quinta-feira

James Dean - o herói problemático

Viver rápido para morrer jovem.
Se recuarmos na história e estivermos dispostos a levar esse soco na memória, somos capazes de encontrar uma estranha analogia entre Portugal, enquanto nação quase milenar e a trajectória de vida deste monstro do cinema que foi James Dean, e que viveu sob o lema de viver como se fosse para a eternidade mas, ao mesmo tempo, tendo noção de que essa eternidade poderia ditar a morte num ápice, i.é, no "aqui e agora" cujas circunstâncias modelam e constrangem as nossas vidas - pessoais e colectivas - enquanto povo.

Dean morreu, mas a sua estrela continua, embora mergulhada na problemática exaltada por uma certa mitologia. Portugal, passe a analogia, também tem a sua estrela nuclearizada na gesta dos Descobrimentos de 500 que permitiu aos portugueses darem novos mundos ao mundo à boleia da caravelas e da bolina que lhes soprava nas velas e permitiu galgar as distâncias numa era pré-mecanizada.
E lá partimos em busca de mais riquezas, dado que o nosso rectângulo era pequeno e pobre, daí a necessidade de cavalgar a onda do mar e extrair bens e riquezas por essa via que não conseguíamos obter no nosso próprio quintal que era Portugal. O Pinhal de Leiria e as madeiras que daí foram cortadas serviram para construir os barcos que conduziram ao 1º processo de globalização na história da humanidade, aproximando povos, continentes e produtos.
Com esta analogia procuramos sinalizar que Portugal, como um actor no sistema internacional, foi uma estrela no firmamento, éramos pequenos mas representámos grandes narrativas na história mundial, fomos uma grande potência diplomática, mas, hoje, a imagem que damos de nós é degradada, decadente, a de um país que não é mais governável por si próprio, carregado de impostos até à medula que asfixia a actividade empresarial e mata o próprio empreendedorismo, daí a ligação entre o nosso país e James Dean, cuja imagem de adolescente sempre foi a de um revoltado contra os pais e a sociedade que acabou por ficar sequestrado pelo seu próprio êxito e destino.
Ele abandonou a faculdade para se tornar um quebrador de gelo num camião-frigorífico, num marinheiro rebocador, num marújo num iate até conseguir as luzes da ribalta. Portugal é hoje o velhinho país do turismo, com impostos elevados, habitação cara, sem oportunidades de emprego para oferecer aos nossos jovens, incapaz de atrair IDE (Investimento Directo Estrangeiro) e quase nas mãos do FMI para reorganizar as nossas finanças públicas. Tudo na fronteira da recessão.

Buscamos o absoluto mas apenas encontramos um prenúncio de morte.
É assim que hoje se encontra grande parte da realidade pessoal e colectiva do povo português. Dean, contudo, teve a vantagem de morrer rápido, mas imortalizou-se através da sua própria simbologia; Portugal, ao invés, está refém duma história genial, gloriosa mas tendo pela frente um presente e um futuro deprimente na economia, na sociedade e, claro, nas finanças públicas que, de resto, sempre foram o calcanhar de Aquiles da economia portuguesa, desde a queda da Monarquia.
Mediante esta analogia, talvez um pouco forçada, Portugal viveu uma vida dupla: vivendo consumindo muito acima das suas possibilidades, não deixando dinheiro para a poupança, mas depois queixa-se da situação em que se encontra; Dean protagonizou essa fúria e revolta, mas foi uma fúria e uma revolta sem causa, sem projecto e sem finalidade. Lutou, mas contra um vazio que acabou por não lhe dar futuro, um pouco como hoje sucede a Portugal
James Dean, um pouco como o Portugal contemporâneo nesta 1ª década do III milénio, pode ter em La fureur de la vie e Rebel without a cause - ou ainda em Vidas Amargas e em Juventude Transviada, representado essa revolta contra a família e a sociedade do seu tempo, mas foi uma luta em vão, inglória, apenas nos deixou a sua próprio mitologia. Viver intensamente, morrer rápido. Uma receita sofrível.
Portugal, enquanto nação e projecto colectivo, ainda que teleguiado por Bruxelas, pode ser coadjuvado na sua imensa bebedeira e mágoa de se sentir uma 2ª Grécia, o que ajuda a explicar a contradição essencial do nosso tempo, afinal de todos os tempos: aspiração à vida eterna, como Dean, mas tendo sempre no horizonte um tremendo prenúncio de morte.
Quando em 1985 se fechou o Programa com o FMI (iniciado em 1983, creio), então negociado pelo ministro das Finanças Ernâni Lopes, Portugal ainda tinha a escapatória de estabilizar a economia com a adesão de Portugal à então CEE (em 1986) - da qual passou a receber milhões de contos por dia, o que nos deu uma perspectiva de crescimento, modernização e de desenvolvimento sem precedentes na história do século XX português. E foi apenas por esta razão que Cavaco tev sucesso enquanto PM. Hoje jamais conseguiria governar em contexto de "vacas magras".
Apesar de continuarmos integrados na UE, o tempo das "vacas gordas" terminaram há muito, e a escapatória passa por receitas de culinária domésticas made in S. Bento que terão consequências dolorosas entre as famílias, as empresas e as pessoas em Portugal. Tudo porque se tomaram as medidas demasiado tarde, e quando assim é ao doente já não tem apenas de se lhe cortar o pé, mas amputar-lhe a perna para evitar a contaminação ao restante organismo social.
Portugal reflecte hoje a própria mitologia de James Dean, representamos um projecto sem causa, ou, se quisermos, uma causa sem finalidade.
James Dean

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Ryuichi Sakamoto - Love and Hate (Live 1994)

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