sexta-feira

Evocação de Sartre

Sempre apreciei mais Sartre como escritor do que como filósofo e pensador, até porque nos desafios que se colocaram no quadro da IIGM - Raymond Aron conseguiu ter sempre, ou quase sempre, razão, pelo que o existencialista estava do lado errado da razão e da história - como os factos provaram no Centro e Leste europeu com as desgraças geradas pelo rolo compressor do comunismo soviético.

Mas adiante. Sartre não deixe de ter importância só por causa dos meus modestos caprichos. Contudo, chamo aqui Jean-Paul Sartre à colação, na antecamara de 2011, por causa duma peça que escreveu, Sem Saída, que espelha uma desconfiança das pessoas entre si, que estão numa espécie de inferno. Essas três personagens, melhor dizendo, sentem-se aprisionadas numa sala e condenados a manter-se acordados por toda a eternidade.
E no decurso da peça de Sartre torna-se evidente que nenhuma daquelas personagens está contente com a situação em que se encontra. Todos se sentem ameaçados, ansiosos e oprimidos pelas respectivas presenças. No fundo, sentem-se impiedosamente julgados pelos companheiros e lamentam não poder escapar da companhia uns dos outros.
Voilá, uma realidade perturbadora narrada pelo velho Sartre, que aqui evocamos, sobretudo quando passamos a vida a desejar Feliz Natal e Bom Ano uns aos outros mesmo sabendo que o que aí vem é, literalmente, o inferno: fiscal, económico, financeiro, social e o mais...
Sartre acaba por ser um pensador relevante porque consegue retratar como ninguém a própria miséria da condição humana, e, se assim for, estamos condenados a identificar alguns dos trajectos pessoais dos portugueses como aqueles personagens da obra de Sartre, Sem Saída.
Mas o ano novo está à porta, por isso urge criar aquela tonelada indispensável de ilusão para poder continuar a sonhar com os projectos inacabados inerente à própria natureza humana.
Bom Ano de 2001 - para todos aqueles que diáriamente nos visitam, de forma mais ou menos oculta.

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