Está em curso uma nova revolução global, mas que não tem um programa específico e comum a todos os seus proponentes, cidadãos que actualmente organizam boa parte da sua vida "onlive", ou seja, de forma virtual e em interacção com o mundo de carne e osso que nos embrulha a todos. Quero crer, por outro lado, que, consoante os países e os níveis de desenvolvimento social e económico no interior de cada sociedade, se vai racionalizando o capital de queixa entre os diversos segmentos da população - que comunica entre as suas aspirações, objectivos e, naturalmente, frustrações pelo país que têm e pelas escassas oportunidades de vida com que se deparam. A escapatória, embora já sem o sucesso de outros tempos, reside na emigração - que sempre foi um processo mais ou menos doloroso, consoante as pessoas e as amarras familiares que deixaram no país de origem. Seja como for, o agendamento destas manifestações simultâneas a terem lugar em inúmeros países, revela que há, pelo menos, um entendimento convergente quanto à frustração que tolda caminhos e destinos, bloqueia a saída de milhares e milhares de jovens que não conseguem arranjar um emprego, desenhar um projecto de vida, assumir um desígnio. Esses bloqueios múltiplos obrigam-nos a ficar em casa dos pais até idade tardia, a economia ressente-se, a taxa de natalidade também, e assim toda uma economia nacional começa a ficar adiada pela ausência estrutural de respostas e de saídas para várias gerações que, assim, fica pendurada num Estado que também não se consegue modernizar, racionalizar, encurtar a fim de libertar recursos para criar incentivos para a actividade económica privada, que é quem, de facto, gera riqueza. Neste quadro, as novas tecnologias de comunicação e informação são ao mesmo tempo espaços de informação e de pedagogia e são públicos a dois níveis: por um lado, alargam o campo de possibilidades da transcendência da linguagem e das atitudes a desenvolver posteriormente, pelo que os discursos produzidos no FB, blogues, chats, fanfic e em outros debates online e redes de interesses - não cumprem as regras formais da linguagem e da escrita formal que aprendemos nas escolas; por outro, esta pequena transgressão da comunicação que perpassa os media digitais, permite aos jovens (e não só) reclamar para si a autoria das suas próprias palavras, conceitos e cosmovisões, dado ser através dessa nova linguagem que podem reconstruir a sua personalidade, o seu papel na sociedade, recuperando também a sua identidade histórica e cultural numa sociedade e num país que consideram ser castrador para todas essas perspectivas e legítimas aspirações de vida.
Neste domínio, é óbvio que estes factos têm leituras políticas assinaláveis, e tendem a virar-se contra quem está no poder e não pode - ou não tem sabido - estruturar as melhores políticas públicas para dar resposta a problemas básicos da nossa economia nacional.
Deve ser este tipo de sentimentos que convergiram entre si unindo milhões de pessoas, e que estão na origem desta manifestação pacífica global organizada em boa medida pelo Facebook e outros meios de comunicação capazes de racionalizar o descontentamento e, ao mesmo tempo, permitir veicular um conjunto de propostas que os poderes públicos, nos diversos países, deverão saber ouvir e passar a agir em conformidade. Desconheço, a esta curta distância, se esta iniciativa global irá produzir alguns efeitos sociais no interior de cada espaço social afectado por aqueles problemas socioeconómicos, mas admito que este conjunto múltiplo de prostestos, até com motivações algo diversos entre si, possa gerar uma nova cultura cívica e política na esfera global (potenciada pela virtualidade dos meios disponíveis) que ajudem a estruturar novos debates nacionais e transnacionais acerca do futuro da organização da sociedade e da economia, e até no plano ético, de modo a promover actividades e políticas públicas que possam ir ao encontro dessas legítimas expectativas.
Todavia, seria ingénuo supor que que a tecnologia é emancipatória, ou que os jovens (e não só!!) empenhados na dinamização deste encontro global de visões altere substancialmente o estado da arte que hoje vivemos.
Assim sendo, aquilo que consigo antever deste mega-evento, é que uma nova produção de texto, de linguagem, enfim, de comunicação começou a interagir no seio dos espaços virtuais, e por essa cultura virtual estar enraizada entre os mais jovens - esse capital cultural começa também a querer interferir com a própria realidade socioeconómica a fim de lhes propiciar mais oportunidades e melhor qualidade de vida.
Em rigor, e se isto tem algum fundamento, a interacção desses espaços sociais/virtuais, que surgem cada vez mais justapostos, pode significar que essa forma de auto-expressão, ao mesmo tempo individual e colectiva, representa um enorme espaço de potencial político - a que a política e os políticos tradicionais têm de saber responder, sob pena de também eles perderem o seu próprio "comboio" e o "comboio da história".
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