti transcender a sua prudência natural e agir de maneira suficientemente clara e decidida?
Também nos Estados Unidos o sistema político se está a tornar cada vez mais disfuncional. O filósofo político Francis Fukuyama vai mesmo ao ponto de dizer que a “vetocracia” poderá triunfar sobre a democracia, independentemente de quem vencer a eleição presidencial de 2012. A separação de poderes, um princípio estabelecido pelos fundadores dos EUA influenciados por filósofos como Montesquieu, está a provocar hoje uma quase-paralisia.
As democracias sofrem não apenas pelo seu lento tempo de reacção em momentos de crise, mas também pela dificuldade que enfrentam em projectar-se no futuro e em planear no longo prazo. Em ambos os lados do Atlântico, os líderes políticos sabem o que devem fazer pelos seus países, mas não sabem como assegurar a sua reeleição se realmente o levarem a cabo. Parecem estar estruturalmente condenados a uma postura de curto prazo.
Mas não é porque as democracias têm um “problema temporal” que a sua era parece, a alguns, estar terminada. A China sente-se adequadamente orgulhosa por ser capaz de se projectar no século XXII. Mas a China deve muito mais essa qualidade de pensamento de longo prazo à sua cultura que à natureza do seu sistema político. Os chineses pensam no longo prazo porque são chineses e não por não serem democratas.
É claro que os líderes da China podem reagir a ocorrências sem muita consideração pela opinião pública chinesa. Afinal, a grande maioria dos chineses não sonha com a democracia, mesmo que algo parecido com uma sociedade civil esteja a emergir, gerando novos interesses e exigências que não podem mais ser controladas ou manipuladas completamente, como no passado.
Mas essa é precisamente a fraqueza dos regimes não-democráticos numa era global dominada pela transparência: Quem sonha em tornar-se um cidadão chinês, ou mesmo um cidadão de Singapura? No rescaldo da sucessão hereditária na Coreia do Norte, os pensadores estratégicos salientam correctamente o papel crucial da China na configuração do futuro da península. Mas, não obstante as cenas de histeria que se seguiram à morte do “Grande Líder” Kim Jong-il, a maioria dos norte-coreanos sonha provavelmente em unir-se à democrática Coreia do Sul (mesmo que muitos sul-coreanos receiem esse cenário).
A maioria dos chineses pode não querer ser governada como ocidentais, mas seria errado assumir que a sua única ambição é gastar como ocidentais. Quanto mais bem-sucedidos forem, mais individualistas se tornarão e mais esperarão o respeito e a consideração daqueles que os governam.
Em contraste, se o crescimento económico da China abrandar, o que é provável nos próximos anos, o protesto contra a corrupção – uma fonte de fragilidade para qualquer regime – escalará. Na verdade, é importante retermos que, em vésperas da próxima transição de liderança chinesa, só foram escolhidos os ocupantes para os dois postos mais elevados, e isso por um processo de sagração gradual em que, no máximo, participou uma centena de pessoas.
A crise actual nos países avançados, que poderá muito bem conduzir a uma recessão global (se não estiver já a fazê-lo), não revela apenas as muitas maleitas dos regimes democráticos, mas também age como incubador e acelerador desses males. E afinal a crise pode acabar por ter um impacto ainda maior em sistemas não-democráticos que parecem ser mais eficientes, mas são na verdade muito mais frágeis. Vemos isso com a crescente agitação tanto na Rússia como na China.
Contrariamente ao que se poderia pensar, a democracia é mais resiliente do que as alternativas a longo prazo. Isto permanecerá verdade enquanto os democratas permanecerem convencidos disso. Os modelos não-democráticos não podem verdadeiramente desafiar a democracia. Apenas o mau comportamento dos democratas pode fazê-lo.
Tradução de António Chagas/Project Syndicate
Obs: Interessante artigo que passa em revista as condições de exercício da democracia no mundo. Mas considerar que os norte-coreanaos gostariam de unir-se aos democratas sul-coreanos será, porventura, um exagero do autor do artigo. Salvo se essa reunificação se realizar sob condições e termos da Coreia do Norte, o que conduzirá a um impasse não-democrático. Seja como for, parece-me que a natureza da democracia - global, europeia - não deverá sucumbir às imposições e caprichos dos mercados, para isso existem normas que limitem o seu poder que hoje esmaga a expressão política dos parlamentos nacionais que não são consultados para muitas reformas ou medidas que acabam por singrar em cada um dos espaços nacionais, e nem sempre visando o bem comum e a prosperidade dos povos destinatários dessas medidas. A democracia global, sendo um sistema imperfeito e diferente de país para país, carece de melhoramentos constantes e de uma vigilância permanente. A alternativa é sempre pior e mais perigosa e dispendiosa. Hoje já praticamente todos conhecem o sabor da LIBERDADE - e já ninguém se imagina vivendo privado desse valor absoluto. Um contágio que qualquer dia demanda seriamente a China.

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