sexta-feira

Três tempos - por António Vitorino -

O ano que logo à noite começa vai desenrolar-se em três tempos. O primeiro, e mais determinante, será o tempo da economia. Ou melhor, o tempo da execução orçamental. Será o tempo mais imediato e também o mais curto. Os números do primeiro trimestre serão decisivos, tanto para apurar da eficácia das medidas adoptadas pelo Governo, como para responder às dúvidas de credibilidade que se colocam nos mercados internacionais. DN
A resposta a estas questões começa cá dentro e depende, em primeira linha, de nós próprios. Algures neste tempo será mais claro se o "caso português" ainda vai ser visto (e tratado) à luz do paradigma vigente na União Europeia (a técnica do "salame" dos casos grego e irlandês, que já se percebeu não vai conter o progre- ssivo contágio da crise da dívida soberana) ou se já seremos incluídos numa outra aproximação às questões da sustentabilidade do euro, alicerçada numa vontade comum de coordenação das políticas económicas nacionais, via essa que me parece incontornável no caso de os dois países ibéricos acabarem por ser considerados em conjunto.
O segundo tempo é o tempo da política. Já se percebeu que as eleições presidenciais não vão constituir um momento de mobilização nacional que reverta o ambiente político geral do País. Os candidatos têm tido dificuldade em encontrar os pontos de aplicação do seu discurso com directa incidência nos problemas quotidianos dos portugueses, dificuldade essa, aliás, que resulta da delimitação dos próprios poderes presidenciais. Como nenhum dos candidatos que pode aspirar à vitória acabou por se deixar seduzir pelas teses da mudança de regime no sentido do presidencialismo, o epicentro do combate político permanecerá a luta partidária e o jogo parlamentar.
Assim sendo, fica em aberto a hipótese de uma crise política desencadeada a partir do Parlamento, só viável mediante uma convergência entre a esquerda e a direita para derrubar o Governo actual e assim abrir caminho ao uso do poder presidencial da dissolução. Para avaliar os riscos dessa operação talvez valha a pena olhar com atenção o que se vai passar na Irlanda nas próximas semanas...
O terceiro tempo é o tempo do social. O ambiente de crise que se vive só poderá resultar adensado pela efectiva aplicação das medidas de austeridade a partir de amanhã. As duas questões centrais do tempo social em 2011 serão, sem dúvida, o desemprego e a repartição equitativa dos sacrifícios impostos.
Neste particular, o maior risco vem daqueles que demagogicamente pretendem criar a convicção de que pode haver uma alteração significativa do desemprego no curto prazo. Com efeito, mesmo as tão reclamadas medidas de flexibilização do mercado de trabalho, na parte referente à facilitação da contratação, não produzirão efeitos de curto prazo, pelo que é de esperar que, sem um crescimento económico significativo, os actuais níveis de desemprego tenderão a perdurar durante o ano que ora se inicia. O que implica particular atenção às consequências de tal situação em termos de coesão social, num quadro complexo de contenção da despesa pública.
Já quanto à repartição equitativa dos sacrifícios, o que está em jogo, no limite, é a legitimidade e aceitabilidade social das medidas de austeridade, naquela zona fina de fronteira entre a responsabilidade solidária compartilhada e a propensão para reacções violentas de contestação e de desespero.
As excepções às regras de austeridade e os exemplos de desperdício dos recursos públicos serão objecto de um escrutínio muito mais severo e terão um potencial efeito devastador da própria legitimidade democrática no seu conjunto.
Os três tempos deste novo ano serão todos, pois, de grande exigência para os agentes políticos, económicos e sociais. Sabemos à partida que internamente não controlamos todos os dados nem todas as variáveis. Mas não será legítimo ignorar que aquilo que fizermos mal feito ou que deixarmos de fazer por inércia, receios ou bloqueios ancestrais será sempre aproveitado contra os nossos interesses como país e como sociedade.
De nós depende, pois, largamente, a forma como chegarmos a 2012.
Obs: António Vitorino é, de facto, um mestre a organizar o pensamento, a repartir as ideias e eficiente na exposição. Tenho pena que o seu contributo não esteja ao serviço da gestão da polis, especialmente em sectores-chave da administração da nossa coisa pública por onde passam inúmeros bloqueios da sociedade portuguesa que só agravam a dinâmica económica do país.
Um exemplo comezinho: alguém sabe, porventura, o que faz o actual titular da pasta da Justiça?
Certamente, muito pouca gente, e seria capaz de dar mais 3 ou 4 exemplos de ministros e de ministérios que estão em roda livre, e isso prenuncia uma deficiente navegação até 2012.
Veremos como esses players asseguram essa rota turbulenta até lá, se é que 3 ou 4 meses após cavaco ganhar Belém logo à 1ª volta o país - o país não conhece o rotineiro processo de convocação de eleições antecipadas com Cavaco a servir de fiel da balança, com a habitual parcialidade que se lhe conhece, dando, nesse processo, uma mãozinha a PPCoelho na sua ascenção ao cadeirão de S. Bento.
No fundo, cavaco tenderá a fazer com Coelho aquilo que fez com Ferreira leite nas legislativas de 2009, apenas com a diferença de que, neste caso, será melhor sucedido!!! A ser assim, e digo-o com imensas reservas, esta nova relação poderá traduzir o início dum novo ciclo político.

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