Demissionismo - por António Vitorino - dn -
Este fim de semana começa a campanha eleitoral. Formalmente, entendamo-nos, porque a campanha já está na rua pelo menos desde que o PEC IV foi rejeitado no Parlamento.
Este tem sido o tempo dos programas eleitorais e das sondagens. Agora a campanha "vai para a estrada", numa demonstração de que, entre nós, os partidos políticos (todos eles), com a cumplicidade da comunicação social, continuam a fazer um tipo de campanha pensada para o seu impacto televisivo, que já não tem paralelo nas campanhas levadas a cabo pela esmagadora maioria nos demais países europeus. Ao menos a crise vai-nos poupar a exuberância dos outdoors.
Onde não vai haver grande poupança é nas sondagens. Com efeito, o número de sondagens levadas a cabo e a intensidade com que são divulgadas variam na razão inversa da monótona semelhança dos seus resultados. Dir-se-ia que desta feita não haverá, pelo menos nas sondagens, vencedores e vencidos: ou todas acertarão ou todas estarão erradas!
O mais significativo destas sondagens é a convergência no elevado número de respondentes que... se recusam a responder! Bem como a relevante percentagem de indecisos a escassas duas semanas do acto eleitoral. Estes dois factores tornam a vida dos responsáveis das sondagens ainda mais difícil.
Como é sabido, neste exercício de "adivinhação do futuro", como já lhe chamaram, o mais complexo é avaliar a abstenção previsível e o seu impacto nos resultados de cada partido concorrente (subl. é nosso). Mais ainda numa eleição em que a crise tem um efeito desmoralizador das expectativas e num momento em que se avolumam as derivas populistas contra a política e os políticos (do tipo "um milhão na rua pela demissão de toda a classe política").
O denominado "empate técnico" entre PS e PSD assinala já o efeito do "voto útil" à esquerda no PS e a capacidade de resistência do CDS-PP. Por ora, a alternância no primeiro lugar das sondagens oscila ao ritmo das trocas recíprocas entre o PSD e o CDS-PP, mas a soma deste bloco, por si só, não garante a maioria absoluta dos mandatos, tudo dependendo da sua distribuição nos círculos eleitorais mais representativos.
O que significa, na minha opinião, que a vitória eleitoral se joga na capacidade de captação de apoio entre os não respondentes e os indecisos. O mesmo é dizer, entre os potenciais abstencionistas ou os que estejam inclinados a votar em branco.
Na recente eleição presidencial, os abstencionistas superaram os 50% do eleitorado e os votos em branco tiveram uma expressão bastante superior ao que costumava suceder em antecedentes actos eleitorais. Desta feita, as eleições legislativas, pelo clima político criado e pelas opções que se colocam aos portugueses, têm condições para serem bastante mais competitivas do que as eleições presidenciais de Janeiro e, consequentemente, provocarem um maior apelo ao voto.
A mobilização dos indecisos para o voto constitui, por isso, o principal desafio com que estão confrontados os dirigentes partidários. Em especial os dos dois partidos que podem aspirar ao primeiro lugar nos resultados. O que passa pela demonstração de que a não participação ou a não escolha, como protesto, tem um alcance meramente instantâneo, mas traduz-se duradouramente no endosso, pela inacção, de uma ou outra das alternativas em confronto.
Não se trata aqui de fazer a apologia do "menor mal". Antes, sim, de colocar todos perante as suas responsabilidades, a começar pelos que, ao eximirem-se de participar, não poderão depois queixar-se de que "eles" (os políticos), escolhidos pelos "outros" (os que votaram), não cuidam dos "nossos" interesses (dos que preferiram o protesto à participação). É que o desencanto não legitima o demissionismo!
Obs: Um apelo à participação no voto a 5 de Junho próximo. Seria frustrante que a taxa de abstenção atingisse os níveis do passado recente noutros actos eleitorais, revelando que, afinal, aqueles q decidem da eleição dos governantes estão em minoria relativamente ao nº de votantes daqueles q, lamentavelmente, se abstêem.
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